10/30/2006

Língua delatora

Ainda hoje ouvi alguém dizer na televisão que os portugueses não são de maneira nenhuma racistas e que gostam imenso de estrangeiros. É possível que nós não soframos de males desse género mais do que outros povos, mas parece ingenuidade acreditar que não há nenhuma pitada de antagonismo relativamente àqueles que não são nascidos no país. Não é a turistas que me refiro, que aí os portugueses compreendem que eles são uma boa fonte de divisas e portanto seria um sacrilégio estar contra. É para com os mais próximos, os que vêm montar tenda cá, para ficar por um período mais ou menos longo. É aqui que a língua é delatora.
Nem árabes, nem mouros, nem galegos, nem espanhóis, nem judeus ficam sem um pequeno epíteto pouco simpático. É conversa que vem de longe, de há muitos muitos anos, mas que a língua conservou até aos dias de hoje. É verdade que muitos portugueses não associarão o qualificativo à sua origem, mas que há expressões pejorativas, substantivos, adjectivos e coisas do género, isso é inegável.
A nossa paixão pelos árabes deixou na língua, entre outras, a palavra "alarve". Ser um alarve (= árabes) é ser rude e grosseiro, um bruto. Uma alarvice é uma acção própria de um alarve. Os mouros, que nos ficaram sempre mais próximos, ainda são hoje depreciativamente usados pelas gentes do Norte para classificarem aqueles que vivem mais a sul. "Trabalhar como um mouro", "mourejar" é ser submetido a uma labuta severa, o que imediatamente o coloca na mó de baixo.
Algo como sucede com os africanos, que nos levaram a criar expressões como "trabalhar é bom para o preto", sintoma inequívoco, tanto no caso do mouro como do preto, de que o branco manda e descansa, enquanto os outros mourejam. Além disso, a cor preta foi - não só cá, naturalmente - associada ao pecado ("negro como o pecado"), e a situações pouco brilhantes, como quando se diz que "a coisa está a ficar preta". A brincar, a brincar, lá se vai insinuando uma superioridadezinha.
A norte de Portugal fica a Galiza, de onde vieram muitos honrados habitantes ganhar a vida em Portugal. Tanto bastou para que o epíteto de galego se tornasse depreciativo. Fazer uma galeguice ou uma galegada é fazer asneira, algo errado.
Os judeus, que constituíram uma comunidade muito visível no nosso país, não escaparam também ao apodo. E mesmo aqueles que se converteram ao cristianismo foram denominados de marranos, isto é, porcos. Mas nós detestamos vermo-nos hoje incluídos na designação que os protestantes do Norte usam para alguns países da União Europeia: pigs (iniciais de Portugal, Italy, Greece, Spain). Judiar, fazer judiarias, "não sejas judeu!", são coisas que se continuam a dizer hoje com grande frequência. Ser judeu é, entre outras coisas, ser avarento, o que não é uma qualidade positiva. Judiar é troçar ou zombar, fazer maldades, no fundo associar, à la Bush, os judeus ao eixo do mal, sendo nós o eixo do bem. Uma judiaria é geralmente uma diabrura, o que nos faz estabelecer uma ligação entre o pobre judeu e o diabo. Tudo sem querer, é claro!
E quanto aos espanhóis, é melhor que fiquem longe. Adaptámos aqui o ditado que Barcelona arranjou há uns séculos para Madrid "De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento" (De Madrid, ni bona vent ni bona gent.) Um português que mexe nos artigos expostos é acusado de "ser como os espanhóis - é preciso mexer para ver").
Os ingleses são "bifes", os franceses "franciús" e os americanos "camones", com as suas americanices.
Dizer que gostamos de todos os estrangeiros e de todos os que não vivem na nossa terra é capaz de ficar um bocadinho longe da realidade. Cada um gosta de si e da sua comunidade. E que outros não nos venham chatear muito!

