9/30/2006

Experiência nova de um professor

Já tem sido dito e redito: há quem ensine por gosto e quem ensine por mera necessidade. Geralmente, quem ensina por gosto comunica muito mais. Esforça-se, mas o esforço passa-lhe ao lado. É a sua vida, aquilo de que gosta: transmitir os seus conhecimentos a outros, deixar que os alunos o questionem e o façam avançar no seu prazer de ensinar coisas novas.
Imagine-se agora este professor a não poder ensinar. A razão, no caso verídico que vou contar, não é uma doença grave ou uma arreliadora perna partida. Nem falta de colocação. Não pode ensinar porque não tem alunos. Mas é do quadro. Há outros que não são do quadro e estão a ensinar. Ele não pode. E não pode porque foi este ano colocado através de uma afectação administrativa. Que o afecta, não administrativa mas psiquicamente. Expliquemo-nos melhor:
Como professor do quadro de zona pedagógica, algo que assume a sigla QZP, o referido docente julgava ter adquirido o direito a colocação, com turmas atribuídas, numa instituição do seu quadro. Contudo, tem acontecido que as escolas, pressionadas por directivas emanadas do Ministério, têm colocado menos horários a concurso. As razões são várias, tais como o término das reduções da actividade lectiva, um número menor de alunos e turmas maiores. Como resultado destas medidas, existem centenas de professores em QZP por colocar. O Estado vê-se obrigado a pagar o vencimento a pessoas que não estão a leccionar. Todas as semanas, a Direcção-Geral de Recursos Humanos da Educação apresenta, naquilo que designa por "cíclicas", os horários que ficaram ainda por atribuir, sendo estes na sua maioria temporários. "Neste momento", escreve-me o professor em questão, "tenho ainda uma série de pessoas à minha frente." Prossegue: "Gritarão alguns: Porque te preocupas? Recebes o ordenado na mesma!"
No entanto, neste caso como em tantos outros que conheci ao longo da minha carreira no ensino, não se trata de simples questões monetárias. É de todo o prazer de ensinar que ele se vê privado.
Deixemo-lo narrar a situação: "Estou a cumprir um horário de 35 horas semanais. A lei obriga a escola a fazê-lo, uma vez que não tenho actividade lectiva. Então, se exceptuarmos seis horas que tenho destinadas aos clubes (aqui há verdadeiramente alguma continuação do trabalho do ano anterior), passo 29 horas na escola, disponível para dar aulas de substituição. Há dois tipos de aula de substituição: a substituição programada, em que um professor, sabendo que irá faltar num determinado dia, deixa um plano de aula e um colega seu, do mesmo grupo, vai leccionar em sua vez. Estas substituições funcionam. Depois há as imprevistas. Nestas, quando um docente falta, irá um outro (eu, por exemplo) entreter as crianças durante aquele período. Não há qualquer plano. Fará algum sentido isto?! Esta situação acarreta também outros problemas. Há a questão da progressão e da avaliação: como poderá progredir um professor que não leccionou uma única turma durante o ano lectivo? E como será avaliado? Outro problema é o do estatuto e da imagem. Sinto/vejo os olhares reprovadores dos meus colegas. Trocaria de bom grado as minhas 35 horas de administrativo por 24 de actividade lectiva. Aposto que a maioria considera que eu estou contente com esta situação e que deve ser óptimo não ter turmas. Não é de todo! Espero que tudo se resolva rapidamente. Será pedir muito, um professor do quadro ter uma aulitas para dar? Se estão a pagar, porque não dividem as turmas e aumentam a qualidade do ensino? Esta situação nunca veio referida na comunicação social."
(Como se poderá imaginar, pedi e obtive autorização do professor em questão, apesar de ele não estar minimamente identificado, para colocar este post no blog.)

9/25/2006

Filosofia

Quando uma determinada disciplina do nosso sistema educativo não tem exame nacional de acesso ao ensino superior, ao contrário de outras, essa disciplina fica obviamente com um papel menorizado. Se a Língua Portuguesa tem exame, e o mesmo se passa com Matemática, com o Inglês, o Alemão, a Física, Geografia, a História, a Química, a Geometria Descritiva e tantas outras disciplinas, não sobram dúvidas de que negar a existência desse exame a Filosofia é passar-lhe um atestado de menoridade. Falar na necessidade de desenvolvimento de massa crítica em Portugal, de alunos que saibam pensar, conceptualizar, abstrair e, em seguida, menorizar a Filosofia, constitui uma enorme incongruência. Dir-se-ia que se pretende pôr em execução um conhecido slogan publicitário: Don't think. Just do it!

Publicidade dos Ecopontos

É, no geral, interessante e bem feita a publicidade que utiliza crianças como actores relativamente à separação de embalagens nos Ecopontos. Contudo, creio que os adultos precisam também de resultados concretos para colaborarem mais a sério. O que se tem feito entretanto com o vidro reciclado? Dêem-nos uma ideia. Para que serviu o papel colocado nos ecopontos em 2005? Quanto se poupou com a transformação dos plásticos? Exemplos concretos precisam-se.

