5/31/2008

Breves

Registo que o governo anda um bocado à deriva com as notícias menos boas que vêm chegando relativamente à alta de preços de matérias- primas.
A declaração do congelamento do preço dos passes dos transportes públicos até ao final do corrente ano foi um erro elementar deste governo, ainda por cima cometido por um indivíduo do mesmo partido político que Guterres, o qual, como todos nos lembramos, garantiu a não-subida do preço dos combustíveis. O facto de esse congelamento se aplicar apenas a Lisboa e Porto demonstrou uma lamentável falta de entendimento da importância da cultura local. Um primeiro-ministro de "todos os portugueses" não pode agir assim.
A existência de preços especiais de combustíveis para determinados sectores em tempo de vacas magras constitui um terrível precedente (o tal que é mais importante que o presidente). Qual será o próximo sector a exigir condições especiais? Note-se que isto é exactamente aquilo que o governo se comprometeu a combater, no início do seu mandato, relativamente às situações de privilégio.
A maneira como o comportamento da ASAE se tem mantido, cego quanto a determinados aspectos que entram no campo da cultura tradicional, demonstra falta de tacto político do governo. Contra faltas de higiene, sim - evidentemente - mas não esta sanha persecutória destruidora de conhecidas indústrias caseiras. É caso para divórcio, a ser assinado na mesa de voto.
Entretanto, isto não quer dizer que o governo, por estar maduro, deva amolecer, como frequentemente sucede às pessoas de idade e aqui aconteceria devido ao aproximar do ano eleitoral. A economia pode beneficiar ou prejudicar a política, mas a política eleitoralista tende sempre a prejudicar a economia.

5/27/2008

Estau?

Uma pequena viagem pela rota da ortografia, a qual continua na berra por causa do akordo, leva-nos a um edifício mandado construir nos meados do século XV em Lisboa pelo Infante D. Pedro, que foi regente do Reino. D. Pedro possuía a educação esmerada que a corte da mãe Lencastre lhe proporcionara e, entre outras coisas importantes, viajou demoradamente pelo estrangeiro. Por este facto chamaram-lhe o Infante das Sete Partidas. Viu muito, teve numerosos contactos lá fora e notou, como não podia deixar de ser, que Lisboa carecia de um edifício condigno para alojar as embaixadas estrangeiras e viajantes ilustres que nos visitassem. Esse edifício, que acabou durante a sua longa vida por ter vários usos – até chegou a albergar na estrebaria elefantes e girafas! – ardeu no século XIX. No local foi erguido o Teatro Nacional D. Maria II, que todos conhecemos.
Entretanto, o curioso é que o nome dado ao tal edifício do Infante D. Pedro era Palácio dos Estaus. Hoje não se usa a palavra "estau", mas será interessante saber que ela vem do português antigo "hostau". Como tiraram o "h-" inicial, o entendimento do termo complica-se, naturalmente (ai, a ortografia!). Contudo, se dissermos que o étimo latino é "hospitale-", que inicialmente significava "habitação para hóspedes" (daí a palavra "hospitalidade"), começamos a entender melhor que com a queda da sílaba medial -pi- tenha ficado "hostau", que então redundou no tal Estaus do palácio.
Ao dizermos "hostau" lembramo-nos, possivelmente, da palavra "hostal", que conhecemos do castelhano moderno. E, se aprendemos algum francês, recordamos que os franceses engoliram o -s- em muitas palavras. Para indicarem que o -s- foi suprimido, colocaram um auxiliador acento circunflexo. Assim é que em vez de "festa" dizem "fête", em lugar de "asno" dizem "âne" e "hôpital" traduz o nosso "hospital". Chegados aqui, vejamos o que fizeram os franceses ao -s- do nosso "hostau" ou do "hostal" castelhano. Fizeram o mesmo: suprimiram-no e colocaram lá o circunflexo da praxe: "hôtel". Vai daí os ingleses, que juraram não usar quaisquer acentos nas suas palavras, aceitaram o termo mas tiraram-lhe o chapéu. Assim chegámos ao "hotel" dos nossos dias, afinal directamente ligado ao nosso antigo hostau (estau).
Perguntará o leitor atento: O.K., estará tudo bem até aqui. Mas como é que se explica o -u de "estau" e o -l de "hotel"? É fácil: O -u e o -l estão foneticamente tão próximos que, se não se podem considerar irmãos, pelo menos primos são. Note-se que nós, portugueses, dizemos Brasil e ouvimos os brasileiros dizer "Brasíu". Nós falamos do nosso (Álvares) Cabral e eles chamam-lhe "Cabrau". É só isto.

5/26/2008

Simples trocadilho?

Na sociedade portuguesa fala-se demasiado na ética dos valores, mas a que é geralmente implementada é a ética dos favores. (Lembra muito o preâmbulo doce da lei versus o seu articulado puro e duro.)

