5/31/2005

Do falo ao pau

Tudo começou com o meu acender do esquentador com um fósforo. Segurando na mão a caixa da Fosforeira Portuguesa, li na parte da frente "Grandes" e, em letra mais pequena, "palo largo". O "palo" cheirou-me a castelhano. De facto era. Embora os fósforos fossem produzidos em Espinho, a caixa trazia no verso dizeres em português e em castelhano.
Ocorreram-me de pronto as minhas velhas aulas da Faculdade, onde alguém me ensinou as origens do galaico-português. As substanciais diferenças entre a língua da Galiza / Portugal e a língua de Castela incluem o desaparecimento do -l- e do -n- quando situados entre duas vogais. Esse desaparecimento só ocorreu, porém, nas palavras portuguesas muito usadas (forma popular), Naqueles vocábulos usados apenas por um número mais restrito de pessoas (forma erudita), o -l- e o -n- mantiveram-se. É assim que o -n- de "mano" caiu na forma popular e passou a "mão", mas se manteve na forma erudita ("manipular", "manejar", "manobrar"). Daí que "nuestros hermanos" sejam "os nossos irmãos", mas depois falemos em "irmanar" e "desirmanar", onde o -n- que desapareceu em "irmãos" se manteve. Daqui resulta também que a "luna" castelhana se transformou na "lua" portuguesa, embora uma mais erudita "órbita lunar" seja igual nas duas línguas. São talvez às centenas as palavras deste tipo.
Quanto ao -l-, temos a mesma diferenciação. A "Talavera" castelhana produziu a "Taveira" portuguesa; "calabaça" e "cabaça" são as mesmas palavras. "Malo" também deu "mau" na nossa língua, conquanto "maligno", palavra menos usada, tenha mantido o -l-. E é aqui que chego finalmente ao "palo" castelhano, que não é mais do que o "pau" português.
Linguisticamente, o "p" (de "palo") e o "f" (de "falo") são consoantes intermutáveis (v.g. "piro" deu "fire" em inglês, ou seja, o "p" passou a "f"), pelo que "falo" é apenas a forma erudita do popular "pau". Quod erat demonstrandum.
Usar o fósforo para acender o esquentador às vezes dá jeito para acender outras luzes.

5/22/2005

Injustiça divina

Parece que Sócrates hesita em tomar medidas impopulares com receio das autárquicas. Mesmo depois de Campos e Cunha ter falado da vantagem do "front loading", Sócrates teme vir a passar à História como "O Engolidor de Promessas". Caramba, o homem é político e não economista!
Estranha-se, entretanto, que toda esta dramática situação ocorra num país tão abençoado pelo Espírito Santo, como o atestam as notícias oriundas da Judiciária.

Masoch ou hipokrytés?

Até parece que estamos no país de Masoch! "Saiam as medidas duras, já!!" No meio da vozearia, paramos para identificar quem fala. São, afinal, os interessados na descredibilização do governo, para que sejam eles a
colher trunfos para as próximas autárquicas. Do país e do povo estão-se verdadeiramente marimbando.
Esta procissão não é a da Senhora da Saúde, mas sai à rua com a mesma regularidade.

A catarse

Perante o silêncio governamental, os média procuram junto de ex-ministros das Finanças e outros VIP da política opiniões sobre as medidas urgentes de que o país carece. Desses socorristas vêm sugestões fortes e feias. Para eles, falar é tão fácil como para mim escrever estas linhas. Lançam meras tiradas de socorristas de ocasião. De responsabilização nula, as propostas sempre têm um efeito catártico para os seus autores.

Humor Platónico

Com tanta falta de acção real por parte do governo, os portugueses já se questionam se não houve uma inadvertida troca do anunciado Sócrates por Platão.

Ganda Nóia

Da nórdica Finlândia, Marques Mentes recebeu o modelo Nokia mais miniaturizado, modelo que só será lançado no mercado em 2006. Foi a homenagem singela da firma finlandesa a alguém que conseguiu tornar-se popular à custa do nome foneticamente mais parecido com o da marca Nokia. O pequeno aparelho veio carregado com ? 1.000 de chamadas e equipado com um dispositivo ultra-moderno que elimina qualquer possibilidade de gravação de mensagens por parte da Judiciária.

Interpretação sui generis

O facto de os documentos originais da União Europeia serem redigidos noutros idiomas que não o português pode ter causado um claro mal-entendido governamental na interpretação do PEC - Pacto de Estabilidade e Crescimento. De facto, o Governo tem-se limitado a não fazer ondas, i.e. a respeitar a estabilidade, enquanto placidamente observa o crescimento do défice das contas públicas e da taxa de desemprego.

