12/11/2006

O sentido do tempo

Uma amiga a quem eu tinha em tempos emprestado dois volumes encadernados com numerosos exemplares da revista Courier da Unesco, todos eles datados do final dos anos 60 e início da década de 70, devolveu-mos há dias. Os seus comentários foram extremamente encomiásticos para a revista - considerando-a muito avançada para o seu tempo -, mas de pasmo também pelo facto de, apesar de tantos problemas que ainda são dos nossos dias terem então sido estudados profundamente, com argumentos altamente válidos, não terem tido grandes resultados concretos. Esta minha amiga é uma pessoa inteligente, arquitecta de profissão, com cerca de 50 anos. Trabalhou quase 20 no estrangeiro.
Foi com grande sinceridade que me disse estar impressionada com os longos artigos e os ponderados estudos que encontrara, sobre as causas e efeitos da fome e da pobreza, o impacto do turismo sobre os monumentos, as consequências dos abates indiscriminados de milhares e milhares de árvores de madeira exótica nas áfricas, ásias e américas. Para além de dezenas de outros temas. "Eu teria uns 10 anos" - disse - "quando aqueles estudos foram feitos e apresentados. Pois se fossem realizados agora, apareceriam como novidade e seriam interessantes para os leitores de hoje. Custa ter que perguntar por que razão não se evitaram tragédias previsíveis, por que motivo se insistiu em erros perfeitamente identificados, se continuou a deixar espalhar tantos rastos de infelicidade no mundo."
Uma das razões é certamente a questão dos valores. Os valores não são os mesmos para quem estudou e escreveu os artigos e para quem detém outro tipo de poder, mais material e pragmático. Nas suas grandes linhas, é evidente que a humanidade está com menos respeito pelo futuro e mais ávida de se realizar no presente. Construir para as gerações vindouras, o que poderá significar para as pessoas de hoje privar-se de algo que ambicionam, está definitivamente fora de moda. Aquele que é o comportamento individual de maior consumismo e menor poupança é ampliado à escala mundial. Larguíssimas manchas de floresta são abatidas para proporcionar riqueza imediata. Se depois vêm as cheias que tudo levam à sua frente, esse é um problema das populações locais. Os pinheiros de crescimento lento vão sendo violentamente destruídos por incêndios criminosos que pretendem abrir caminho para plantações de eucaliptos, de crescimento rápido mas destruidores da riqueza do solo. Nunca houve no passado Ministérios do Ambiente. Agora, pululam. Os seus resultados são ínfimos. O vento do já-e-agora sopra forte. Endivididamento em vez de poupança, vida vivida a grandes sorvos, consumo desbragado em vez de um razoável comedimento, excesso de direitos e míngua de deveres, tudo isso leva a que os bons preceitos do passado redigidos na revista da Unesco por cientistas e homens de visão alargada não tenham encontrado eco e concretização.
Somos assim.Até quando?

Sem comentários:

Enviar um comentário