5/23/2008

E agora, José?

O acordo ortográfico da língua portuguesa foi aprovado no passado dia 16 na Assembleia da República por deputados que cumpriram ordeiramente a habitual disciplina partidária. Honra seja feita a Manuel Alegre, o único socialista que votou contra. Votaram no mesmo sentido apenas três outros deputados, cujo posicionamento apreciei. Abstiveram-se, seguindo também a tradicional linha de obediência partidária, todos os deputados comunistas e os Verdes. É uma votação que mostra, com forte dose de probabilidade, algo que há muito se sabia: que os deputados estão longe de representar com verdade o povo deste país. Uma mudança ortográfica desta dimensão mereceria sem dúvida um referendo - democracia directa - , mas se o próprio Tratado Europeu não foi referendado, como é que alguém poderia pretender isso?
Foram utilizados argumentos de "facto consumado" e, logo à partida, tratava-se de algo que estava na realidade consumado. Prova evidente foi a preparação durante mais de um ano do dicionário da Texto Editores já com o novo léxico ortográfico acordado. A sua publicação antecedeu a votação. Lindo!
Custa-me a mim, e a milhares de outras pessoas que não se revêem na medida, reparar na insensibilidade demonstrada quanto à ortografia do nosso idioma, despachada como se fosse coisa de somenos. Nalguns casos, não terá sido insensibilidade mas puro desconhecimento. O que se fez foi cortar raízes algo à toa - não para servir alguma causa nobre mas, basicamente, para criar alguma uniformidade ortográfica com o português já usado na antiga colónia lusa do Brasil. Como se este acto fosse dar verdadeira uniformidade à língua! As raízes de uma língua são, em parte, como as raízes das plantas. As que são inúteis e provadamente desadequadas podem cortar-se, mas não assim. Sempre quero ver se os brasileiros adoptam as poucas mudanças que o acordo lhes ordena.
Ainda há dias encontrei a palavra "suntuoso" num texto com origem do lado de lá do Atlântico. Confesso que à primeira vista não entendi o significado. Depois, compreendi que se tratava de "sumptuoso". Parecia-me que era de unto que se falava! A partir de agora - o dicionário Universal da Texto Editores dixit - nenhum professor pode considerar que o aluno erra ao escrever "suntuosidade". Mas se escrever "sumptuosidade" também estará bem. Ora bolas para a uniformidade! Com medidas deste tipo, sucede que uma língua de estrutura anglo-saxónica como o inglês passa a transcrever mais fielmente a etimologia das palavras latinas na sua ortografia que o nosso português, que é uma língua neo-latina! A partir de agora passamos a usar na nossa escrita centenas de palavras tropicalizadas. É uma tribalização completa e uma situação verdadeiramente ridícula!
No início do prefácio do novo dicionário da Texto Editores leio, e pasmo: "O português era, até aos dias de hoje, a única língua viva e expandida no mundo ocidental que, surpreendentemente, mantinha duas ortografias oficiais." Não só isto não é verdade - as substanciais diferenças ortográficas entre o inglês britânico e o inglês americano atestam-no à saciedade -, como sucede uma outra coisa: o português passa a ser, ortograficamente, a única língua - tanto quanto eu sei - em que a antiga mãe-pátria curva a cerviz perante o jugo de uma ex-colónia, que no nosso caso é o Brasil.
Pelo meu lado, tenho tentado mostrar neste blog que as línguas são algo de belo, interessante e mesmo apaixonante. Ousar mexer-se num idioma como se estivéssemos a falar de uma lei fiscal é demonstrativo de um enorme desrespeito pelo povo. E vêm depois falar em valores! Respeito todos aqueles deputados que, convictamente, aprovaram uma medida com a qual concordavam. Contra esses, nada tenho. Para todos os outros que actuaram como correia de transmissão das ordens dos respectivos partidos, vai o meu total desprezo. O frete que terão feito leva-me a descrer ainda mais desta alegada democracia.
Para colocar a estrela ditatorial no topo do edifício, o novel Ministro da Cultura portuguesa declarou à imprensa que o propalado prazo de diferimento de seis anos para consolidação do processo não tinha qualquer razão de ser. Aprovada a lei, esta é para ter efeitos imediatos! O Brasil já declarou a sua efectividade a partir de Janeiro de 2009. Está consumada uma parte significativa da vingança brasileira pelos ultrajes da nossa colonização.

