12/29/2008

Fim-de-Ano

As mensagens de fim-de-ano são sempre, justificadamente, as mesmas. Deseja-se prosperidade, paz, amor e felicidade. Tudo certo.
Depois, deparamos com uma realidade diametralmente oposta, a qual acaba por constituir a prova cabal da justificação dos nossos votos. O que as notícias nos trazem, afinal, são cenários de uma grave crise global, com números de desemprego a elevarem-se significativamente, fraudes financeiras a fazerem estragos por todo o mundo e agora, para coroar o bolo de desumanidades, ataques aéreos devastadores de Israel, um país useiro e vezeiro em conduzir tal actividade sobre a faixa de Gaza. O número de palestinianos mortos já ultrapassou em muito os 300, os feridos são cerca de 1500. Há também notícia de quatro israelitas mortos por foguetões lançados de Gaza. Sobre os israelitas soube-se quem tinha sido a primeira vítima e agora, relativamente à segunda, sabe-se que era um operário da construção civil que estava a trabalhar num prédio na cidade de Ashkelon. Dos palestinianos não consta nas notícias qualquer ficha individual. Para quê? Os "nossos" contam, os outros…
Aos amigos do azweblog endereço com amizade os votos de que o ano que vai entrar corresponda às suas expectativas.

12/27/2008

Accionista à força

Se houve acções do mercado bolsista português que nunca me interessaram foram as de bancos. Não digo que, indirectamente, através de fundos de investimento eu não tenha estado minimamente ligado ao bom ou mau desempenho de uma ou outra instituição bancária de que nunca soube o nome. Mas agora é diferente. Agora, o Estado fez-me estar de olhos bem abertos para a maneira como a banca portuguesa está a ser gerida. Empresta ou não empresta dinheiro, engorda ou não engorda, resolve as suas dívidas ao estrangeiro ou não? O que paga aos seus administradores é consentâneo com o trabalho destes e com a situação financeira da instituição? Todas estas coisas me vão interessar imenso no ano que agora vai entrar. 2009 vai ser o ano em que todos os contribuintes portugueses, comigo incluído, vão estar bem atentos!
Se tudo correr bem, embora seja accionista à força como contribuinte líquido do Estado com os meus impostos indirectos e directos, não irei receber nada mas posso dormir mais sossegadamente. Se a coisa andar para o torto, porém, é sinal de que o dinheiro que os meus compatriotas e eu fomos obrigados a dar não foi suficiente. Então teremos a situação bem preta, porque não são só os bancos que ficam na mó de baixo mas também o próprio Estado.
À custa de tanto ouvir dizer que "o Estado somos nós" começo a perceber que há algo de verdade nisso, principalmente quando me vejo forçado a subsidiar a banca, a correr riscos e, ainda por cima, a não ter eventualmente outros benefícios do que o retorno à situação que vivemos no passado. Ora, como confessei acima, nunca coloquei o meu dinheiro voluntariamente para comprar acções da banca portuguesa. Esta cena, inimaginável há uns tempos, faz-me lembrar uma história que se contava no tempo de Salazar, em que este chegava à janela, fazia o seu discurso e, no final, dizia para a multidão que o ouvira mais ou menos atentamente cá em baixo: “Obrigado, meu povo!”. E o bom povo respondia: “Obrigados somos nós!”

12/26/2008

Os virtuosos

Portugal pode não possuir poços de petróleo mas, a julgar pelo que imensas pessoas dizem de si próprias, é possuidor de inúmeros outros poços: de virtude. Quantos de nós não ouvimos já alguém a falar exaltadamente de outrem e a mencionar as manias, as manhas, a má-formação, o egoísmo desse outrem. E ainda: a sua inveja, a sua incompetência, a sua secura.
O interessante é que quem fala assim de um outro ser humano está implicitamente a autoconsiderar-se juiz. Juiz a sério, com qualidades opostas aos defeitos que aponta: é um ser perfeito, impoluto, objectivo, profissionalmente competente, honesto, altruísta, solidário. Um verdadeiro modelo de virtude. Todos conhecemos pessoas assim, do Minho aos Açores e da Madeira ao Algarve. Por vezes, aliás, somos nós próprios que ocupamos essa mesma cátedra de juiz. Somos, também nós, poços de virtude. Enriquecemos o país. Virtualmente.