10/28/2006

Há bens que vêm por mal

O editorial do Público de hoje, sábado, levanta um dos meus temas favoritos. A propósito da vida fácil que, desde há várias décadas, o Governo da Madeira tem tido graças aos dinheiros idos do Continente e de Bruxelas, o articulista salienta que Alberto João nunca se viu obrigado a tomar medidas difíceis - tal como sucede com países ricos em matérias-primas valiosas (petróleo, ouro, diamantes, etc.). Tem muita razão. E esses governos costumam ser profundamente autocráticos (não fazem autocrítica e são rodeados por uma corte de fidelíssimos).
O interessante é, todavia, alongar esse pensamento ao Portugal dos Três Impérios (o da Índia, primeiro, do Brasil, depois, e de África, por fim). Este "por fim" não é, contudo, bem real, porque temos tido desde 1986 - embora de maneira diferente e com consequências que todos estamos a sentir - o Império de Bruxelas, que nos tem mandado dinheiro a rodos. Muitas das reformas necessárias já teriam possivelmente sido realizadas se não tivesse havido esse dinheiro. Como se sabe, é a necessidade que aguça o engenho.
Em termos de realidade política, se há males que vêm por bem, há igualmente bens que vêm por mal.

10/26/2006

Pode falar-se do Ocidente como um bloco?

Nos últimos cinco ou seis anos, a Gulbenkian tem organizado no mês de Outubro jornadas interessantes sobre vários temas, v.g. Globalização, Migrações, Relações Internacionais e União Europeia. Desta feita, o tema escolhido foi "Que Valores para este Tempo?". A sessão da tarde de hoje, mais monótona do que é habitual, foi acordada pelo último orador, o americano Robert Kagan. Propuseram-lhe falar sobre a temática do Fim da História. Kagan, de 48 anos, é autor de vários livros, escreve para revistas e jornais e está presentemente sediado em Bruxelas. Tem bons conhecimentos e declara-se abertamente neo-liberal. Simpático e comunicativo, apresentou o assunto de forma viva.
Realçando a importância decisiva do final da Guerra-Fria (1989), que transformou um longo período de sistema bipolar (Estados Unidos e Europa versus bloco soviético) num mundo mais unipolar, com larga predominância militar americana, deu ênfase ao facto de se ter acreditado na década de noventa na possível adopção de um sistema universal de governo baseado no liberalismo (Fim da História), que a prática tem mostrado não ser viável. Neste sentido, referiu-se aos caminhos mais ditatoriais mas não necessariamente menos bem sucedidos trilhados pela China e pela Rússia. Salientou igualmente a mudança de posicionamento da Europa face aos EUA. Esta nova atitude dever-se-ia ao facto de a Europa, fora do antigo sistema bipolar, já não necessitar dos EUA para a sua segurança.
Num inquérito recente realizado dos dois lados do Atlântico, a resposta a uma das perguntas - concretamente, "Admite que, em determinadas circunstâncias, a guerra pode ser necessária para impor a justiça?" - 80 por cento dos americanos inquiridos responderam "sim", resultado que contrasta enormemente com os 30 por cento de respostas afirmativas que a pergunta colheu na Europa. Daí que, para Kagan, os Estados Unidos possam ser comparados a Marte, deus da guerra, sendo a Europa comparável a Vénus, deusa do amor e da temperança. Deste posicionamento diferente, resulta que os europeus não consideram legítimas várias das acções bélicas dos Estados Unidos, enquanto que para a esmagadora maioria dos americanos essas acções surgem como perfeitamente legítimas, mesmo que não aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU, órgão que consideram ultrapassado. Ainda hoje os americanos se julgam portadores do facho que ilumina o mundo (o tal superiorismo, termo que aqui usei pela primeira vez há umas semanas). A generalidade dos seus compatriotas, disse Kagan, aceita sem pestanejar que o seu país gaste 400 biliões de dólares por ano na defesa. Kagan admitiu, no entanto, que nunca houve um período da História em que os EUA tivessem entrado em tantos conflitos armados e que se estão a aproveitar da oportunidade que entretanto se lhes deparou. Negou que se tratasse de política do actual presidente, pois tanto Bush (pai) como Clinton e George W. tomaram decisões no mesmo sentido. Tratar-se-á de uma estratégia consistente. Desde 1989, os Estados Unidos já entraram em 14 novos conflitos, o que dá em média uma intervenção armada de 18 em 18 meses! Liberalismo e armamento não são, segundo Kagan, contraditórios para os americanos.
Dado que esta atitude é quase diametralmente oposta à europeia, presentemente a legitimidade dos Estados Unidos é posta duramente em causa na Europa. Daí que, entre outras razões, não faça muito sentido falar do Ocidente como um bloco. A legitimidade das acções interventivas dos Estados Unidos é posta internacionalmente em questão, o que não é bom para o país e obviamente afecta a sua imagem.
Este é um breve resumo da intervenção de Kagan, que provocou, como seria de esperar, algumas reacções fortes. A mais contundente, e fortemente aplaudida, foi de um professor inglês da Westminster University. Curiosamente, John Keane, o professor em questão, vai ser um dos conferencistas no último dia das jornadas, na próxima sexta-feira.

