4/30/2007

O preço a pagar

O conceito de "o preço a pagar" pode constituir em numerosos casos uma óptima almofada de consolo e de aceitação de uma consequência penalizadora. Isto, se é o próprio ou um amigo que utiliza o conceito. Se for alguém que não goste da pessoa visada, haverá laivos de deleite perverso na referência a esse preço a pagar. Vejamos alguns exemplos dos muitos que a vida nos oferece. Talvez este seja um parágrafo a merecer algumas reflexões, entre elas a enorme tendência, desde os tempos mais primitivos do homem, para encontrar uma justificação para tudo.

É o preço a pagar

Por gostar muito de uma pessoa. / Por estar vivo. / Por ter gasto mais do que podia. / Por manter determinadas amizades. / Por ter cometido fraudes. / Por ter mau feitio. / Por ser pouco sociável. / Por ser egoísta. / Por ser ingénuo. / Por ter sido mimado pelos pais. / Por ter sido infiel à mulher. / Por ter sido um mau pai. / Por ser membro de um partido. / Por ser um faltista ao emprego. / Por ter sido demasiado honesto.

Existe, entretanto, uma diferença sensível entre as pessoas que, compreensivamente, se referem ao "preço a pagar" e as outras que dizem apenas, consumisticamente, "é o preço!".

4/23/2007

A palavra e o género

Imagine que alguém lhe dizia que o sol era um substantivo feminino. E, já agora, que a lua era masculina. Então e se a raposa fosse, afinal, masculina? E, em contrapartida, se a cegonha, aquela que traz os bebés, fosse um ser macho, como aliás aquele bico grande da ave pode dar a entender?
Se isso fosse assim, teríamos muito do nosso imaginário perfeitamente virado do avesso.
A verdade é que em alemão os quatro exemplos citados têm géneros exactamente opostos aos do português. Ponha-se no lugar dos alemães. Ficaria também admirado(a) ao saber que os géneros nas outras línguas não eram como na sua. Acrescente-se que, antigamente, o inglês costumava ter essas mesmíssimas características do alemão. Presentemente, dos exemplos acima, só a nossa raposinha é que é um raposão britânico e a nossa cegonha um valente cegonhão.
E ainda pretendem dizer-nos que o género não é importante!

4/21/2007

Isolamento ou abertura?