5/19/2005

Dói muito!

Coitados dos sportinguistas, que não sonhavam ir sofrer tanto em tão poucos dias.(Assina um sportinguista, que sabe do que fala.)

5/17/2005

Quanto mais juras...

Quando me lembro do "Juro, por minha honra, que desempenharei com lealdade as funções que me são confiadas" dos políticos na sua tomada de posse e coloco essa sessão em confronto com o comportamento posterior de muitos, ocorre-me, por efeito contrapontal, a candura do Menino num outro Belém mais longínquo. Este nosso Belém acaba por legitimar despudorados descaramentos e o poder de fazer virar interesseiramente o bem público noutras direcções, o que é exactamente o oposto do juramento feito pelos empossados.

Choque tecnológico

O choque entre diferentes meios de comunicação, com as suas características específicas, é algo evidente. Por exemplo, a imprensa esmiúça os assuntos através de desenvolvidas reportagens, com longos textos e quadros de números que não serviriam bem a rádio. Isto serve apenas para lembrar que seria ridículo que um relator desportivo da TV descrevesse um jogo à maneira da rádio, como se nós não estivéssemos a ver tudo em directo.
Contudo, há algo igualmente ridículo que ocorre praticamente todos os dias em resultado do choque entre dois meios de captar imagens: (1) a câmara fotográfica e (2) a câmara de vídeo/filme. Imagine-se uma conferência de alto nível. No final, surgem aqueles longuíssimos apertos de mão para as câmaras, com o inevitável sorriso afivelado nos lábios dos intervenientes que se cumprimentam durante uns 15 ou 20 segundos, abanando vigorosamente braços e mãos e olhando sempre para as câmaras. Um aperto de mão normal não demora mais do que dois ou três segundos! Mas ali, o problema é que, embora as câmaras de vídeo já tenham apanhado a cena, ainda há fotógrafos que não dispararam. Portanto a cena prolonga-se. Ora, na TV, bem que poderiam mostrar a cena apenas durante os primeiros dois ou três segundos --, evitando assim que as pessoas em questão se expusessem ao ridículo!

5/15/2005

Previsão incompleta

Quando, no verão passado, Sampaio decidiu que a coligação PSD/CDS continuasse a governar, escrevi neste blog que tinham sido publicados múltiplos comentários à decisão do Presidente. E acrescentei: "A direita tem escrito muito pouco. É natural. Enquanto esfrega as mãos, uma pessoa tem real dificuldade em empunhar uma caneta." Lamento ter-me esquecido de que se pode deferir determinados requerimentos e esfregar as mãos logo a seguir.

"Meu pé de jacarandá"

Ao passar hoje de manhã cedo pela Miguel Bombarda, alguns jacarandás em flor fizeram-me recordar a tristeza da Ariadne há uns tempos atrás. Ora, cá estão os jacarandás, belos como sempre, e também pontuais. Prometem e cumprem.

5/14/2005

Matriz de Acontecimentos (14 Maio 2005)


Download do ficheiro das Sugestôes (14 Maio 2005)

5/12/2005

Turismo e Ambiente

Telmo Correia, ex-Ministro do Turismo, declarou publicamente que se lhe apresentassem a mesma documentação sobre a empresa Portucale às 19:59 -- entenda-se "um minuto antes da notícia entretanto transmitida pelos telejornais" --, que a assinaria de boa fé. O desenvolvimento turístico é o que lhe interessa. E a legalidade. Esta parece-me ser a típica linguagem do Newspeak, que nos diz que "pragmatismo" é a palavra a usar para acções potencialmente lucrativas que releguem princípios éticos para segundo plano. O que é que o ambiente tem a ver com o turismo? O que é que a legislação tem a ver com o abate de sobreiros? Ter a cobertura do Espírito Santo é decerto mais importante.

Salada russa

Numa recente reunião de grandes, Putin declarou-se a favor de uma aliança contra o terrorismo. As boas lições aprendem-se. Interessado em encontrar um meio externo para impor determinadas medidas restritivas no seu próprio país, que melhor aliado poderia encontrar que essa figura de contornos difusos? Bush estava ao pé dele. O Patriotic Act americano é uma cartilha para os amantes do poder.

Castração política?

