1/22/2009

Uma breve viagem pelo sal dos oceanos

Se houve um produto com alguma relevância nos primórdios das nossas exportações, esse produto foi o sal. Entende-se facilmente porquê. A situação geográfica de Portugal, com a sua ampla exposição ao sol e ao Oceano Atlântico, permitia a formação de sal que, sem águas poluídas pela indústria e pelos resíduos de fertilizantes como hoje parcialmente sucede, possuía óptima qualidade e era muito apreciado. Zonas litorais como as do estuário do Vouga e do Sado produziam sal que servia não só para condimentar os alimentos como também para preservar esses mesmos alimentos numa época em que ainda não existiam as arcas frigoríficas dos nossos dias. Um dos destinos do sal português era a Grã-Bretanha que, com um clima e águas bem diferentes, nunca se mostrou um território propício à produção de sal. O curioso é que o comércio de exportação do nosso sal para Inglaterra se manteve mesmo depois de, no século XVI, a Inglaterra ter embarcado na reforma protestante. Ilustrando o bem conhecido facto de que o comércio ignora frequentemente fronteiras políticas e religiosas, o sal católico português continuou a condimentar a comida inglesa para regalo dos palatos protestantes.
Num parêntese, permito-me lembrar que durante o regime salazarista havia pelo menos dois produtos que os portugueses exportavam em larga escala para países com os quais não mantinham oficialmente relações: a URSS e a Índia (União Indiana). Para o primeiro deles exportavam cortiça, para o segundo caju, de Moçambique. Entretanto, nas tabelas de destinatários das nossas exportações, quer a URSS como a Índia eram, algo escandalosamente, omitidos e englobados na rubrica "Outros", a qual apresentava uma percentagem desmedida, superior a 50 por cento, obviamente devido ao facto de eles serem os nossos principais clientes.
Adiante, com as minhas desculpas pelo parêntese. Ontem - e que pena eu tive de não ter levado comigo a máquina fotográfica! - ao dar um breve passeio ao longo do Tejo no Parque das Nações deparei com a chegada de um enorme camião, que me surpreendeu por ter parado num local geralmente sem quaisquer viaturas. O camião encontrava-se na parte de trás do Oceanário e ficou pronto para descarregar. Aproximei-me, curioso. A carga do veículo era constituída por bojudos sacos brancos. Contei-os. Totalizavam 24, com um peso unitário de mil quilos. Realmente o facto de transportar 24 toneladas já justificava a dimensão do transporte. Li as várias linhas inscritas nos sacos: Coral Reef (nome da firma), Red Sea Salt, 1,000 kg., Red Sea, Israel. O destino era o Oceanário do Parque. Um pequeno empilhador começou a transportar cuidadosamente um saco de cada vez para dentro do edifício.
Aqui formou-se outro parêntese na minha cabeça: recordei-me das muito celebradas fragatas do Tejo, que transportavam, tal como este pequeno empilhador, relativamente reduzidas quantidades de carvão retiradas de bordo de grandes embarcações vindas de Inglaterra, as quais não encontravam no rio altura de água suficiente para fundearem junto à Central Tejo – o destino do carvão, tal como agora o Oceanário era o destino do sal do Mar Vermelho. Quando a Central Tejo foi desactivada, as fragatas receberam um golpe mortal, passando a surgir com mais frequência nas letras de fados do que nas águas do rio.
Neste momento, como não pude tirar a foto de que gostaria, limitei-me a tentar descrever e partilhar convosco uma cena comum, que no entanto teve o condão de me transportar a outros tempos e outras paragens. O sal sempre foi um condimento essencial da vida!

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