Quando abandonei uma pacatíssima vila onde vivi os meus primeiros dez anos e vim estudar para Lisboa, apanhei vários tipos de abanões. Encontrei pela frente um mundo bem diferente daquele que conhecia. Quando, alguns anos mais tarde, trabalhei durante cerca de um ano como assistente (para trabalhos de tradução e secretariais em línguas estrangeiras) do Presidente de um congresso médico mundial, obtive as minhas melhores notas na Faculdade. Quando, logo a seguir, fui trabalhar para a Alemanha aproveitando as longas férias da universidade portuguesa, regressei com a visão de um mundo bem diverso, mais avançado. Posteriormente, a estada em África durante a guerra colonial proporcionou-me o contacto com imensas coisas novas. Novos conceitos e aprendizagem real têm resultado do meu viajar bastante regular por vários países do mundo.
No entanto, durante a minha actividade profissional em escolas privadas e públicas, encontrei grande resistência a muito do que eu tinha entrevisto como novidade. (Mesmo assim, devo admitir que essa resistência foi menor nas instituições privadas do que na pública.)
A que virá agora este arrazoado? Vem a propósito da necessária maior abertura do país. Por muito que não queiramos aceitá-lo, a propalada ideia do "jardim à beira-mar plantado" dá mais a noção de isolamento do que de contactos múltiplos. O "orgulhosamente sós" do regime do Estado Novo já não pega, mas o conceito deste "nosso cantinho" mantém-se em grande parte. É verdade que a situação geográfica do país para isso contribui, mas não nos esqueçamos que também contribuiu para a expansão marítima, de que, no sentido de empreendedorismo, justificadamente nos orgulhamos.
Portugal terá apreciado tempo demais uma paz monolítica de conferir poderes excessivos a quem manda, de ter o Estado e a Igreja num conluio que noutros países foi, em vez disso, de luta, de possuir minorias elitistas e fechadas em si mesmas a dominar e a conduzir os destinos da maioria.
Num recente concurso televisivo que deu bastante que falar, não foi muito referido que os dois primeiros lugares foram, afinal, ocupados por figuras totalitaristas. E não por acaso, creio eu. Assim como totalitária tende a ser entre nós a Igreja católica, que vê com maus olhos a presença de outras religiões nesta "fidelíssima" nação. O mesmo se poderá dizer da atitude tipo-monobloco dos aqui-nascidos versus os vindos de fora.
E, no entanto, a experiência mostra-nos que os grandes saltos são os dados através do nosso contacto com o exterior. As já referidas viagens de exploração marítima de um pequeno país então com escassos dois milhões de habitantes são disso o melhor exemplo, tanto quanto o pior foi a expulsão do corpo estranho dos judeus, aliás detentor de formação muito superior à do português comum.
A grande viragem tentada e conseguida na nossa História com os filhos meio-estrangeiros de D. João I (D. Henrique, D. Pedro, Isabel) são um óptimo exemplo. O Marquês de Pombal, com o seu conhecimento in loco da vida na Inglaterra e na Áustria, o Verney com a sua experiência do mais avançado que se fazia lá fora no domínio da educação, o inteligente e culto Abade Correia da Serra que acabou repudiado pelos governantes portugueses, são outros bons exemplos do que poderia ter sido mudado e não foi. Existe uma contínua resistência à mudança, uma protecção encarniçada ao status quo, uma política de acomodação que faz com que, através do avanço de outros povos, nós acabemos por ficar para trás. Como dizia alguém (cito de cor): "Desenganem-se os que se vangloriam com as descobertas do Gama. Nós somos descendentes não dos que foram à Índia, mas dos que ficaram."
É por isso que a notícia da colaboração do MIT com universidades portuguesas tem de ser recebida com muito apreço. É claro que eles vêm cobrar e ganhar dinheiro. Mas o que importa é que se faça uma revolução na mentalidade. A recente parceria com um importante centro germânico de investigação científica é outro ponto a favor. Os nossos típicos in-breeding, política de círculo fechado e olhar para o umbigo só dão mais do mesmo. Congratulo-me com o facto de muitos portugueses fazerem mestrados, doutoramentos e pós-graduações avançadas em países mais desenvolvidos. Se há muito que aprender com outros, que se aprenda. Com gosto, vontade, e não com base na lei do menor esforço. O país precisa de dar o salto mais difícil, que é o da mentalidade, tanto a nível individual como em termos de nação.

4/17/2007

O Gini e a Inveja

O índice de Gini, aqui já várias vezes abordado, mede o grau de desigualdade de rendimentos numa determinada região ou país. Em Portugal, foi revelado há dias algo que já se sabia, embora com números ligeiramente inferiores. Foi divulgado que os 20 por cento mais ricos têm rendimentos que são 8,2 vezes superiores aos 20 por cento mais pobres. Na União Europeia, essa diferença queda-se pelas 4,9 vezes. Portugal confirma assim o seu posicionamento de país europeu mais desigual nesta matéria. Com mais de três décadas passadas depois da ruptura com o regime anterior através do 25 de Abril, e após 20 anos de integração na União Europeia, dificilmente poderíamos encontrar um indicador pior.
Entretanto, seguindo a letra do conhecido provérbio que nos diz que "os rios correm para o mar", este dado ajuda-nos a entender melhor a corrupção que por aí grassa, os capitais não taxados, os privilégios de sectores, empresas e pessoas. Compreendemos com mais facilidade a existência de um país por demais assimétrico, onde a desconfiança dos mais desprotegidos acaba por ter toda a razão de ser e, no fundo, também a dos privilegiados porque "o bom julgador por si se julga". O que se vai sabendo pela transcrição de conversas telefónicas entre alguns poderosos leva-nos direitinho ao "banco dos favores", clube onde se espera que um favor que a um se faz seja pago com favor de outro tipo, sempre do lado de fora da lei e da democracia que nos promete tratamento igual para todos.
Quando se diz que o português é desconfiado, não se está a dizer uma mentira. Quando se diz que aqui a inveja campeia, também não. Mas não haverá motivo para se pensar que "quem tem padrinhos, safa-se; quem não tem, amola-se"? O que tem isto a ver com um real Estado de direito? Será socialmente justo que um quinto da população mais rica possua rendimentos que são superiores em mais de oito vezes à quinta parte dos mais pobres?