Na passada semana, quando foram eleitos no Reino Unido para um terceiro mandato consecutivo, Blair e o seu partido lograram alcançar de novo uma maioria absoluta. A soma dos deputados dos partidos da oposição ficou a mais de sessenta parlamentares de distância do total trabalhista. Dado que, no mandato anterior, a distância entre os dois conjuntos tinha sido bastante superior, Blair não só considerou os resultados um sério aviso do eleitorado como admitiu ser mais difícil fazer passar determinadas medidas. Pessoalmente, gostei de ver esta reacção de Blair, mas estranhei que imprensa portuguesa não a comentasse, comparando-a com a democracia à portuguesa. Não vi questionada qual a razão do temor de Blair. No nosso país, esta seria uma pergunta com toda a razão de ser.
De facto, não é verdade que um partido que obtivesse em Portugal uma maioria de dez ou vinte deputados relativamente à oposição embandeiraria imediatamente em arco? O problema é que, salvo melhor opinião, a nossa democracia é subentendida como uma ditadura partidária, algo que a cultura inglesa não permite. No nosso país, o partido vencedor impõe a sua política aos seus deputados, e ai de quem não votar com o partido! Chega a dizer-se, com todo o desplante, que, no caso X, o partido concede liberdade de voto aos seus deputados. Então, isso é coisa que se conceda? Esse é um posicionamento que necessariamente implica que em todos os outros casos os priva dessa mesma liberdade. Por outras palavras: mesmo que não concorde com determinada proposta, um deputado tem que levantar a mãozinha ou carregar no botão a dizer que sim, capado em absoluto de expressão do pensamento próprio.
É esta forma de entender a democracia que me impressiona negativamente. Será que os deputados, que em princípio constituem "a nata da Nação", não passam de pura carneirada que obedece ao chefe, sob pena de expulsão do partido (e de perca das suas regalias como membros da Assembleia da República)? Nunca compreenderei esta democracia, que priva o homem da liberdade que lhe deveria ser inerente.
É óbvio que em Inglaterra as coisas não se passam assim. Há opiniões dissidentes, o que, aliás, só fortalece as ideias do grupo. Isto leva a que Blair receie não poder conseguir ver todos os seus projectos aprovados. Haverá parlamentares do seu partido a votarem contra ou a absterem-se. Os deputados respeitam mais o seu respeito pelos círculos que os elegeram.
É saudável que se tolerem opiniões críticas dentro do mesmo partido. A sociedade do país deve estar à frente dos meros interesses partidários. Todo o unanimismo soa a falso. A falta de consideração que se nota pelos políticos parlamentares portugueses também entronca aqui.

5/09/2005

A relatividade das coisas

O conhecido ditado "Quem espera, desespera" expressa bem a exasperação de todo aquele que é forçado a perder minutos ou horas do seu tempo aguardando que alguém chegue ou algo aconteça. Devíamos, no entanto, aprender por nós próprios a condicionar esse sentimento, nomeadamente naqueles casos em que não é a falta de respeito de alguém por nós que nos faz esperar.
Vejamos simples coisas do dia-a-dia. Você põe um prato no micro-ondas para aquecer durante cinco minutos. Vai ter que aguardar esses c-i-n-c-o minutos, claro, que lhe vão parecer uma eternidade -- se ficar especado em frente ao forno. Olhe entretanto para o lava-loiça ali perto. Encontrará decerto uns tantos pratos ou talheres para lavar. Rapidamente, ponha-se a lavá-los -- em competição com o micro-ondas. Vai ver que este começa a andar mais depressa. E quando ele emitir um sinal a dizer-lhe que já passaram os cinco minutos marcados, você já terá conseguido passar por água, ou mesmo lavar completamente, o que tinha ali. Ganhou de duas formas: 1. Não se aborreceu por ter de esperar: pelo contrário, ficou até interessado em entrar na compita. 2. Ficou com a louça lavada.
Que é muito diferente a noção temporal de quem faz esperar e de quem espera espelha-se naquela situação que todos nós já vivemos de ter que aguardar que alguém saia da única casa de banho existente num determinado local. Estar do lado de fora ou do lado de dentro daquela porta é condição necessária e suficiente para sentirmos o passar do tempo de maneira bem diversa!
Esperar por transportes é também algo que pode desesperar. Experimente levar sempre consigo um jornal ou uma revista. As notícias que irá lendo "transportam-no" literalmente para um mundo diferente, que o faz pensar noutras coisas e não no maldito autocarro ou metro que nunca mais chega.
A questão reside exactamente aí: "estamos não onde temos os pés, mas sim onde a nossa cabeça está." Se alguém ou alguma coisa conseguir distrair-nos (do lat. "distrahere", que significa "separar", "retirar") do objecto ou pessoa que nos exaspera, a batalha está ganha.
O caso mais interessante que conheço nesta mesma óptica é o de um hotel de S. Francisco, Califórnia, que possuía todos os ingredientes para receber um número maior de clientes mas que a existência de dois elevadores, irritantemente lentos para o lufa-lufa americano, fazia com que apenas os dois primeiros andares estivessem permanentemente cheios. Contratado para gerir o hotel, o ex-aluno mais brilhante da faculdade de hotelaria local investigou primeiro qual o custo de comprar dois elevadores novos. O custo era tão elevado que desistiu imediatamente da ideia: os accionistas não lhe perdoariam aquele investimento. Após matutar no assunto, arquitectou uma solução bem mais económica: mandou forrar as partes exteriores e interiores dos elevadores com espelhos. Para além de o aspecto dos elevadores ter melhorado muito, a mudança condicionou o comportamento dos hóspedes. Tanto enquanto esperavam do lado de fora, como depois já dentro dos elevadores, os clientes iam mirando-se ao espelho, retocando-se, levando os seus pensamentos para outros locais. A relativa lentidão dos elevadores desapareceu.
Nem todas as soluções são lineares, nem um bom conhecimento da natureza humana deixa de ser uma mais-valia!

