5/27/2008

Estau?

Uma pequena viagem pela rota da ortografia, a qual continua na berra por causa do akordo, leva-nos a um edifício mandado construir nos meados do século XV em Lisboa pelo Infante D. Pedro, que foi regente do Reino. D. Pedro possuía a educação esmerada que a corte da mãe Lencastre lhe proporcionara e, entre outras coisas importantes, viajou demoradamente pelo estrangeiro. Por este facto chamaram-lhe o Infante das Sete Partidas. Viu muito, teve numerosos contactos lá fora e notou, como não podia deixar de ser, que Lisboa carecia de um edifício condigno para alojar as embaixadas estrangeiras e viajantes ilustres que nos visitassem. Esse edifício, que acabou durante a sua longa vida por ter vários usos – até chegou a albergar na estrebaria elefantes e girafas! – ardeu no século XIX. No local foi erguido o Teatro Nacional D. Maria II, que todos conhecemos.
Entretanto, o curioso é que o nome dado ao tal edifício do Infante D. Pedro era Palácio dos Estaus. Hoje não se usa a palavra "estau", mas será interessante saber que ela vem do português antigo "hostau". Como tiraram o "h-" inicial, o entendimento do termo complica-se, naturalmente (ai, a ortografia!). Contudo, se dissermos que o étimo latino é "hospitale-", que inicialmente significava "habitação para hóspedes" (daí a palavra "hospitalidade"), começamos a entender melhor que com a queda da sílaba medial -pi- tenha ficado "hostau", que então redundou no tal Estaus do palácio.
Ao dizermos "hostau" lembramo-nos, possivelmente, da palavra "hostal", que conhecemos do castelhano moderno. E, se aprendemos algum francês, recordamos que os franceses engoliram o -s- em muitas palavras. Para indicarem que o -s- foi suprimido, colocaram um auxiliador acento circunflexo. Assim é que em vez de "festa" dizem "fête", em lugar de "asno" dizem "âne" e "hôpital" traduz o nosso "hospital". Chegados aqui, vejamos o que fizeram os franceses ao -s- do nosso "hostau" ou do "hostal" castelhano. Fizeram o mesmo: suprimiram-no e colocaram lá o circunflexo da praxe: "hôtel". Vai daí os ingleses, que juraram não usar quaisquer acentos nas suas palavras, aceitaram o termo mas tiraram-lhe o chapéu. Assim chegámos ao "hotel" dos nossos dias, afinal directamente ligado ao nosso antigo hostau (estau).
Perguntará o leitor atento: O.K., estará tudo bem até aqui. Mas como é que se explica o -u de "estau" e o -l de "hotel"? É fácil: O -u e o -l estão foneticamente tão próximos que, se não se podem considerar irmãos, pelo menos primos são. Note-se que nós, portugueses, dizemos Brasil e ouvimos os brasileiros dizer "Brasíu". Nós falamos do nosso (Álvares) Cabral e eles chamam-lhe "Cabrau". É só isto.

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