4/15/2007

Hora D

Há indicadores na área da saúde portuguesa que melhoraram extraordinariamente nas últimas décadas. Suponho que a taxa de mortalidade infantil, que é hoje uma das mais baixas do mundo, encabeça todos esses indicadores. Congratulemo-nos com tal facto e tiremos o chapéu às políticas dos vários governantes da área e médicos que conseguiram este quase-milagre. Nothing is impossible!
No geral, os portugueses estão a viver mais anos e uma boa série de doenças que anteriormente afligiam os nativos destas bandas foi já praticamente erradicada. Entre outras, a tuberculose, que foi praga, mantém-se a níveis aceitáveis, e o raquitismo que afectava aqueles miúdos que não iam à praia nem tomavam óleo de fígado de bacalhau desapareceu. Ou desapareceu?
Os pediatras portugueses são, no geral, pessoas competentes e bem informadas. Calculem o meu espanto quando há dias soube que uma pediatra profissionalmente muito competente tinha prescrito na alimentação de uma bebé a adição diária de uma gota de vitamina D, exactamente a vitamina contra o raquitismo! Num país com quase três mil horas de sol anuais e que justamente se vangloria disso!
O mal não está na pediatra, porém. Ela sabe que ultimamente se vêm notando mais casos de raquitismo no nosso país. Alimentação menos boa e menores cuidados de alguns pais podem explicar uma parte. Mas a parte de leão está reservada a outro agente: os protectores solares! De facto, os angustiados pais são tão bombardeados hoje com os efeitos maléficos do sol que, mal chegam à praia, besuntam literalmente os seus filhotes da cabeça até aos pés, com receio de que eles se exponham demasiado ao sol e apanhem um sério contratempo. Os factores dos protectores solares têm aumentado de ano para ano. Quer dizer: está-se na praia, e não se está. Do ponto de vista de benefício dos raios solares, claro. Como resultado, num dos países mais ensolarados da Europa, eis as nossas crianças a tomarem gotas de vitamina D!
Something is rotten in the state of Portugal.

4/13/2007

Matriz de Acontecimentos (13 Abril 2007)

A rapaziada do canal de televisão Arte está delirante e deu as estrelastodas ao filme «Belle Toujours» de Manoel de Oliveira estreado em Paris nodia 11, pp.

Em Valado dos Frades (108 km de A8), até sábado dia 21, 10º Festival de Jazz de Valado dos Frades (www.jazzvalado.net)

Até dia 21, nas Bibliotecas Municipais de Oeiras, Carnaxide e Algés, «Bibliofesta’07- dar voz aos Poetas»

Sexta-feira, dia 13:

às 19h00, na Livraria Almedina do Saldanha, Conferência “Os problemas do ensino da Matemática”, com os Prof.s Carlota Simões e Jaime Carvalho e Silva

Sábado, dia 14:

às 11h15, na RTP2, “Os Blues: A Alma De Um Homem” de Wim Wenders (para complementar a colecção de filmes relativos a blues que o Scorcese que tem vindo a apresentar no final do serrão)