12/21/2008

Hemodiálise urbana

A escalada da idade faz muitas vezes as pessoas alterarem o seu modo de olhar as coisas. Não necessariamente para melhor, diga-se, até porque os olhos ficam geralmente mais fracos e o número de circuitos cerebrais tende a diminuir.
Desde miúdo que adoro andar a pé por várias partes da cidade onde vivi a esmagadora maioria dos anos da minha vida. A pé vê-se muito mais do que de qualquer outra forma. Deparamos com figuras e falas de pessoas que nos fazem cogitar e nos desviam a atenção de um eventual cansaço das pernas. A pé, vê-se a cidade viva, vizinhas a tagarelarem à janela ou à porta de casa, a mulher que protesta contra os malvados pombos que lhe sujaram a roupa estendida, o homem que lava o seu carrito para entreter o tempo, o outro que se mete na viatura sem sair do local habitual de estacionamento apenas para pôr o motor a trabalhar não vá a bateria ir-se abaixo, um terceiro que fica, igualmente com o carro parado, sentado ao volante lendo um jornal gratuito que apanhou algures. E, depois, há as vielas estreitinhas que são as grandes amigas dos ébrios pelo apoio que lhes dão com as suas paredes, a cãzoada que às vezes arma uma zaragata tremenda, o eléctrico que nos passa a rasar o corpo, os pingos do aparelhos de ar condicionado ou as gotas de água das floreiras recentemente regadas que nos caem na cabeça ou na roupa. Há de tudo, uma cidade viva, com pedintes e casacos de pele, viaturas topo de gama a circular e chaços que já deviam há muito estar na sucata e continuam a ocupar espaço nas ruas.
Esta tem sido a minha cidade desde sempre. Mas, entretanto, algo mudou muito para mim. A Baixa costumava ser noutros tempos o meu ponto de encontro com amigos, com quem dava dois dedos de conversa ou estabelecia uma bela cavaqueira que poderia durar até às tantas. Ríamos, discutíamos, voltávamos a rir, terminávamos com óptima disposição. Jogar uma bilharada era perfeitamente normal para desopilar. Aparecia entretanto mais um amigo que se juntava ao grupo. Era completamente impossível ir até à Baixa sem encontrar alguém conhecido, até porque sabíamos o local de pouso habitual de muitos de nós.
Posteriormente, com o correr do tempo e as horas de trabalho a ocuparem-nos muito do nosso antigo lazer, com a constituição da família e a atenção que é necessário e um prazer dar-lhe, a separação começou a ocorrer. De forma gradual, mas contínua. Ocupações variadas dos membros do nosso vasto grupo, deslocações de alguns para fora de Lisboa, de outros para fora do país e ainda, com o andar dos anos, do falecimento de outros fizeram com que a cidade surgisse completamente diferente a meus olhos, apesar de ter as mesmas colinas e o seu amigo e esplendoroso Tejo a embelezá-la.
Hoje em dia, o que mais me surpreende e impressiona é o facto de, logo depois de sair do bairro onde moro, no qual naturalmente conheço muita gente, poder ir de metro ou outro transporte público até qualquer ponto da cidade na quase-certeza de que não verei nem serei visto por ninguém que eu verdadeiramente conheça. Só ocasionalmente depararei com um antigo colega num centro comercial, um antigo aluno que me vem cumprimentar, um amigo de sempre que calhou estar naquele sítio àquela hora. São centenas ou milhares as pessoas por quem passo. Sinto-me, desse ponto de vista, como se estivesse no estrangeiro, em Londres, Berlim ou Viena. É verdade que os amigos ainda vivos-e-em-boa-forma estão apenas a um toque de telefone, são encontráveis numa reunião, numa festa e, hélas!, num funeral. Mas já não andam por aí. No seu todo, parece-me que a cidade sofreu uma mudança quase total do sangue que circula nas suas artérias. Apetece-me dizer que se trata de uma hemodiálise urbana.
Ora, esta ocorreu de certo, como aliás sempre ocorre em todo o lado. É o renovar das gerações. Em Lisboa, com a entrada de muitos imigrantes que antigamente não eram habituais, a mudança da população é possivelmente ainda mais nítida do que nalgumas outras cidades. Porém, não é essa a diferença que me impressiona mas sim o vazio que acima mencionei.
Dir-me-ão, e eu não deixo de parcialmente concordar, que isto nada tem de especial. Qualquer pessoa com algumas luzes de estatística dirá que a teoria das probabilidades explica isso tudo muito bem. Assim como me dirá que, no meu caso pessoal, encontrar pessoas conhecidas em livrarias ou em determinados espectáculos é bem mais provável do que na rua. Do que não restam dúvidas é de que a diferença é muito notória. A sensação acaba por não ser necessariamente desagradável, mas é certamente estranha.
Entretanto, nunca recebi tanta correspondência de amigos e simples conhecidos pelos meios tecnológicos habituais como agora. Sinal dos tempos.