10/23/2006

TLEBS

Se hoje consigo escrever num português mais ou menos escorreito, devo-o em grande parte às boas bases que recebi na instrução primária. A compreensão da estrutura do português contribuiu enormemente para a minha fácil aprendizagem de línguas estrangeiras. Como já possuía o software afinado e consolidado, bastou proceder a alguma adaptação. Entretanto, não me falem muito em crases, apócopes, aféreses, metalinguagem e outros nomarecos esquisitos. Existem, mesmo assim, categorias que são verdadeiramente basilares: substantivos, adjectivos, artigos, preposições, pronomes, advérbios, conjunções, verbos, orações com sujeitos, predicados, complementos directos e indirectos.
Como sabemos, posteriormente ao 25 de Abril, veio uma nova vaga de terminologia com a gramática generativa, o que fez com que os professores tivessem que aprender muito de novo. Houve quem o fizesse com relutância. Criou-se uma notória confusão na terminologia a usar. Devo confessar que os alunos que me apareceram no ensino superior provindos do ensino secundário não mostravam grandes conhecimentos da estrutura da língua. A sua preparação era, no geral, pouco consistente.
Eis que, presentemente, estamos em vias de ensaiar uma nova terminologia. Dão-lhe o nome de TLEBS (Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário). Tlebs ou não tlebs eis a questão. Consultei a Net sobre o assunto e, para começar, encontrei vários professores com sérias dúvidas. Incluo-me nesse grupo.
Li a Portaria nº 1488/2004, que inclui o essencial sobre a TLEBS. Encontrei diferenças muito significativas relativamente àquilo que aprendi. Se fosse para melhor, não estaria mal, mas admito que não gostei muito do que vi.
Os substantivos deixam de existir, substituídos que são pelos nomes. Não tenho nada contra esta mudança, até porque sempre falámos em pronomes (e nunca em prosubstantivos). Os pronomes mantêm-se. Assim como se mantêm os artigos definidos e indefinidos, os adjectivos, os verbos, os advérbios, as preposições e as conjunções. As famosas orações é que vão praticamente desaparecer, ficando unicamente reduzidas às relativas. A partir de agora, as orações do passado serão frases, o que se torna bastante confuso. E estranho. Lembremo-nos de que uma frase pode conter mais do que uma oração.
Mesmo assim, até aqui não parece existirem grandes dificuldades. Elas surgem, porém, ou pelo menos a mim causam sérias dúvidas quando encontro temas adjectivais, modificadores do nome apositivo, verbos abundantes, palavras lexicalizadas, nomes epicenos, verbos auxiliares aspectuais, quantificadores universais, advérbios disjuntos restritivos da verdade da asserção, frases subordinadas substantivas relativas sem antecedente, frases não finitas infinitas, modificadores do nome restritivo, sujeitos nulos expletivos e actos ilocutórios declarativos.
Estaremos mesmo a mudar para melhor? Se esta terminologia não é nem lógica nem fácil para professores, como será para os alunos? Sente-se que quem preparou esta TLEBS está tão próximo da modernidade linguística quanto está longe da realidade das nossas escolas básicas e secundárias.