9/13/2006

A escola e a sociedade

É inegável que a sociedade tem vindo a transformar-se. Deverá a escola acompanhar essa evolução ou manter-se aparte, interessada basicamente na transmissão do conhecimento? Quem manda diz que a escola tem de servir tanto as crianças como o nosso tipo de sociedade. Este tipo é o de uma sociedade de consumo. Para este consumo é necessário o esforço tanto do homem como da mulher (prestação da casa, a 30, 40 ou 50 anos; prestação do carro; viagens; educação competitiva; restaurantes; alimentação, vestuário, etc.). Se 50 por cento das mulheres passassem a ficar em casa para cuidar dos filhos apenas, a economia ressentir-se-ia fortemente. Em vista disso, a escola, que tem uma missão social, ajuda a sociedade e, coerentemente, os pais. Hoje em dia, quando a vida é já muito mais urbana do que rural, a escola mantém-se como centro de aprendizagem mas, em aditamento, transforma-se em depósito de filhos dos pais que trabalham.
Num texto que uma vez aqui coloquei, deixei registado que as minhas aulas da instrução primária eram diárias, mas só da parte da manhã. Apenas excepcionalmente poderíamos ir à tarde (aulas de desenho, se não me engano). No meu 1º ano de liceu, tive aulas privadas e só durante três dias na semana. No 2º ano tive aulas diárias, mas também sempre só numa parte do dia. Na continuação do liceu, tinha geralmente aulas apenas de manhã. Foi assim até ao 7º Ano. Não me recordo, por exemplo, de no D. João de Castro ter tido aulas da parte da tarde. Começava-se cedo, salvo erro às oito ou oito e meia, e ia-se até cerca da 1 hora. Depois, era tempo livre.
A alteração da sociedade está bem espelhada na disposição válida para o 1º ciclo (antiga instrução primária): as escolas têm de manter-se abertas pelo menos até às 17H30 e no mínimo oito horas diárias. Oito horas diárias é o período normal de um horário de trabalho. Aqui entronca também a necessidade de aulas de substituição, a fim de evitar os pontos mortos (como me lembro dos jogos feitos com uma bola-de-trapos comprada à pressa num primeiro andar em frente ao velho Passos Manuel e levada para um terreiro dentro das instalações da escola! Era o nosso aproveitamento da falta do professor, falta que naturalmente abençoávamos.)
Como a estabilidade é considerada um bem, haverá agora cerca de 160 mil docentes do básico e do secundário que vão ficar nos mesmos estabelecimentos de ensino por um período de três anos. Isto significa que quem perdeu o comboio vai poder tirar uma licenciatura-de-Bolonha neste meio-tempo. Os novos licenciados das ESE que entretanto sairão serão igualmente obrigados, na sua maioria, a fazer um compasso de espera.
Correctamente, haverá testes de aferição generalizados a toda a população escolar do 4º ano e do 6º. Só não se entende por que motivo esses testes não contam para efeitos de nota. Contarão para a avaliação dos professores?
A acompanhar a evolução da sociedade, fala-se actualmente em cursos de "educação e formação", o que corresponde, nominalmente, ao education and training anglo-saxónico. Trata-se de cursos de qualificação profissional, que são necessários e há muito vêm sendo recomendados pelo Banco Mundial.
O Ministério está a tentar arrepiar caminho. Não se notam actos de contrição, porém. Corporativamente, os professores ressentem-se. Definitivamente, os tempos não estão para flores.

9/11/2006

De Guimarães a Tavira

Antigamente, quando se queria abarcar todo o Portugal, a frase-chave que englobava o império ultramarino era "do Minho a Timor". Mais reduzidos geograficamente, dizemos hoje "do Minho ao Algarve". O título acima acaba por dar esta mesma ideia. Refere-se concretamente a dois acontecimentos com idêntico ponto fulcral: os atestados médicos e a sua veracidade.
Quando se atesta outra coisa que não o depósito de gasolina de um carro, confirma-se que algo, geralmente escrito, é verdadeiro. De outra forma, por que razão se haveria de assinar (firmar) por baixo?
Ora, entre a pouca vergonha que foi há uns anos a chusma de atestados médicos que permitiriam, na zona de Guimarães, beneficiar estudantes na sua entrada para o ensino superior, e a razão que levou há poucos dias o Presidente da Câmara de Tavira a insurgir-se publicamente contra casos de atestados que dão toda a ideia de serem meros expedientes para isentar do trabalho diversos funcionários, não existe uma diferença substantiva. É a mesma desonestidade dos beneficiários e, digamo-lo eufemisticamente, a mesma distracção de quem assina os atestados. A Ordem dos Médicos pode dizer que os médicos não são polícias, e de facto não o são, mas como cidadãos deveriam andar menos distraídos, sob pena de ficarem desacreditados eles próprios.
Entretanto, saliente-se pela sua frontalidade Macário Correia, o autarca de Tavira acima referido. Segundo a imprensa, Macário afirmou que o que tem acontecido com os funcionários da autarquia e também dos CTT de Tavira ultrapassa tudo o que é razoável e de bom senso ético. Como presidente da Junta Metropolitana do Algarve, insistiu que "a fraudulência instalada é algo com que não se pode pactuar de braços cruzados". Exigiu averiguações e punições adequadas para os prevaricadores. Mostrou, mais uma vez, que não é gago ao dizer que "Não podem uns trabalhar honestamente e outros ganhar o mesmo, nada fazendo, não tendo qualquer doença, apenas usando o expediente de pedir papéis a médicos para com isso gozarem e rirem de quem trabalha."
Como sempre sucede quando há casos graves e importantes, eles envolvem pessoas e o seu comportamento. É, afinal, um conjunto de coisas que confirma que Hobbes foi bem mais realista e certeiro do que Rousseau.