12/16/2008

Resultados algo inesperados

É curioso verificar que dois estabelecimentos do mesmo ramo num grande centro comercial podem conduzir a mais vendas do que um apenas. O facto a seguir, verídico, ilustra bem a natureza da mentalidade dos clientes, que afinal somos nós todos. Quando o Cascaishopping abriu, o centro contava, entre a sua vasta panóplia de estabelecimentos comerciais, apenas com uma loja de óptica. As vendas desta loja eram baixas. Um tanto contra a opinião do proprietário da loja existente, a gerência do shopping decidiu arrendar uma segunda loja de óptica a uma firma interessada. Resultado: as vendas da primeira loja subiram e as da segunda iniciaram-se muito bem. O que se passou? A maioria das pessoas que visitavam aquela que até determinada altura era a primeira e única loja de artigos ópticos gostava dos produtos mas, literalmente, não sabia se gostava dos preços. "Possivelmente lá fora estes óculos são mais baratos!" Com esta hesitação, a compra não era feita ou, quando muito, ficava adiada. Com o aparecimento da segunda loja, os clientes passaram a poder estabelecer uma comparação dentro do centro comercial. O resultado foi o aumento da sua capacidade de decisão e, para ambas as lojas, o consequente êxito de vendas.
Esta história já tem alguns anos, mas neste preciso momento está a suceder também algo inesperado devido à crise económico-financeira que se vive. Será de crer que, em tempo de crise, um fabricante não veja com bons olhos a queda de um rival seu? Parecerá impossível à primeira vista. Mas está a acontecer. Como sabemos, há nos Estados Unidos um plano para salvar financeira e economicamente duas importantíssimas fábricas de veículos: a General Motors e a Chrysler. Para já, o Senado não aprovou o primeiro plano apresentado. Quem está a rezar para que as fábricas não fechem? Outros gigantes da indústria, rivais, como a Toyota e outras marcas japonesas, que vendem mais nos Estados Unidos do que no Japão. E por que razão não esfregam as mãos de contentes as construtoras japonesas? É que os fabricantes de uma larga gama de componentes-auto são os mesmos para os americanos e para os japoneses. O encerramento, seja da General Motors, seja da Chrysler, pode conduzir ao encerramento das fábricas de componentes, o que por sua vez obrigará os japoneses a terem de parar a produção por falta de material.
A economia e o mercado têm destas coisas.

12/15/2008

Sapatos de usar no pé atirados à cara

Se mostrar a alguém a sola de um sapato é, no mundo árabe, já em si uma ofensa, atirar com um sapato à cara desse alguém é um acto de raiva. Lançar um segundo sapato dirigido ao mesmo alvo só pode mostrar extrema raiva, incontida. O jornalista Muntadar al-Zaidi da TV iraquiana e correspondente de uma estação sediada na cidade do Cairo, não aguentou a náusea que a conferência de imprensa dada pelo Presidente Bush e o Primeiro-Ministro iraquiano, Maliki, lhe estava a causar. Ao atirar o seu primeiro sapato, que Bush conseguiu in extremis evitar, gritou: "Este é um beijo de despedida do povo iraquiano, cão!" Ao lançar o segundo, que também falhou o alvo por pouco, voltou a gritar, antes de ser detido pelos seguranças: "E este é pelas viúvas, órfãos e todos aqueles que foram mortos no Iraque."
É altamente provável que Al-Zaidi fique preso; é mais do que provável que, para já, perca o seu lugar na TV iraquiana. Mas ele é um homem que decerto muitos dos que participaram em todo o mundo nas enormes manifestações contra a guerra do Iraque antes de esta se iniciar compreendem perfeitamente e admiram. Quanto a Bush, se já estava a sair pela porta baixa, agora sai de gatas.
Pessoalmente, alinharia de bom grado numa campanha internacional para a libertação do jornalista em questão. Como Brecht disse: "Quando o rio leva águas que são bravas e alterosas, é importante que se olhe para as margens que o apertam."