10/21/2006

A saga da electricidade e o truque do camelo

Quando nos querem vender uma coisa cara, pode suceder que comecem por nos pedir um preço bem mais alto do que aquele que têm em vista. Depois iniciam a descida, excepcional e só para nós. Quando chegam ao limiar desejado, aquilo que dantes era caro parecer-nos-á até em conta. Compramos. Fomos na onda.
Este é o que vulgarmente se apelida de "truque do camelo": imaginemos que precisamos de um camelo para transportar uma carga de 300 quilos. Posto o camelo de joelhos no chão, colocamos-lhe os 300 quilos em cima e, apesar dos nossos incitamentos, o camelo não é capaz de se erguer. Carregamo-lo então com mais cem quilos e pedimos-lhe para se levantar. Nem pensar, claro! Contudo, quando lhe retiramos os 100 quilos que pusemos a mais, o camelo, sentindo o alívio, logra levantar os 300 quilos que a princípio pretendíamos.
A saga dos preços da electricidade para 2007 acaba por ser algo como isto. Os quase inacreditáveis 16 por cento de aumento anunciados acabaram por ser "apenas" 6 por cento. Se nos tivessem anunciado 6 por cento desde o início, consideraríamos a subida elevada. Assim, até parece que vamos ter uma descida!

10/19/2006

Cidadãos de voto e cidadãos de veto?

Relativamente ao orçamento de Estado para 2007, o Ministro das Finanças afirma que as alterações introduzidas no funcionalismo público correspondem a 30 por cento do défice. Acredito. Com congelamento de salários, congelamento de progressão em diversas carreiras, congelamento de passagens a reforma em múltiplos casos, descontos acrescidos para a ADSE, agravamento de taxas para pensionistas, abaixamento das regalias sociais e imposição de novas taxas ditas moderadoras no capítulo da saúde e outros itens penalizadores, não custa a acreditar que sejam atingidas verbas consideráveis, as quais servirão para abater o défice.
Entretanto, o argumento mais vezes aduzido é o das condições de privilégio dos funcionários públicos relativamente aos cidadãos do sector privado. O pior é que estes são igualmente penalizados em múltiplos casos, como sucede com milhares e milhares de trabalhadores independentes relativamente à chamada escrita simplificada, que tendo desde há anos o direito de abater 35% da verba para efeitos de IRS vêem agora essa percentagem ser reduzida para 30 por cento. Será que é para que os futuros cidadãos não encarem os actuais como privilegiados?
A jogada cénica do governo, gerindo as expectativas das pessoas e criando antagonismos entre grupos - trabalhadores do sector privado contra os funcionários estatais, jovens contra idosos, pais contra professores, etc. - tem sido bem urdida mas cria, inevitavelmente, um desgosto relativamente ao mensageiro e executor, que é o governo.
Entretanto, os inacreditáveis aumentos de lucro da banca, as seguradoras, as empresas sediadas no off-shore da Madeira e, na generalidade, as grandes empresas não são taxadas de forma socialmente justa. Não há dúvida de que, entre o capital e o trabalho, é este o mais taxado. Por que razão sucederá isto com um governo que se diz de esquerda, mas que afinal, na sua política de saneamento das contas da nação, parece ser mais de direita? Haverá algum relacionamento entre esta situação e o financiamento dos partidos? Será que os lóbis dos poderosos actuam de forma a impedir que sejam tomadas medidas que os prejudiquem drasticamente? A ser assim, a esmagadora maioria dos portugueses que colocam o seu papelinho na urna eleitoral são meros cidadãos de voto; os outros, decerto uma minoria mas muito representativa tanto económica como politicamente, serão os cidadãos de veto. Entender-se-á bem porquê.