5/21/2008

A escada do sótão

A casa onde nasci, na província, não era exactamente como a maioria dos apartamentos citadinos de hoje. Posuía uma área comercial ao longo de todo o rés-do-chão, um 1º andar amplo com numerosas divisões e um sótão que impressionava pelo seu vasto espaço - sem qualquer divisão. A este sótão acedia-se por uma escada de dois lanços, dos quais o primeiro tinha um número maior de degraus. "A escada do sótão" era uma expressão usada com relativa frequência lá em casa para este primeiro lanço. Porquê? Porque os seus largos degraus de madeira permitiam que lá se efectuasse o depósito de algumas pequenas coisas, nomeadamente sapatos que, tendo sido já usados, não estavam exactamente em bom estado mas que, pensando bem, ainda suportariam algum uso se isso se tornasse necessário. Verdade se diga que o princípio não era errado. Mais do que uma vez fui lá buscar sapatos de ténis que, em comparação com os que eu tinha calçados naquela altura, estavam em francamente melhor estado.
Por que motivo me ocorre várias vezes na situação política a história da escada do sótão? Porque geralmente os políticos que nos governam não são substituídos por outros impecavelmente novos e claramente melhores, mas sim por carreiristas partidários de nível algo mais baixo. Quando Cavaco Silva saiu de primeiro-ministro, incapaz de cumprir as promessas que tinha feito e de conduzir o país à prometida salvação, não foi deitado fora de vez mas sim colocado na escada do sótão. Em reserva e com tabu. Foi substituído por um Guterres inteligente e bem-falante, que a certo momento, porém, se viu envolvido nas malhas do seu próprio partido e um dia abalou, desanimado e desgostoso. Mais um para a escada do sótão. Durão Barroso, que lhe tomou o lugar por voto do povo devido ao sentimento anti-guterrista que se tinha criado, não se deu bem com a governação. Quando foi convidado para Bruxelas, só na aparência terá hesitado. Nomeou então o seu lugar-tenente Santana Lopes para lhe suceder, continuando assim a dinastia partidária. Santana já se tinha mostrado também como elemento bem-falante. Governou alguns meses como primeiro-ministro, o suficiente para comprovar à saciedade que um indivíduo no poder com inexperiência e criatividade se torna um elemento perigoso. Foi demitido ao fim de um tempo que foi objectivamente curto, mas pareceu uma eternidade para muitos. Mais um para a escada do sótão! Sócrates, igualmente com verve televisiva e discurso fácil, sucedeu-lhe e, em razão da péssima prestação do seu antecessor, logrou até obter maioria absoluta. Surpreendendo muitos de início com medidas acertadas mas dolorosas, está presentemente confrontado com fortes oposições populares depois de um relativamente longo estado de graça. Será que as próximas eleições o atirarão também para a escada do sótão? Desta, entretanto já foram retirados Cavaco Silva, actual Presidente da República, Guterres, que foi nomeado Alto-Comissário para os Refugiados pelas Nações Unidas, e Santana Lopes, que se está a candidatar para líder do principal partido da oposição.
Acho que lá em casa tiveram razão quando instituíram aquele lanço de escada como alternativa ao caixote do lixo. Caso a situação piorasse muito, mesmo o sapato semi-gasto acabava por estar melhor do que o que tínhamos calçado. Lamentavelmente, é tudo uma questão de plano inclinado.

5/18/2008

Olá!


Falar com um miúdo de quatro anos pode ser uma delícia. Ouvem-se expressões inesperadas, pensamentos do mais puro estilo naïf, pontos de vista insuspeitados. Aquele rapazito que fui buscar na sexta-feira ao jardim-de-infância anda agora entusiasmadíssimo com as letras e os números. Lê avidamente as matrículas dos carros que encontra à mão (mas ainda não lê 64 como sessenta e quatro - apenas como seis quatro) e, durante a viagem que fiz com ele, saiu-se muito bem com "nomes de animais começados pela letra X". Acertou no “m” com um macaco bem tirado, a zebra foi para ele canja, assim como o leão e o leopardo. Falhou no “b” de burro, aventando outro animal qualquer, mas depois acertou no “g” de girafa. Nota positiva, pois, que eu esperei ver confirmada quando arrumei o carro e encontrei na rede das obras de um prédio um anúncio com uma só palavra, fácil, e que me pareceu mesmo à maneira. Pedi ao catraio para identificar as letras, o que ele fez correctamente: O. L. A. Pedi-lhe depois para ler a palavra toda e - não é ficção! - ele correspondeu ao meu pedido, silabando distintamente: GE-LA-DO!

OK, para a próxima não fico tão embalado com aqueles conhecimentos precoces de leitura do miúdo. Dar tempo ao tempo continua a ser uma política acertada.