12/12/2008

Dúvidas que naturalmente se levantam

Como quase todos sabemos, a sigla inglesa SWOT é a expressão de um conjunto de quatro elementos considerados essenciais numa análise de boa gestão. Os quatro componentes referem-se a Pontos Fortes (Strengths), Pontos Fracos (Weaknesses), Oportunidades (Opportunities) e Ameaças (Threats).
A actual crise financeira não é mais do que do que a tradução prática da crise de valores de que há muito se fala. Quando a mentira prevalece sobre a verdade, o embuste sobre a transparência, a vigarice sobre a honestidade, o que se poderia esperar? Quando os fluxos financeiros entram (profundamente) no reino do virtual e circulam em quantidades muito superiores aos gerados pela economia real, poderia mais tarde ou mais cedo deixar de ocorrer o que ocorreu?
Pois sim, dir-se-á: "aqui está mais um profeta do passado". Até concordo que se diga isto no que respeita ao parágrafo atrás. Só que não foi ele que me levou a escrever estas linhas. O que me preocupa é o ponto 3 do SWOT: estará a aproveitar-se realmente a "oportunidade" para corrigir o sistema? Pelo que vejo, até ao momento não há diferenças substanciais. Nem a verdade prevalece sobre a mentira, nem a honestidade sobre a vigarice. As bolsas continuam com a sua mais do que inquietante volatilidade, que permite aos grandes investidores lucros consideráveis. Os hedge funds mantém-se a funcionar praticamente com a mesma falta de controlo de anteriormente. Os paraísos off-shore não abrandam a sua actividade, embora o valor dos fundos neles geridos tenha baixado muito consideravelmente. Porque se tarda tanto a tomar medidas neste campo?
Veja-se que os diversos Estados se colocaram inegavelmente do lado da banca, i.e. dos grandes investidores institucionais, que por acaso são também, muitos deles, os grandes especuladores internacionais. Aliás, como é que se consegue ganhar tanto dinheiro tão rapidamente? Só fazendo-o fluir dos bolsos dos que têm menos para os daqueles que possuem bolsos tão grandes que até se vêem forçados a escondê-los nos “paraísos fiscais” para dar menos nas vistas e por outras razões consabidas. Às palavras dos governantes sobre a (justificada) razão das garantias estatais que oferecem – fazer movimentar a economia, permitir empréstimos a firmas em dificuldades – muitos banqueiros têm feito ouvidos de mercador. Querem primeiro ver os seus prejuízos reduzidos, depois pensarão no resto. Primum vivere, deinde philosophari, como aprendi a dizer nos meus tempos de liceu.
Entretanto, gostaria de chamar a atenção para um vídeo, já não totalmente recente, sobre a crise financeira, que está no YouTube com legendas em português. Dêem uma vista de olhos, se fazem favor. Além do mais, é bem-humorado. http://www.youtube.com/watch?v=CmGTnveyG7E . (Se por acaso não se vir ou ouvir bem aqui devido à hiperligação, vale a pena copiar o website e ouvir fora do blog.)

12/09/2008

Desafiando a lógica




Em Lisboa, ou em qualquer outra cidade do mundo, só podemos arrumar o carro na rua se não prejudicarmos o trânsito normal da via. É lógico. Seguindo o princípio de que não devemos fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem a nós, arrumar o nosso automóvel atrás de um outro implica que devemos estar de ouvidos atentos a uma buzinadela mais forte, que é de certeza para que nós tiremos dali a viatura e deixemos o outro carro sair.
Tudo se passa assim, de facto. O meu espanto foi grande, admito, quando ontem dei uma volta aqui pela zona da Alameda D. Afonso Henriques e deparei, na rua José Acúrcio das Neves, com a cena que fotografei. A rua em questão nasce na Avenida Almirante Reis e termina junto a umas escadas, ou seja, a parte terminal da rua é mesmo ali. Não tem continuidade. Pois bem: ter três filas de carros estacionados nesse pequeno troço brada aos céus. Sempre que o proprietário de um deles quer sair, v.g. o 76-02-EJ ou o 04-AQ-46, como é que faz?
Foi esta pergunta que fiz a um rapaz que passava por ali a carregar uma bilha de gás. “Não é fácil. Alguns dos carros pertencem a pessoas que trabalham no restaurante ali em baixo,” disse-me ele a meio da escada pública. “Quando alguém quer sair, vai lá e eles tiram um carro ou dois.” Então e se o carro for de um dos residentes daqui, perguntei. “Não sei bem. Isto às vezes complica-se. É possível que já tenha havido problemas.”
Espero que não, mas tenho que admitir que estamos perante um caso de necessidade premente de boa vizinhança. Se assim não for, alguns dos automóveis vão aparecer pelo menos com alguns riscos. Este é o que se pode chamar um estacionamento de alto risco.