às 15h00, no Edifício Sede da Gulbenkian, visita à exposição «Fundação» de Pedro Cabrita Reis, guiada por Carla Mendes

às 18h00, no Museu da Música Portuguesa (Casa Verdades Faria, no Monte-Estoril), “Ludwig Van Beethoven” por Solistas da Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras

Domingo, dia 15

às 12h00, no CAMJAP (“Centro Arte Moderna da Gulbenkian”) visita temática do ciclo “Artistas da Colecção” “Artistas mulheres na colecção: Ana Jotta, Ana Hatherly, Helena Almeida, Lourdes Castro, Paula Rego, Susanne Themlitz” por Hilda Frias

às 14h30, no Jardim Botânico do Museu Nacional de História Natural, Rua da Escola Politécnica, visita guiada (10 €) pelo Prof. Dr. Fernando Catarino

às 16h00, no Edifício Sede da Gulbenkian, visita à exposição «INGenuidades - Fotografia e Engenharia»: “Os Quatro Elementos, Criar e Ordenar o Mundo”, por Susana Anágua

às 17h00, no Palácio dos Aciprestes, em Linda-a-Velha, “Ludwig Van Beethoven” por Solistas da Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras

às 18h00, no Cinema São Jorge, concerto pela Escola de Música do Conservatório Nacional

Segunda-feira, dia 16:

às 18h30, no Palácio Foz, Recital de Música de Câmara

Quarta-feira, dia 18,

Dia Internacional dos Monumentos e Sítios

às 21h30, na Biblioteca Municipal de Algés, “Café com Letras” com João Gil, integrado na «Bibliofesta’07»

às 21h30, em Valado de Frades, actuação dos Desbundixie (intérpretes aceitáveis de música dixie)

Quinta-feira, dia 19 às 13h00, no Edifício Sede da Gulbenkian, visita à exposição «INGenuidades - Fotografia e Engenharia»: “Os Quatro Elementos, Criar e Ordenar o Mundo”, por Susana Anágua

às 18h30, no Museu do Chiado, visita guiada, por José Luís Porfírio, ao quadro “O Grupo do Leão (1885)” (inscrições pelo 213432148)

às 21h30, na Biblioteca Municipal de Algés, “Café com Letras” com Rui Reininho, integrado na «Bibliofesta’07»

A seguir: 28 Abril, Laurent Filipe toca (e canta….) no OndaJazz

Download do ficheiro das Sugestôes (13 Abril 2007)

Bom fim de semana
JMiguel

4/12/2007

O Diploma (II)

Na medida em que coloquei aqui há dias um post sobre o diploma académico de Sócrates, venho agora dar-lhe um follow-up que acho eticamente necessário.
Em face das declarações de Sócrates à TV, que ouvi com atenção, fiquei pessoalmente convencido de que este é um caso como muitos outros. Embora admita alguma tentativa de influência da universidade sobre o político - "é sempre bom termos alunos que são políticos, porque podemos um dia vir a precisar deles" - não me custa aceitar que a admissão de Sócrates, como a de outros alunos, na Independente, tenha sido inicialmente feita sem documentos. Na minha experiência de instituições superiores privadas constatei que essa prática era relativamente comum, especialmente quando se tratava de C.E.S.E.: os candidatos eram admitidos condicionalmente. Todos os alunos eram informados de que a sua admissão era feita nestas condições. Entretanto, pagavam a matrícula e as respectivas propinas. Repare-se que, recaindo sobre os alunos o ónus da apresentação dos documentos - aquilo que a instituição fazia era dar-lhes a possibilidade de frequentar as aulas a fim de não perderem o ano -, não só a publicação das notas intermédias como a emissão do certificado final dependeriam sempre da completa regularização do processo. A inspecção ministerial fazia-se de várias maneiras, sendo que uma delas consistia, como parece lógico, numa amostragem representativa dos dossiers dos alunos, que eram cuidadosamente examinados.
Por outro lado, considero perfeitamente natural a mudança do ISEL para uma universidade, porque, quer se queira quer não, o prestígio de uma universidade é, regra geral, superior ao de uma instituição politécnica. Se quem passa o certificado final e posterior diploma é uma universidade, o aluno acaba por ter, oficialmente, um curso dessa universidade, na medida em que o respectivo conselho científico aprovou as equivalências requeridas.
Conquanto eu não exclua totalmente a possibilidade de algum tratamento mais de favor, nada neste momento me parece justificar a continuação de um eventual martelar no assunto, a não ser uma típica perseguição ad hominem.