5/17/2008

Não é fácil governar um país onde se morre mais do que se nasce

Foi talvez há uns dois anos que coloquei aqui um pequeno texto sobre uma funcionária de um banco que, casada e a aproximar-se dos 30 anos, não via possibilidade de ter filhos devido ao seu horário. O facto de viver do outro lado do Tejo fazia com que se levantasse bastante cedo para estar cerca das oito horas no seu posto de trabalho. Não estava de volta a casa antes das 19:30. Felizmente, a entidade patronal deu-lhe a possibilidade de mudar para uma sucursal da margem esquerda e hoje a P. está mais feliz, com a sua bebé.
Esta introdução vem a propósito das estatísticas demográficas reveladas recentemente pelo INE relativas a 2007. A moça em questão deve ter acertado na média etária com que as mulheres portuguesas têm agora o seu primeiro filho: aos 28 anos. Nada cedo, convenhamos. E têm muitos filhos mais? Que ideia! Mais de 70 por cento das famílias do nosso país são constituídas por pai, mãe e um único filho (ou filha, naturalmente). Cada mulher tem em média 1,36 filhos, o que, como se sabe, está longe de assegurar a renovação geracional.
Porém, mais do que isso, 2007 foi o primeiro desde os registos iniciais existentes a contar com mais mortes do que nascimentos. Em números redondos, morreram 104 mil pessoas e nasceram 102 mil bebés. De um lado, temos um extraordinário aumento da população idosa (mais de 64 anos). Imagine-se que por cada 100 jovens (1-15 anos) há hoje em dia em Portugal 112 idosos! O número dos indivíduos com mais de 65 anos aumentou 30 (!) por cento nos últimos 16 anos.
Do lado dos nascimentos, verificamos que em 1960, portanto há cerca de 50 anos, o total anual ascendia a cerca de 214 mil. Em 2007, os bebés que nasceram ficaram-se pelos 102 mil já referidos, i.e. menos de metade. Dá que pensar! E estas não são coisas que se mudem de um dia para o outro, a não ser que haja novo grande influxo de imigrantes.
Quando há poucos meses estive na Índia, impressionou-me o elevado número de jovens. Soube depois, de fonte oficial, que 70 por cento dos indianos tinham menos de 35 anos. Fantástico!
Aqui pergunta-se: por que razão é Portugal já o oitavo país mais envelhecido do mundo? Para além da óbvia constatação de que há sete outros países que ainda são menos jovens do que nós, ocorre-nos naturalmente perguntar “porquê?” De facto, na década de 60 a média de filhos por mulher que se registava em Portugal era de 3,6. Na Europa, só a Irlanda nos batia! Se desde essa altura até agora o nosso Produto Interno Bruto cresceu substancialmente, é normal que se levante outra questão: terá a satisfação das pessoas acompanhado o crescimento do PIB? Se calhar, não. A Associação Portuguesa de Famílias informa que há cerca de 20 por cento de portuguesas em idade fértil que gostariam de ter três ou mais filhos; vistas as coisas, só cinco por cento os têm. Porquê? Será que o preço das casas, que disparou há uns anos, tem influência nesta situação? Será que o custo de colocar um bebé num jardim-de-infância é aceitável para a maior parte das famílias? E se forem duas ou três crianças? Note-se que, na Europa, nenhum outro país bate Portugal no número de casais em que tanto o marido como a mulher trabalham fora de casa (74 por cento). E a precariedade do emprego ajudará a constituir família?
Em 1960 ainda havia uma poderosa influência da Igreja Católica no nosso país, principalmente no Norte. Hoje em dia, a Região Norte é, paradoxalmente, aquela onde as mulheres têm menos filhos. Muita razão pode ter o Papa para lamentar a diminuição da influência da Igreja em Portugal, mas a verdade é que as pessoas que vivem com problemas concretos já não prestam grande atenção às recomendações eclesiásticas sobre medidas anticoncepcionais.
E os problemas que a situação ocasiona a nível das escolas? A certa altura, num exemplo entre muitos, temos professores a mais para alunos a menos. E que dizer da Segurança Social, com naturalmente menos contribuintes para um cada vez maior número de beneficiários? Esta é, indesmentivelmente, uma bomba-relógio.
Não é fácil a um Governo administrar um país assim. Fácil é, da parte dos cidadãos, exigir um maior número de creches públicas a preços acessíveis, mas de onde virá o dinheiro? Se for retirado dos fundos da Segurança Social ainda mais depressa alargará o buraco. Professores sem alunos, por exemplo, aumentarão a taxa de desemprego. Maiores colectas do fisco causarão um enorme descontentamento e acabarão com o desenvolvimento da economia.
Gostaria de ser mais optimista sobre o assunto, mas os números não me deixam. Sorry! Mesmo assim não sou catastrofista. Estes movimentos são lentos, embora garantidos. Se nada for feito para arrepiar caminho, a situação tenderá a agravar-se. O descontentamento alastrará.

