Já tem sido dito e redito: há quem ensine por gosto e quem ensine por mera necessidade. Geralmente, quem ensina por gosto comunica muito mais. Esforça-se, mas o esforço passa-lhe ao lado. É a sua vida, aquilo de que gosta: transmitir os seus conhecimentos a outros, deixar que os alunos o questionem e o façam avançar no seu prazer de ensinar coisas novas.
Imagine-se agora este professor a não poder ensinar. A razão, no caso verídico que vou contar, não é uma doença grave ou uma arreliadora perna partida. Nem falta de colocação. Não pode ensinar porque não tem alunos. Mas é do quadro. Há outros que não são do quadro e estão a ensinar. Ele não pode. E não pode porque foi este ano colocado através de uma afectação administrativa. Que o afecta, não administrativa mas psiquicamente. Expliquemo-nos melhor:
Como professor do quadro de zona pedagógica, algo que assume a sigla QZP, o referido docente julgava ter adquirido o direito a colocação, com turmas atribuídas, numa instituição do seu quadro. Contudo, tem acontecido que as escolas, pressionadas por directivas emanadas do Ministério, têm colocado menos horários a concurso. As razões são várias, tais como o término das reduções da actividade lectiva, um número menor de alunos e turmas maiores. Como resultado destas medidas, existem centenas de professores em QZP por colocar. O Estado vê-se obrigado a pagar o vencimento a pessoas que não estão a leccionar. Todas as semanas, a Direcção-Geral de Recursos Humanos da Educação apresenta, naquilo que designa por "cíclicas", os horários que ficaram ainda por atribuir, sendo estes na sua maioria temporários. "Neste momento", escreve-me o professor em questão, "tenho ainda uma série de pessoas à minha frente." Prossegue: "Gritarão alguns: Porque te preocupas? Recebes o ordenado na mesma!"
No entanto, neste caso como em tantos outros que conheci ao longo da minha carreira no ensino, não se trata de simples questões monetárias. É de todo o prazer de ensinar que ele se vê privado.
Deixemo-lo narrar a situação: "Estou a cumprir um horário de 35 horas semanais. A lei obriga a escola a fazê-lo, uma vez que não tenho actividade lectiva. Então, se exceptuarmos seis horas que tenho destinadas aos clubes (aqui há verdadeiramente alguma continuação do trabalho do ano anterior), passo 29 horas na escola, disponível para dar aulas de substituição. Há dois tipos de aula de substituição: a substituição programada, em que um professor, sabendo que irá faltar num determinado dia, deixa um plano de aula e um colega seu, do mesmo grupo, vai leccionar em sua vez. Estas substituições funcionam. Depois há as imprevistas. Nestas, quando um docente falta, irá um outro (eu, por exemplo) entreter as crianças durante aquele período. Não há qualquer plano. Fará algum sentido isto?! Esta situação acarreta também outros problemas. Há a questão da progressão e da avaliação: como poderá progredir um professor que não leccionou uma única turma durante o ano lectivo? E como será avaliado? Outro problema é o do estatuto e da imagem. Sinto/vejo os olhares reprovadores dos meus colegas. Trocaria de bom grado as minhas 35 horas de administrativo por 24 de actividade lectiva. Aposto que a maioria considera que eu estou contente com esta situação e que deve ser óptimo não ter turmas. Não é de todo! Espero que tudo se resolva rapidamente. Será pedir muito, um professor do quadro ter uma aulitas para dar? Se estão a pagar, porque não dividem as turmas e aumentam a qualidade do ensino? Esta situação nunca veio referida na comunicação social."
(Como se poderá imaginar, pedi e obtive autorização do professor em questão, apesar de ele não estar minimamente identificado, para colocar este post no blog.)
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