4/08/2007

Composição de teste de Secretariado

Leccionei Inglês num Curso de Secretariado durante um número considerável de anos e, devo dizê-lo, geralmente com muito agrado. As aulas eram interessantes, havia vivos debates sobre os mais diversos temas e o nível das alunas era mais do que aceitável: por vezes, excelente. Em limpeza de arquivos, dei ontem com um teste desse curso, datado dos anos 70. A composição que eu pedia, na parte final do teste, era a seguinte: A former Secretary of the State of New York, a woman, said, "There are four things a woman needs to know. She needs to know how to look like a girl, act like a lady, think like a man, and work like a dog." Comment on this statement.
Coloco aqui esta questão apenas para fazer uma pergunta: na altura, recordo-me que houve respostas muito curiosas. Hoje em dia, faria ainda sentido fazer uma citação deste tipo?

4/05/2007

Público e Privado

Entre o muito spam que por aí circula em e-mails, há uma pequena anedota sobre um indivíduo que está hospitalizado e que, carecendo de informação sobre o seu estado de saúde, faz uma série de telefonemas sem se identificar, até que, finalmente, consegue ter informações concretas através do médico que o trata. A história está contada com graça, mas é encabeçada por um título tendencioso: "Hospital Público". É um título que deixa pressupor que só nos hospitais públicos as coisas se passam assim. Nos privados uma história destas seria impossível.
Curiosamente, acabo de vir de uma unidade hospitalar pública, o S. Francisco Xavier, onde fui visitar uma familiar. É uma unidade modelar em muitos aspectos. As instalações do bloco de partos e pediatria são uma maravilha. As várias salas de parto estão apetrechadas com o melhor que se pode pedir numa emergência. O corpo médico é profissionalmente bom, tal como o pessoal de enfermagem.
É claro que há hospitais públicos menos bons, só que este é melhor do que a vasta maioria dos privados. Contudo, a corrente maioritária de opinião na comunicação social é a de que o privado é bom. O público será sofrível ou mau. Logo, o correcto será privatizar serviços, na certeza de que todas as instituições privadas funcionam melhor.
Pois é! E depois vêm casos de instituições privadas, de ensino superior por exemplo, e vê-se que esse mundo ideal afinal não é assim tão paradisíaco. Há anos tivemos o caso da Moderna, que naturalmente deu muito que falar. Presentemente é o da Universidade Independente. O curioso é que os defensores do pensamento neo-liberal, que defende encarniçadamente a entrega do maior número de serviços ao sector privado e consequente redução dos serviços estatais, depois não se revê em casos como o da Universidade Moderna ou este da Independente. Mais: assacam a culpa ao Governo, porque é dele a culpa de não ter feito uma intervenção mais atempada. Sobre os alegadamente empreendedores, honestos e produtivos membros da sociedade civil, que aqui se portaram menos condignamente, nem uma palavra. Serão apenas uma excepção, afinal. Chama-se a isto respeito pela verdade. E objectividade.