12/07/2008

Atoardas

Nota prévia - S.Krok, que já tem várias vezes colaborado com este blogue, acaba de me enviar este texto por mail, dizendo que não consegue entrar por qualquer razão técnica. A assinatura será minha, portanto, mas não o conteúdo da mensagem.

Estou cansado de ouvir dizer mal dos políticos. É verdade que há alguns que não são flor que se cheire, mas outros não merecem a imolação a que os querem sujeitar. Agora chegou a vez de um homem que se afastou já há uns anos de práticas políticas propriamente ditas - é apenas membro do Conselho de Estado. A propósito da sua participação num banco que foi recentemente nacionalizado, vê-se apontado como alegado autor das coisas mais diversas, sendo além disso o alvo preferido dos media por ser membro do referido Conselho de Estado. O interessante é que nada se provou contra ele. Nem sequer foi a tribunal! Tudo decorre na praça pública, onde impera o IVA, aquela combinação explosiva bem portuguesa que produziu o bem conhecido acrónimo: Inveja + Vingança + Astúcia. Os portugueses são assim: por um lado, detestam a polícia e tudo o que cheire a invasão por esta da sua esfera privada. Por outro, adoram ser eles os polícias, e não fazem outra coisa do que aquilo que dizem detestar. Têm inveja de quem dispõe de mais posses do que eles, regozijam-se com a vingança que possam ter sobre esses indivíduos e, astuciosamente, proclamam as suas próprias virtudes como se nenhum pecado ou pecadilho os manchasse.
Há algo que tem de ser dito: todos os grandes políticos possuem grandes ambições. São estas que os arrastam para a acção. Um político sem ambições, que também os há, não passará nunca de um membro do Parlamento que estará pontualmente no seu posto para votar uma determinada proposta do seu partido. Não se lhe peça muito mais, a não ser eventualmente colaborar em comissões de estudos parlamentares. Porém, o grande político quer muito mais do que isso.
Tomemos o caso de Isaltino Morais. Já foi ministro. É um autarca muito admirado pelos seus munícipes. Conseguiu ser reeleito mesmo à revelia do seu partido. O que ele tem logrado fazer pelo município de Oeiras é notável. É um homem de vistas largas. Sem ele, Oeiras estaria a larga distância do que presentemente oferece aos seus residentes. Será de admirar que um homem assim também possua ambições pessoais? Será caso de algum espanto que ele se tenha excedido aqui e ali, a ponto de ser julgado em tribunal, do qual não terá recebido ainda qualquer pena? Será de preferir um indivíduo quadrado, muito bem comportadinho, a um outro que tem uma larga visão e mostra uma actividade que só pode causar inveja a quem a não possui?
Com o caso de Dias Loureiro, outro ilustre PSD, passa-se algo semelhante. Tem sido homem bem sucedido em vários dos seus negócios. E então? Querem com estes ataques ferir o Presidente da República, outro PSD? Se é ele o alvo por intermédio de Dias Loureiro, aqui temos mais um caso de astúcia vingativa movida pela inveja: a tal sigla IVA a funcionar em pleno. A Dias Loureiro não perdoam que ele tenha conhecido um rico libanês naturalizado espanhol, com quem se dá bem e que é apontado como traficante de armas. Sucede que esse mesmo indivíduo é bem conhecido dos Clinton e do rei de Espanha, o que fez com que Dias Loureiro também tivesse travado conhecimento com eles. A medíocre inveja portuguesa impera de novo. Com que então Clinton? Com que então Juan Carlos! Pois vais pagá-las!
E desaba a vingança. Mas a mediocridade acaba por recair sobre quem a pratica. Isto é como pretender que um político seja um homem cem por cento virtuoso. Já se pensou que se um governante não fosse um homem experiente, conhecedor da vida, ele seria enganado na primeira reunião que tivesse? Com estrangeiros transformar-se-ia no bobo da festa. Seria isso o que a Nação verdadeiramente quer?
É por estas e por outras que, como digo no início, estou cansado de ouvir dizer mal da classe política. Está na altura de dizer "Basta!"