5/14/2008

O mundo, segundo Fareed Zakaria

Fareed Zakaria, o director da revista americana Newsweek, acaba de publicar um livro intitulado The Post-American World. O autor pretende mostrar que os americanos (1) já não dominam o mundo a não ser militar e politicamente, e (2) têm presentemente que contar com uma nova realidade à escala global. É curioso o começo, que resolvi traduzir para os amigos deste blog:
"Olhemos à nossa volta. O edifício mais alto do mundo está localizado em Taipei e será em breve destronado por um outro no Dubai. A maior empresa comercial do mundo fica em Pequim. A maior refinaria do planeta está a ser construída na Índia. O maior avião de passageiros vai ser europeu. O maior fundo de investimentos tem a sua sede em Abu Dhabi. A maior indústria cinematográfica está em Bollywood, na Índia, e não em Hollywood. Também alguns ícones que costumavam ser símbolos da América estão algures no planeta Terra mas não nos EUA. Assim, a maior Grande Roda encontra-se em Singapura. O maior casino do mundo é o de Macau, que o ano passado superou Las Vegas em receitas de jogo. Já nem na sua actividade favorita - o shopping - a América ocupa o 1º lugar mundial. O centro comercial de Minnesotta, que foi outrora o maior do mundo, ficaria hoje fora dos Top Ten. Para finalizar: segundo as listagens mais recentes, só duas das pessoas mais ricas do mundo são americanas.
Estes itens são algo arbitrários e alguns mesmo um pouco idiotas, mas é um facto que há apenas dez anos os EUA teriam calmamente ocupado o 1º lugar a nível mundial em praticamente todos eles. São dados que testemunham a extraordinária mudança que está a ocorrer."
Estaremos todos a dar-nos conta disto?

5/13/2008

A escola democrática perturbou a democraticidade da educação?


À primeira vista, este título poderá fazer pouco sentido, mas se reflectirmos um pouco talvez o achemos correcto. Por escola anti-democrática entendo, neste contexto, a escola anterior ao 25 de Abril de 1974. A escola democrática, pelo contrário, é a que se seguiu àquela data.
Tal como milhões de outros portugueses, frequentei a escola primária e a secundária antes do 25 de Abril - na realidade, muito antes. A minha instrução primária decorreu numa localidade a cerca de 70 quilómetros a norte de Lisboa. Recordo-me que as classes em que estive inserido contavam com vinte e tal alunos, ensinados por um único docente durante todo o ano lectivo. No ano seguinte, poderíamos continuar com o mesmo docente ou ter um outro a ensinar-nos. As turmas eram mistas e constituídas na sua maioria por rapazes e raparigas da terra. Famílias de diferentes níveis de riqueza e instrução mandavam os seus filhos para a escola. Iam os filhos do médico, do comerciante, do caixeiro, do vendedor de peles-de-coelho, do ferrador, do ferreiro, do taberneiro, etc. Para que não houvesse distinção no vestuário - embora o argumento usado não fosse este mas sim o de não sujar a roupa - , o Estado fazia com que todos os miúdos fossem para a escola vestidos com um bibe, geralmente aos quadradinhos azuis e brancos. A convivência entre rapazes e raparigas, filhos de famílias com características por vezes marcadamente diferentes, não causava problemas de monta. Pelo contrário, oferecia numerosas vantagens.
No liceu passava-se mais ou menos o mesmo, com a grande diferença de ser numa cidade e não em qualquer terreola de província. Lembro-me de ter tido como colegas, tanto no Passos Manuel como no D. João de Castro, rapazes e raparigas dos mais diversos estratos sociais. Convivi com muitos deles, conheci os locais onde viviam e, obviamente, constatei diferenças abissais. Dos Carriços aos O’Neill, dos Neri aos Malheiros, dos Portelas aos Morais Sarmento, dos Fogaça aos Figueira, dos Sousa Martins aos Litchfield, dos Dokarsky aos Zimmermann, dos Vieira aos Mota, aos Cadete e aos Silveira, havia de tudo: famílias ricas e pobres, umas vivendo em belas casas com óptimos jardins, outras mais modestas e ainda outras muitíssimo modestas. Enquanto uns colegas possuíam magníficos rádios com gira-discos, outros fabricavam eles próprios engenhosamente galenas para ouvir música e notícias. Enquanto uns, poucos, eram levados de manhã pelo chófer até ao portão do liceu, a esmagadora maioria chegava a pé, geralmente depois de uma viagem de eléctrico, autocarro ou comboio. Esta é a minha experiência. Entre 1945 e 1956, salvo erro.
Gradualmente após 1974, a escola democrática tem vindo a perder a democraticidade da sua antecessora. Tenho na minha rua uma escola primária - aquela onde aprendeu as primeiras letras o actual Presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso - e sinceramente duvido que ele hoje enviasse os seus filhos ou netos para cá. Através das pessoas que esperam os miúdos à saída também noto diferenças, mas não me parecem muito notórias. Há, como seria previsível, mais nacionalidades do que antigamente: portugueses, angolanos, cabo-verdianos, brasileiros, ucranianos, indianos, romenos. Mas o que não vejo são os filhos dos mais ricos. Ou então sou eu que os não distingo e, devo dizer, distingui-los-ia melhor pelo facto de não usarem bibe.
Na escola secundária, a situação parece-me comparável à da primária. Por outro lado, existem muito mais escolas primárias e secundárias do sector privado. É nelas que se refugiam muitos dos filhos de famílias de maiores posses.
As razões desta evolução são muitas e ocuparia bastante espaço desenvolvê-las aqui. De qualquer forma, impressiona-me que, no campo basilar da educação, a bem-vinda democracia de 1974 acabe por ter conduzido a uma separação de classes mais nítida, que afinal é contrária à própria democracia. Daí a razão do título.