10/17/2006

Cidadania portuguesa

Há uns três meses, fui abordado por duas brasileiras junto ao antigo cinema Império, em Lisboa. "O senhor me diz se esta é a rua do Dr. Afonso?" Fiquei um pouco aturdido com a pergunta. Uma delas apontou-me para a placa. Li: Alameda D. Afonso Henriques. Não pude deixar de sorrir e confirmar-lhes que estavam no local certo.
Se recordo este caso, é porque, também há alguns meses, os jornais noticiaram que uma brasileira que aparentemente preenchia todos os requisitos legais para se tornar cidadã deste país - era casada com um português, residia em Portugal, pagava impostos, descontava para a Segurança Social, tinha casa própria e um filho na escola -, viu o Ministério Público entender que, em vista do seu desconhecimento de aspectos elementares da cultura portuguesa, ela não se encontrava em condições de adquirir a cidadania lusa. A senhora não sabia quem tinha sido o fundador do reino de Portugal, ignorava Camões e desconhecia o nome do Presidente da República.
O advogado a quem o casal recorreu levou logo a seguir o caso a tribunal. Argumentou que os conhecimentos da senhora brasileira não eram, afinal, muitos diferentes dos de muitos cidadãos portugueses. Acrescentou que, para além da informação que lhe é fornecida pelos media, a senhora conhece uma grande parte de Portugal Continental através das viagens que tem feito com o marido e pessoas amigas. O tribunal aceitou a argumentação, contrariou a anterior decisão do Ministério Público e atribuiu à cidadã brasileira a nacionalidade pretendida.
Os concursos que vemos na televisão e que nos fazem frequentemente espantar de tanta ignorância afinal servem para alguma coisa.

10/06/2006

Mais de 65

Por vezes coloco-me a questão: por que motivo se convencionou considerar a idade de 65 anos como a mais adequada para a reforma? Por que não 60 ou 70? Admito que antes de 60 seria demasiado cedo, e aos 70 já demasiado tarde. Ter-se-á optado por 65 para fazer como nos contratos: o vendedor pede mais, o comprador oferece menos, e para que o negócio se faça dividem a diferença ao meio.
E estará bem essa idade? Da mesma maneira que nenhum chapéu serve em todas as cabeças, também a mesma idade não pode servir de forma idêntica todos os corpos e todas as mentes. Mas, no geral, pelo que me tem sido possível ver, incluindo o meu próprio caso, 65 é uma idade bastante correcta. E porquê?
Por volta dos 65, a maioria das pessoas já começa a sentir o peso dos anos. Por vezes é a mente a primeira a ressentir-se; outras vezes é o corpo, no seu aspecto mais físico. Na maioria das profissões, a novidade começa a desaparecer. Inicia-se uma certa saturação. Começamos a ser demasiado velhos para lançar novidades que outros aceitem e, por outro lado, recomeçamos a ouvir aquilo que já conhecemos demasiado bem. Trata-se de coisas que, apesar de nos serem apresentadas como novidades, já conhecemos há mais de vinte anos e que agora não podem deixar de nos parecer requentadas ou mesmo requentadíssimas. Porém, ao serem apresentadas como novas, atiram-nos para uma situação de grande incomodidade. É como se já tivéssemos chegado ao fim de um ciclo. E teremos de facto chegado.
Cito dois ou três exemplos apenas. Leio as parangonas de um congresso recentemente realizado no Algarve: "Portugal precisa de turismo cultural, não apenas de sol e praia." Nos anos sessenta do século passado eu já ouvia a mesma cantilena. Mais: eu próprio defendi esse ponto em várias palestras e, certamente, em aulas.
Noutro campo, ouvir os políticos a falarem, como sempre, dos amanhãs que serão paradisíacos, leva-me a murmurar para mim próprio "Há quanto tempo oiço isto?".
Aqui e além, surgem uns tantos pacóbvios (pacóvios que dizem o óbvio) a afirmarem pomposamente que "a educação está na base de tudo". Como se fosse uma novidade que acabassem de descobrir!
Oiço uma voz sensata a dizer-me "É preciso não deixar morrer a esperança!" Pois sim, mas há uma terrível sensação de reprise. São outros os actores, mas as falas e as cenas são as mesmas.
Com excepção de alguns verdadeiramente interessantes, os comentários de muitas pessoas começam a enfadar-nos, as conversas a impacientar. Só um projecto verdadeiro pode acalentar-nos. E acalentar significa "aquecer". Mas será difícil arranjarmos outros que colaborem connosco em projectos. Teremos geralmente de os fazer sozinhos. Entretanto, estamos claramente a entrar na mó de baixo. A memória pode falhar. A corrida já não é a mesma. A flexibilidade do corpo, aquele musculado jogo de ténis, os 50 quilómetros de bicicleta, onde é que isso já vai?
Os outros ouvem-nos mais por respeito do que por outra coisa. Começamos a sentir-nos fora do mundo. Os jovens ficam admirados se nos ouvem a falar do MySpace, do YouTube, de PDAs, de um jogo novo para a Playstation. Tornamo-nos abencerragens. Sobrevêm-nos as rugas e as manchas na pele. As senhoras começam a pedir insistentemente que não lhes tirem fotografias de muito perto. Quem exerceu uma actividade com prazer durante largos anos pergunta-se "Como é que dantes eu conseguia ter tempo e gosto para fazer tanta coisa?"
Depois, os filhos atiram frequentemente os pais para tratar dos netos. A questão é que tanto os netos como os avós estão um tanto fora deste mundo, uns por não terem ainda compreensão suficiente, os outros por já terem perdido um pouco essa compreensão e certamente também o vigor.
Depois há os chatos, velhos de velhice, que só falam de doenças e das suas idas ao médico. Vivem encasulados no seu mundo. A um cordial "Como está?", respondem com uma explicação cabal. Aproveitam a oportunidade para falarem de si próprios, já que poucos denotam algum interesse verdadeiro por eles.
Quem atingiu os 65 já nem interessa ao pessoal da empresa de telemarketing que os contacta para "responder a este brevíssimo questionário". Já passou o seu tempo. A sociedade já não vê qualquer utilidade na sua opinião. É a vida!