12/03/2008

Ao contrário de Jesus Cristo, o Vaticano sabe de finanças

A primeira parte do título roubo-a, como todos sabem, ao Fernando Pessoa poeta. A segunda deduz-se de um documento do Conselho Pontifício Justiça e Paz, aprovado pela Secretaria de Estado do Vaticano. Conforme o jornal Público informa e aqui se transcreve quase literalmente, o Vaticano aponta a existência dos chamados paraísos fiscais - centros financeiros offshore -, como uma das causas principais da presente crise financeira internacional. Porquê? Porque através deles se forja e implementa uma complexa trama de práticas económicas e financeiras, de que são exemplos "fugas de capitais de proporções gigantescas" motivadas por objectivos de evasão fiscal, facturação fraudulenta e reciclagem de actividades ilegais.
Segundo o Vaticano, a utilização dos paraísos fiscais produz um efeito negativo duplo, beneficiando os rendimentos mais elevados, que assim conseguem escapar ao controlo fiscal nos seus respectivos países, e simultaneamente penalizando os mais baixos rendimentos dos trabalhadores e das pequenas empresas. Com isso, logram desviar a tributação do capital para o trabalho. A fuga fiscal é calculada em 255 mil milhões de dólares, i.e. mais do triplo do montante da ajuda pública ao desenvolvimento por parte dos países da OCDE.
"A crise financeira expôs uma profunda crise espiritual e um conjunto de valores mal orientados. Na luta generalizada pelo lucro, o sentido e o valor do trabalho humano foram relegados para segundo plano”, afirmam os bispos.
E afirmam muito bem. Como se sabe, as grandes fortunas têm privilegiado os centros offshore. O que isso significa de sonegação de pagamento de impostos devidos ao Estado está expresso no documento. No seu todo, esta prática espelha uma ética virada do avesso, que depois tenta lavar a face através da formação de associações de ética empresarial, onde se mostra o contrário do que se pratica. Portugal conhece bem o sistema.

12/02/2008

Mulheres imigrantes fazem pela vida

Algures numa gaveta, juntamente com um monte de agendas antigas, ainda mantenho um cartão de visita a que achei bastante graça quando mo deram nos meus anos de liceu. O cartão tem um nome - Madame Inocência -, uma indicação-tipo-slogan (Best girls in town) e uma morada junto à Rua do Alecrim (Cais do Sodré, Lisboa). A prostituição era então ainda uma actividade legal nesta cidade, as prostitutas possuíam um cartão de identidade e eram obrigadas a consultar regularmente o médico, o qual verificava e atestava o seu estado de saúde.
Quando visitei pela primeira vez as ruínas de Pompeia e pude ver com algum detalhe os eróticos frescos nas paredes dum edifício circular que outrora albergara um lupanar, confirmei – como se isso fosse necessário - a milenaridade daquela actividade das "lobas".
Em Portugal não se pode dizer que tenha havido propriamente proibição, mas entre os anos 60 e a revolução de Abril de 74, já sem as inspecções médicas obrigatórias de antigamente, a situação mudou substancialmente para a prostituição. Após 1974, dentro da onda de liberdade que se criou, os governos deixaram de se interessar concretamente pelo assunto. A prostituição propriamente não é crime. Crime é o lenocínio, isto é, a exploração de prostiputas.
Há pouco tempo foi noticiado que na Indonésia as massagistas eram agora obrigadas a andar com um cadeado nas calças para impedir a prostituição nas casas em que davam as massagens. Foi uma medida forte. As autoridades da Indonésia deviam dar uma saltada ao nosso país nos tempos que correm. Com a imigração e consequente entrada de muitas mulheres sem ocupação definida em Portugal, abriram, como todos sabemos, numerosas casas ditas de alterne. O caso das mães de Bragança tornou-se famoso, há anos, devido a uma reportagem feita por uma revista americana. As mães de Bragança acusavam essas mulheres de desviarem os maridos das suas legítimas camas.
Presentemente, pelo menos na cidade de Lisboa tornou-se relativamente frequente o aluguer de andares em prédios residenciais para efeitos de prostituição. Esses andares são preferencialmente os do rés-do-chão, a fim de incomodarem o mínimo possível os restantes inquilinos do prédio. As marcações são feitas por telemóvel e, à chegada ao edifício, os clientes devem telefonar de novo para verificarem se há luz verde para entrarem. Está absolutamente fora de hipótese que esperem no hall dos edifícios. Nesse caso, deverão aguardar nas redondezas o tempo necessário e sem dar nas vistas. Para não se enganarem na campainha do lado de fora, o botão respectivo está pintado de baton. Quanto a nacionalidades, há de tudo - ucranianas, brasileiras, africanas, moldavas, russas -, geralmente com alguma rotação entre diversas casas, trabalhando assim em rede como mandam as regras da boa gestão.
Existe, sem dúvida, uma diferenciação nítida relativamente ao passado, sinal dos novos tempos em que vivemos.