5/11/2008

Aviso bem-humorado


Os moradores de um prédio não longe do meu colocaram recentemente este aviso na porta que dá para a rua. Ao passar, chamou-me a atenção o facto de ver dois cães a olharem para o edifício. Supus a princípio que fosse para que alguém lhes abrisse a porta. Só depois reparei neste aviso. Estavam a lê-lo.

Optimismo em questão

Cada vez sinto mais que um optimista não é tanto o indivíduo que avança com resultados favoráveis para algo que está ainda para acontecer, mas antes aquele que, olhando para trás para as suas memórias do mundo, automaticamente escolhe os momentos ou episódios positivos e bons, linearmente ignorando os negativos.

5/08/2008

Certificados de aforro (da notícia à prática)

Dado que os vencimentos dos juros dos certificados de aforro são trimestrais, foi só agora no mês de Maio que cada um pôde ver concretamente quanto é que a medida tomada unilateralmente pelo Estado veio a custar ao seu bolso de aforrador. Considerando uma conta certa, quem recebia € 1000 de juros passa a receber € 827. São €173 euros de diferença, que voam injustamente do seu bolso para os cofres do Estado. Quando os juros estiveram baixíssimos (em 1999, 2000, 2001), os aforradores também suportaram essa baixa.
Embora entenda que o Estado não devesse manter um sistema que beneficiava mais o aforrador do que a maioria de outras aplicações, creio que teria sido de toda a justiça não mexer nas contas dos actuais aforradores, a não ser que tivessem excedido um determinado montante máximo - o que deve ter sido o caso de várias aplicações bancárias. Quanto à criação de certificados da Série C e cessação de emissões da Série B, nada tenho a opor.
Esta medida estatal tem decerto efeitos práticos na melhoria das finanças públicas mas (1) constitui um verdadeiro desincentivo à poupança e (2) mostra que, afinal, mesmo sem causas exógenas, as aplicações em fundos da Junta de Crédito Público têm um grau de risco considerável.

