2/27/2012

Uma explicação

Vários amigos que se habituaram a visitar este blog têm-me perguntado qual é o motivo por que, sendo eu geralmente tão assíduo na minha escrita, pareço ter subitamente deixado de escrever.

Ora, como é do conhecimento de qualquer pessoa que, por pressão interior, gosta de fazer uma determinada coisa, essa pressão não desaparece a não ser por razões de saúde. Não sendo este felizmente o caso, a minha pressão da escrita pode é ser encaminhada para outras vias. Tem de facto sido.

Aqui pode porém colocar-se uma segunda questão: por que razão foram escolhidas outras vias e deixada esta, que se mantém quase há nove anos? Será que a temática se esgotou? Ainda por cima num blog que se diz de A a Z?

De facto é impossível que a temática se esgote, tantos e tão vastos são os temas; porém, existe um factor que vem funcionando quase como um travão que me tem impedido de voltar aos meus temas favoritos, que são sem dúvida os de ordem social. Esse factor tem que ver com a situação portuguesa, que considero verdadeiramente lastimável e, afirmo-o sem pessimismos lamurientos, tem uma forte tendência para se agravar.

Vou tomar como exemplo uns tantos factos que um exemplar do jornal que diariamente compro – o Público – nos traz a todos.

Começa por nos informar que o governo avaliza novo empréstimo de 300 milhões de euros ao BPN. Ora, esta história não é só agora que começa a cheirar mal; há muito que tresanda. A maioria das pessoas concorda que há muita coisa mal contada relativamente a este banco. Conhecemos os nomes de algumas das figuras mais gradas da política portuguesa que entram neste imbróglio. Essas figuras são predominantemente ligadas ao partido mais votado do presente governo. Sabemos também que houve um número considerável de pessoas que procuraram o banco para auferir rendimentos maiores do depósito do seu capital. O banco estoirou, e apresentou um défice nunca verdadeiramente esclarecido perante a opinião pública. Trata-se de um défice que em muito ultrapassou o já de si inaceitável saldo contabilístico negativo incorrido pela governação da ilha da Madeira. O BPN causou um prejuízo assumido de 2,4 mil milhões de euros para o Estado e avales da ordem dos 5,5 mil milhões através da Caixa Geral de Depósitos, um banco estatal. Pois agora aí vem um novo crédito de 300 milhões, decerto concedido em condições de juros que pouco terão a ver com a “generosidade” com que os mercados emprestaram dinheiro ao Estado português.

Como é que se pode consentir que isto suceda? Vemos a classe média a empobrecer a olhos vistos; a consequente retracção da economia não se fez esperar; mas, por seu lado, o recebedor dos nossos impostos que é o Estado abre os bolsos para salvar os mais ricos! Como é isto possível num governo que foi eleito pelo povo, mas que está a muitas milhas de cumprir o seu programa eleitoral, programa esse que foi apresentado ao povo português já depois de ter sido firmado pelo anterior governo um acordo com a famigerada troika-katastroika? Então os bancos não são os responsáveis principais pelos riscos que assumem? Sejam os bancos, sejam empresas agrícolas ou industriais, todos devem assumir a sua responsabilidade. Se colhem os lucros quando os resultados lhes são favoráveis, não existe qualquer razão para alijar essa responsabilidade quando esses resultados são negativos.

Mas se calhar existe mesmo. De facto, uma outra notícia informa-nos, já sem surpresa para o contribuinte mas compreensivelmente geradora de um forte sentimento de revolta, que o parceiro privado do município que gere a água da cidade de Faro tem uma taxa de rendibilidade garantida de 8,41 por cento, independentemente do resultado de exploração da empresa de ambos. Que maravilha! Tal como parece ser o que continua a suceder no BPN, se há lucros privados, embolsam-se; se há prejuízos, o tio Estado que pague. Uma mina!

Mas não é isso também que sucede com as vias “sem custos para os utentes”, vulgo SCUTs? Outra mina! Afinal não era só no passado que tínhamos ouro no rio que dele ganhou o nome! E, tal como o rio corre para o mar, também os proventos correm para quem já não é parco deles.

Como já vem sendo hábito, andam uns tantos portugueses a explorar todos os restantes, com o apoio de testas-de-ferro governamentais que zelam mais pelos interesses privados – dos quais não raramente vêm a beneficiar após a cessação das suas funções mais directamente políticas – do que pelos interesses que juraram defender.

Na Alemanha, nos últimos três anos já são dois os presidentes da república que se viram obrigados a abandonar os seus cargos por motivos distintos. No nosso país tenderiam a ficar impunes e a permanecer nos seus postos.

Leio entretanto com gosto uma notícia. No entanto, ela mostra-me claramente a existência de dois países em Portugal, com um a colonizar o outro. A boa notícia é que durante a semana que passou foi finalmente inaugurada luz eléctrica em cerca de 60 montes e explorações agrícolas isoladas na serra de Serpa. Imagine o leitor citadino os anos que aquelas populações que, entre outras coisas, produzem o belo queijo de Serpa, tiveram que esperar para usufruir desse extraordinário sinal de progresso! As populações tinham luz graças a geradores que adquiriam, assim como compravam o gasóleo para os alimentar. E, naturalmente, usavam os velhos candeeiros a petróleo e o Petromax nas suas casas…

A resposta à pergunta por que motivo deixei de escrever tão assiduamente é só uma: custa-me viver num país tão injusto e, infelizmente, cada vez mais desequilibrado. Não admira que a criminalidade se avolume. É extremamente penoso ver pessoas com poder a negligenciar o cuidado devido ao ser humano que passa por dificuldades. Entretanto, não quero ser eu próprio injusto e omitir a menção de instituições que possuem um carácter fortemente positivo. Refiro-me àquelas organizações que fornecem, a preços baixos ou mesmo de forma gratuita, cuidados de saúde aos idosos e apoiam os muitos que passam fome num país com recordes de desemprego.

Mas pensar que estas instituições são tanto mais precisas quanto mais desequilibrada a nossa sociedade está, é algo que vejo como tremendamente revoltante.

2/13/2012

Poesia de A a Z

Para a letra R, as palavras belas e sábias de Ricardo Reis:

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

((Ricardo Reis, in «Odes e Outros Poemas»)