9/08/2006

Incêndios


Quando se fala de incêndios florestais em Portugal, lembro-me frequentemente da história-puzzle de um indivíduo que está numa ilha totalmente coberta de vegetação. A ilha tem escarpas a pique, que apenas dão acesso ao mar num determinado ponto. Declara-se entretanto um grande incêndio no extremo da ilha onde se encontra a zona de acesso ao mar. O fogo foi inadvertidamente causado por um avião. O vento, que sopra sempre na mesma direcção, açoita o fogo e fá-lo progredir para o outro extremo da ilha. Como é que o homem se pode salvar? (De facto, o homem tem uma salvação: pega num ramo de árvore e com ele corre o mais depressa que pode para lançar fogo ao outro extremo da ilha, que, obviamente, começa a arder. O homem aguarda, do lado de cá do fogo, que aquele, atiçado pelo vento, queime toda a vegetação que lá se encontra. Depois, quando mais tarde chega junto a ele o incêndio inicial, já não existe nada para arder e portanto o fogo não alastra àquela parte. É lá que o homem fica à espera que um avião o venha salvar. Dado que algo que já ardeu não volta a arder, o homem tomou a decisão acertada.)
Até 31 de Agosto tinham sido consumidos pelo fogo cerca de 58.000 hectares de floresta, cerca de um quinto da área ardida no mesmo período em 2005. Convenhamos que não é caso para grande admiração, se considerarmos toda a imensidão de matas que arderam o ano passado! Possivelmente, até convirá aos senhores dos incêndios que não arda mais do que 20 a 25 por cento daquilo que foi devastado pelo fogo em 2005. Tem que se racionar esta madeira, um pouco à maneira dos sobreiros de um montado, que não são todos "descascados" no mesmo ano (o proprietário passaria depois nove anos à míngua, sem qualquer rendimento vindo da cortiça). Em Portugal, ainda vai havendo algumas manchas de pinhal para arder, mas devemos ser cerimoniosos na sua devastação pelo fogo. Quanto às plantações de eucaliptos, essas são sagradas. E, confessemos, algumas são ainda tão bebés no local de antigos pinhais, que seria um infanticídio largar-lhes fogo.
Em 2007 haverá mais áreas ardidas, sabiamente localizadas. Se for à semelhança deste ano, haverá também fogos a declararem-se à noite (coisa mais natural não pode haver!) em mais de um terço dos casos. Entretanto, várias das nossas auto-estradas já estão parcialmente bordejadas de eucaliptos.
Continuamos a pensar nas gerações futuras de uma maneira muito sui generis.

9/05/2006

Foto de férias


As fotografias de férias são geralmente tantas que por vezes não sabemos o que lhes havemos de fazer. Então agora, com as máquinas digitais, aumenta o disparo, a foto por-tudo-e-por-nada. Gostaria de deixar aqui registada uma fotografia das que considero mais interessantes destas férias. Os retratados (só um está visível) não são pessoas que eu conheça. Mas passei a conhecê-los, quando na manhã cedia de um dia de Agosto, ao assomar à minha janela que dá para o mar, deparei com uma mãe que caminhava à beira de água empurrando alegremente o carrinho onde levava o seu bebé. Possivelmente, ia cantarolando ou estava enleada no paleio com a criança, daquela forma que só as mães sabem fazer.
Pouco passava das sete e meia, o sol já brilhava mas estava muito longe de irradiar um calor forte. Quando a avistei, disse para mim que seria uma foto interessante. Tinha, no entanto, não só de ir buscar a máquina como também de montar rapidamente a tele-objectiva. Deu tempo para tudo, felizmente, porque a alegre e jovial mãe, depois de ter desaparecido do meu campo de visão, fez meia-volta no seu percurso, dando-me tempo para várias fotos. A certa altura, quando a ondinha chegou, molhando-lhe os pés descalços e as rodas do carrinho, não se perturbou minimamente. Acho que sou capaz de imaginar o prazer daquela jovem mãe, a sua sensação de liberdade, gozada assim a dois, que isso de ter ali um rebento ao pé transmite uma enorme cumplicidade matinal.
Na praia ainda deserta, foi um prazer para mim observar a cena. Partilho-a com gosto.