4/01/2007

O diploma

Este breve apontamento diz respeito ao diploma do curso superior de Sócrates. Li alguns artigos em mais do que uma publicação. Admito que, em vista das circunstâncias que têm vindo a público sobre a Universidade Independente, não poria de maneira nenhuma as mãos no fogo afirmando que todos os diplomas emitidos por essa instituição foram cem por cento rigorosos. Entre aqueles que eventualmente não terão passado no crivo apodado de "Rigor", poderá estar o do actual Primeiro-Ministro.
Conheço o significado da palavra "rigor" em instituições de ensino superior privado. Sobre esse significado, direi sucintamente que
(1) há docentes que são, por natureza, mais rigorosos do que outros nas suas avaliações. Isto quer dizer que (a) existem docentes que, correctamente na minha opinião, dão as suas notas independentemente do nome e da cor dos olhos dos estudantes e (b) há quem passe praticamente toda uma turma, quase se recusando a dar notas negativas. A estes dois casos de rigor classificativo, há que juntar dois posicionamentos no que respeita a rigor ético: há quem não se vergue para fazer um favor à administração da instituição de onde aufere o seu vencimento, e há quem considere esse facto um mal menor.
(2) Para a administração de uma instituição de ensino superior privado, o rigor classificativo dos professores tem a vantagem de fazer reprovar numerosos estudantes, de onde resultarão mais proventos resultantes de matrículas e propinas no ano seguinte. Ressalva-se o caso de excesso de rigor, que pode levar ao abandono de alunos para uma outra instituição mais facilitadora. Acresce que a instituição ganha imagem de credibilidade junto da população.
Daqui resulta que, de uma maneira geral, "rigor", se não exagerado, é um conceito válido tanto para professores conscienciosos como para a administração. Para ambos, por razões diferentes e com efeitos diversos, "rigor é valor".
Perguntar-se-á, então: se a direcção e administração de uma instituição nada têm a ganhar com diplomas mais ou menos facilitados, por que razão o fazem? É aqui que se levanta a natural suspeita de obtenção de outros favores, externos ao ensino e à recolha de receitas directas para a instituição. E, relativamente aos beneficiados, vem à mente o conhecido aforismo de que não há jantares grátis. Se de natureza política, esses favores podem representar um fechar-de-olhos ministerial sobre o que está mal na instituição, uma benesse que, admitamos, tem uma mais-valia real bem superior ao de uma matrícula num novo ano.
É neste clima de suspeita que estamos relativamente à licenciatura de José Sócrates. Primeiro foi o título de engenheiro, que ele deixava outros usarem para com ele e que a Ordem não reconhece automaticamente ao respectivo curso da Universidade Independente. Esse título já foi retirado do site do Governo, ao que li. Agora é mesmo a licenciatura que está em questão, com as dúvidas que acima tentei expor.
Dir-se-á: mas que tem a ver um título académico com o real desempenho de um Primeiro-Ministro? A resposta, óbvia, é: nada. Se tivesse, todos os políticos teriam que ser doutorados e com graduações pós-doutoramento. Ora, todos sabemos que muitos bons estudantes redundam em profissionais medíocres e que o inverso é frequentemente verdadeiro na esfera das empresas, dos negócios e da liderança.
Politicamente, porém, o problema pode levantar-se por uma justificada questão de ética, que se resume do seguinte modo: que garantias me dá de conduzir bem o barco do meu país quem angaria para si próprio um diploma de forma menos ética?
Politicamente, ainda, o empolamento da questão prenuncia, sem grande margem para dúvidas, a saída de Sócrates do estado de graça. E sair por este modo pode significar entrar em desgraça. Os de boa memória e mais idade recordar-se-ão de uma anedota que se contava a respeito de Salazar, também quando o seu estado de graça tinha desaparecido já. "Sabes, afinal Salazar não tem o curso completo!" "Como? Não pode ser!" "É verdade, falta-lhe uma cadeira." "Qual?" "A cadeira eléctrica!" Hoje, com o governante morto, esta história soará como demasiado cruel e sádica. Na altura, foi tão popular que correu durante vários anos. É assim a vida: quanto maior é a nau, maior a tormenta.