Atenção! E não há nada de bom, nada de favorável? Vamos deixar os lamurientas choros e olhar para alguns lados positivos. Admitindo que essas pessoas de 66, 68, 73 ou 75 anos já usufruem de uma reforma e não possuem, por conseguinte, um trabalho regular, já se pensou no tempo livre de que agora dispõem? Pessoas que durante grande parte da sua vida se queixaram constantemente da falta de tempo têm-no agora todo, ou quase todo. Podem deliciar-se em leituras, frequentar cursos, aprender técnicas artísticas e outras para as quais nunca lhes sobraram horas, dar uma mão a um amigo que gosta de carpinteirar, sentar-se com conhecidos sem estar sempre a olhar para o relógio na esplanada de um café, ler o jornal repimpadamente em casa ou na rua, dormir até mais tarde. Se houver dinheiro para isso, poder viajar no fora-de-estação é algo extremamente agradável: os preços são mais baixos, os turistas são poucos, as terras aparecem com a sua vida própria e não artificial. É possível a essas pessoas sair de segunda a sexta sem quaisquer problemas, enquanto o comum do trabalhador terá de limitar-se aos fins-de-semana, com todos as enchentes e os engarrafamentos conhecidos. E quanto a viajar em transportes, os indivíduos com idade superior a 65 são largamente beneficiados. Começam por poder tirar o passaporte com desconto. Se utilizam os comboios nacionais, têm direito a uma redução de 50 por cento, o que torna as viagens francamente mais acessíveis. Nas cidades, os passes sociais dão-lhes um benefício também dessa ordem de grandeza. Até quando viajam em carreiras de autocarro entre duas localidades distantes beneficiam desse desconto. Em supermercados chegam a ter caixas prioritárias. Nos cinemas têm preços mais reduzidos. No caso dos arrendamentos habitacionais, possuem regalias que são negadas a outros. O que mais querem? O choro queixoso dos parágrafos acima pode estar certo, mas é preciso temperá-lo com estes ingredientes positivos, que, admitamo-lo, não são nada despiciendos.