5/07/2008

Mais ou menos subrepticiamente, cá vão entrando

Como professor de inglês, enderecei regularmente aos meus alunos vários avisos à sua navegação linguística, na medida em que há palavras que parecem ser uma coisa e de facto são outra. O curioso é que vários desses termos ingleses (anglo-americanos) que há anos eu ensinava como falsos amigos acabaram por entrar na nossa língua, mais ou menos subrepticiamente. O qualificativo dramatic é um bom exemplo. Eu costumava alertar para o facto de que dramatic não correspondia ao significado português de "dramático" mas sim ao de "brusco"ou "repentino", e ainda de "excitante" ou "movimentado". Ora bem! Hoje lemos com frequência nos jornais que se registou “uma subida dramática das acções da bolsa”.
Energetic era outra dessa centena ou mais de palavras que podem confundir os portugueses. Por meu lado, explicava que em inglês não se dizia "energic", como os alunos poderiam esperar, mas sim energetic (activo, enérgico, determinado). Pois bem! Presentemente, já oiço dizer “ela é muito energética”.
Global, por ser igual graficamente à palavra portuguesa “global”, poderia levar os alunos a pensar que o significado era idêntico quando isso não corresponde à verdade, como por exemplo em "uma apreciação global", que é an overall appraisal. Actualmente, o inglês global substituiu o português "mundial" em casos que todos conhecemos, como "à escala global".
"Afluente" costumava usar-se em português para um rio que desagua num outro maior. Este significado mantém-se, mas já oiço e vejo muitas vezes o termo "tributário" (do inglês tributary) para o mesmo efeito; por outro lado, "afluente", quando usado como qualificativo, passou a ter o significado do adjectivo inglês affluent, como vemos em affluent society (sociedade afluente, i.e. abastada, rica).
A expressão portuguesa "deitada abaixo" ou "de rastos" está a ser gradualmente complementada com uma tradução directa do inglês devastated, como se vê no exemplo "a coitada da Francisca deve estar devastada".
Uma tarifa que é igual para todos os casos seria normalmente em português "uma tarifa única". Pasme-se: como os ingleses e americanos usam flat rate, que tem este mesmo significado, em português já há muito que vejo "tarifa plana" e "taxa plana".
Também "bilião" é palavra que se usa cada vez menos em português devido a diferenças na palavra billion entre o Reino Unido (= um milhão de milhões) e os EUA (= mil milhões). Agora costumamos usar "mil milhões", o que acaba por se justificar para evitar graves erros numéricos.
Eventually, que significa "por fim", "acabar por", ainda não encontrou até agora paralelo no "eventualmente" português, mas não é impossível que seja uma das nossas próximas aquisições.
Uma palavra que já começa a fazer carreira nas nossas veredas linguísticas é "expatriado". No domingo passado, alguém que falava comigo sobre Angola contava-me que um amigo seu tinha ido morar para lá: "Mesmo para os expatriados a vida não é fácil. Ele demora cerca de três horas a percorrer o caminho (12 km.) de casa até ao centro de Luanda, onde trabalha." Dantes dizíamos sempre "emigrantes", mas é um facto que os americanos falam de expatriates ou, na forma abreviada, de expats.
To be supposed, que tem vários significados, v.g. "dever" e "esperar-se que" entrou também já há muito na língua portuguesa em tradução directa, o que faz com que digamos com a maior das naturalidades que "não somos supostos revelar os termos da nossa conversa com o presidente".
Por influência do you inglês, que em muitos casos corresponde ao nosso "nós" e a "se" no significado de "a gente", hoje dizemos muito vulgarmente "na Índia, tu/você entras/entra numa loja e és/é imediatamente abordado por um empregado". Há uns anos dir-se-ia "Na Índia entra-se numa loja e..." ou "a gente entra numa loja e..." Estas duas formas ainda hoje se empregam, mas a outra não era comum.
Mesmo em matéria de interjeições, oops! entrou definitivamente no nosso vocabulário (às vezes escreve-se "ups") e já ouvi muito ouch! em vez de "ai!" ou "ui!". Quanto a wow!, então nem se fala.
Para não prolongar muito estes exemplos, terminemos com o yeah!, que se tornou normal em afirmativas. Curiosamente, por razões eufónicas, se o yeah é seguido por outra palavra não se diz "yeah, pá", mas sim "yeah, meu" ou outra coisa qualquer. Ainda neste domínio, é interessante notar que a resposta portuguesa a uma pergunta que dantes usava geralmente o verbo da própria pergunta, v.g. "Podes fazer isso amanhã?" "Posso.", hoje transformou-se frequentemente em "Sim!", à maneira inglesa, v.g. "Vais amanhã para o Porto?" "Sim!".
Considero absolutamente normal o que está a suceder ao português-língua-viva. Em sociedades dinâmicas, a língua, como fenómeno social, é normalmente alvo de alterações e variantes como estas. Aliás, é assim que as línguas se vão formando ao longo dos séculos e dos contactos com outras culturas.
Entretanto há uma notícia bastante curiosa que não resisto a incluir aqui sobre o pragmatismo inglês e que mostra que Napoleão tinha razão quando dizia que para os ingleses os negócios estão acima de tudo. Considerando que o inglês se tornou indubitavelmente a lingua franca dos nossos dias à escala mundial, muitos negócios são tratados em língua inglesa. Com isso, os negociantes cuja língua materna não seja o inglês estão em clara desvantagem. Esta desvantagem é ainda mais acentuada sempre que, por exemplo em conversa durante um jantar, o inglês/americano/australiano usa expressões claramente idiomáticas, que geralmente não estão ao alcance de um estrangeiro, por muito razoavelmente que este domine a língua. Torna-se óbvio que o uso desse tipo de expressões não cai bem aos empresários que não são de língua inglesa na medida em que os coloca numa base de inferioridade relativa. Esse facto pode levá-los mesmo a preferir outros parceiros comerciais, mais simples e acessíveis na sua linguagem. É aqui que surge em Londres a Canning School, que prepara executivos na utilização de um conjunto de expressões que são mais compreensíveis para estrangeiros do que as suas frases mais coloquiais. Business is business. Assim, em vez de put off dever-se-á usar postpone, no lugar de pull out all the stops dir-se-á make every possible effort, educate será preferido a bring up, etc. Ao todo, são cerca de 1500 palavras e expressões coloquiais inglesas que devem ser deixadas para trás nas negociações. Pragmatismo acima de tudo. Cunning school, right?

5/03/2008

Adeus, Pinóquio!