10/05/2006

Bem!

Todo o meu aplauso para a campanha planeada para começar dentro de poucos meses com o desígnio declarado de incentivar a compra de produtos nacionais pelos portugueses. O slogan principal, "Cá se fazem, cá se compram!", é interessante.

10/04/2006

Matriz de Acontecimentos (04 Outubro 2006)

Decorre até 15 de Outubro a ?Festa do Cinema Francês? e a nona edição doFestival Nacional de Teatro de Marionetas de Alcobaça - "Marionetas naCidade 2006".

Quarta-feira, dia 4:

às 22h00, no Teatro Miguel Franco, Leiria, Jeffery Davis Quartet seguido por Laurent Filipe.

Quinta-feira, dia 5:

?Palácio Aberto?: visitas ao Palácio de Belém e entrada grátis no Museu da Presidência.

às 21h30, na Igreja de São Luís dos Franceses, ?IX Festival Internacional de Órgão de Lisboa?: "Action de Grâces" - O Simbolismo na Música Francesa antes de 1939 (Duruflé, Vierné, Alain, Dupré, Messiaen, Martin e Eugénio Amorim) por Ana Leonor Pereira (soprano), João Pedro Fonseca (flauta) e António Esteireiro (órgão).

Sábado, dia 7:

às 15h00, no CAMJAP (?Centro Arte Moderna da Gulbenkian?) visita temática do ciclo ?Géneros e Modos? ?O Peso e a Leveza: a Matéria Como Discurso? por Susana Anágua.

às 22h00, no Sport Operário Marinhense, Marinha Grande, Jacinta.

Domingo, dia 8:

às 12h00, no CAMJAP (?Centro Arte Moderna da Gulbenkian?) visita temática do ciclo Ciclo ?Géneros e Modos? ?A Linha e o Traço, o Desenho como Princípio? por Hilda Frias.

Segunda-feira, dia 9:

às 21h30, na Sé, concerto de encerramento do ?IX Festival Internacional de Órgão de Lisboa?: "W.A. Mozart nasceu há 250 anos" por Ana Ferraz (soprano), Susana Teixeira (meio-soprano), João Rodrigues (tenor), Hugo Oliveira (barítono), Antoine Sibertin-Blanc (órgão), Coro de Câmara de Lisboa, Sinfonietta de Lisboa, Vasco Pearce de Azevedo (direcção).

Terça-feira, dia 10:

às 19h00, no Foyer do Teatro D. Maria, concerto (com transmissão directa na Antena 2) de Inês Simões, acompanhada ao piano por Daniel Godinho, - Mozart, Richard Strauss, Chausson, Poulenc, Brahms e Villa-Lobos;

às 23h15, na 2:, Ana Sousa Dias conversa com Germano Almeida.

Quarta-feira, dia 11:

às 18h00, na Gulbenkian, conferência ?A Alimentação?, pelo Prof. José Moura, do Ciclo ?A Ciência e a Cidade?.

Quinta-feira, dia 12:

às 18h30, na Gulbenkian, conferência inaugural do Fórum Cultural ?O Estado do Mundo?, pelo Prof. Homi K. Bhabha.

A seguir:

de 14 a 21 de Outubro, 9ª edição da Festa no Chiado.

24 de Novembro, no CC de Belém, concerto da Jacinta.

Download do ficheiro das Sugestôes (04 Outubro 2006)

Bom fim de semana

JMiguel

10/03/2006

Ombros mais fortes

"Nas tuas orações, não peças cargas mais leves, mas sim ombros mais fortes" é um pensamento interessante. Considero-o tipicamente protestante, puritano. O católico tenderá a pedir cargas mais leves. Em certa medida, é o desafio contra a desculpa. A desculpa amolece e desresponsabiliza, o desafio enrijece e consciencializa a responsabilidade.