Ao entrevistar seis alunos que obtiveram este ano os melhores resultados do 1º Semestre de uma determinada escola superior, fui questionado por eles sobre a maneira como chegara aos seus nomes. Expliquei-lhes que fizera um estudo e elaborara um relatório com as conclusões desse mesmo estudo para os órgãos directivos. Mostrei-lhe o documento de 65 páginas que tinha na mão. "Esse relatório está disponível para nós?", perguntaram-me. Respondi-lhes que não. O estudo tinha sido feito motu proprio com determinados destinatários em vista, e era portanto a eles que se destinava. "E por que razão é que não lhe temos acesso, se é sobre a escola?" Lembrei-lhes que há diferentes graus na comunicação. Por exemplo, numa empresa, há um grupo muito restrito de pessoas que tem acesso a toda a informação, mesmo a mais confidencial, há um segundo grupo mais alargado que pode consultar outro tipo de informação e existe, por exemplo, o site da empresa, onde a informação é disponibilizada a todos. Forneci-lhes, entretanto, alguns dados do relatório sobre os quais me perguntaram e que não havia qualquer problema em revelar.
Esta é parte de uma aprendizagem que fazemos - e praticamos - ao longo da vida. O que dizemos a B sobre C é por vezes algo diferente daquilo que dizemos a C. Compreensivelmente, diga-se. Há verdades demasiado cruas que nada ganham em ser ditas a determinadas pessoas. A questão que se põe é muitas vezes de tacto ou de educação. Entretanto, se houver problemas a resolver, é importante que eles sejam apresentados a quem tem poder para lhes dar uma resolução conveniente. Ventilá-los por todo o lado só pode agravá-los, e o nosso objectivo nº 1 é que eles sejam debelados e não alastrados.
Será isto fazer censura? É possível, mas de qualquer forma será censura não censurável - de facto, altamente recomendável até.
Mentir, como é? Conheci alguém que foi um verdadeiro mestre na arte de mentir. Nunca o intitularia de mentiroso, porém. Era - já faleceu - um homem sério, culto, possuidor de numerosos valores que por vezes cultivava e, noutros casos, preferia deixar de lado. Era aí que ele mentia. Mas mentia com tal convencimento que seria difícil descortinar que ele passava ao lado da verdade. Mais: se alguém dissesse à plateia que o escutava que naquele ponto ele estava a mentir, quase de certeza que os ouvintes diriam que ele a mentir não estava: quando muito, estaria mal informado.
O canadiano Marshall McLuhan expressou bem casos como este: "O homem mediaticamente bem sucedido é aquele que consegue fazer passar aos espectadores como sincera uma mensagem em que ele próprio não acredita."
Há dias li no Público uma entrevista com Paul Ekman, professor de Psicologia na Universidade da Califórnia, em que ele é peremptório: "Ninguém votaria num político que não fosse capaz de mentir." Diz mais: "É difícil apanhar um político a mentir. Porquê? Porque ele não se sente culpado." Conclui o seu raciocínio: "O problema dos líderes políticos é que eles lidam com os outros numa lógica de negociação e regateio. Ora, com vista a obter o melhor acordo, nem sempre podem dizer a verdade quando estão a negociar. E, mesmo quando se dirigem aos eleitores do seu país, se disserem toda a verdade, é um facto que também a estão a revelar aos partidos da oposição. Logo..."
Este é um posicionamento que me lembra uma carta ao director que há tempos li: "Os governantes têm o direito e o dever de mudar de opinião em função dos acontecimentos exteriores ao Governo e da forma como melhor pensam servir os interesses dos portugueses. Aliás, o mesmo se passa com os responsáveis das empresas de sucesso, que não podem seguir políticas rígidas, antes têm de estar prontos a reagir à envolvente exterior."
Adeus, Pinóquio!

Lógica democrática

Há tempos, em conversa com alguém que foi ministro deste país, falei-lhe de uma coisa que, salvo erro, já abordei neste lugar uma vez: a discordância que se nota frequentemente entre o preâmbulo de um documento legal e o respectivo articulado. "Ingenuidade a sua", disse-me ele. "Você ainda não entendeu bem como é que a democracia funciona. De facto, a coisa passa-se mais ou menos assim: quando há problemas orçamentais ou determinadas pressões, sejam elas nacionais ou de origem estrangeira, preparamos um documento legal para acudir ao que é necessário fazer. O preâmbulo é fundamental, embora seja uma fachada em muitos casos, pois há coisas que não se podem dizer. Convém, portanto, que exista alguma elevação no teor desse preâmbulo, o qual deve falar em qualidade disto e daquilo e mencionar várias facetas socialmente nobres, fornecendo assim uma justificação que reunirá um consenso bastante alargado relativamente às medidas que vão ser prescritas a seguir. Quando o articulado está algo desfasado do preâmbulo é porque existiram a posteriori – mas também podem ter surgido a priori – interesses vários que se impuseram e que obrigaram o ministério em questão a fazer aqui e ali um tour de force. O sistema democrático tem de respeitar os eleitores, ou pelo menos alguns deles, e como tal aparecem alterações que se tornam necessárias. Mas quanto ao preâmbulo, só excepcionalmente é que ele é objecto de emendas."
Fala quem sabe.