5/04/2005

Problemas à vista no acesso ao ensino superior

Pelo menos desde o início dos anos 90 que se fala na necessidade de maior exigência no acesso ao ensino superior. Grupos de pressão (ensino superior privado e politécnicos públicos), aos quais se alia o receio de consequências políticas por parte de sucessivos governos, têm mantido a situação até esta data. Como as instituições de ensino carecem de alunos para sobreviverem, é compreensível que tenham criado subterfúgios para facilitarem a admissão de estudantes. Por exemplo, houve estabelecimentos que alargaram o seu leque de provas de ingresso para além de limites razoáveis. Também as notas de candidatura -- resultantes da média entre as classificações do secundário e as das provas de ingresso -- sofreram alguma inflexão importante quando muitas escolas do ensino privado decidiram atribuir um peso de 65 por cento às classificações do ensino secundário e apenas 35 por cento às notas obtidas nas provas de ingresso. Como as segundas só muito excepcionalmente eram superiores às primeiras, daí resultou um aumento do nível das notas de candidatura. Muitas das escolas politécnicas passaram depois a utilizar igualmente este sistema. Além disso, foi criado um percentil, graças ao qual acabaram por entrar muitos alunos que à primeira vista não deveriam entrar. E o sistema tem funcionado desta forma.
Entretanto, para os alunos do 12º Ano que acedem ao ensino superior em 2005/2006, vai existir uma diferença substancial: quem não obtiver um mínimo de 95 pontos (num máximo de 200) nas provas de ingresso vai ficar à porta. E vai ficar mesmo muita gente à porta! Agora os grupos de pressão são outros: o das ordens profissionais e o próprio Estado, que tem necessidade de redução de custos. Ambos vão falar em aumento de qualidade.
O Presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos afirmou que "com o novo sistema, um aluno com média de 18 valores no secundário, mas que tenha 94 pontos na prova de ingresso, fica excluído; e um com 10 de média no secundário, mas 95 na prova, entra." Ele não deixa de ter razão, mas está apenas a defender a dama da admissão e não a qualidade dos alunos. Devo dizer, em primeiro lugar, que nos vários estudos que fiz sobre alunos provindos do secundário encontrei notas de 2, 3 e 4 valores nas provas de ingresso entre alunos que entraram. O mais interessante, contudo, é que esses estudos mostram que a esmagadora maioria dos alunos que conseguem bons resultados no curso superior já foram bons alunos no secundário. Mesmo eventuais notas de 7 ou 8 nas provas de ingresso são recuperadas por muitos desses alunos durante o 1º Ano. Portanto, a alteração para 65% e 35% acima referida, apesar de ter sido um artifício para melhorar os números da admissão, não se mostra pedagogicamente incorrecta.
Entretanto, prevejo para o próximo futuro reacções semelhantes às da invasão dos têxteis chineses: pedidos urgentes de medidas de salvaguarda!

Consequências principais da entrada em vigor do 95/200 como mínimo

- Estudo mais aturado por parte dos alunos candidatos ao ensino superior.
- Incremento acentuado de "explicações particulares" nas disciplinas mais difíceis.
- Manutenção do status quo nas universidades.
- Substancial redução do número de alunos que ingressam no 1º Ano de alguns dos cursos dos institutos politécnicos, com especial incidência nos localizados fora de Lisboa, Porto, Coimbra e Aveiro.
- Redução do número de alunos do ensino superior privado, embora possa haver numerosos casos de alunos destinados ao público que se inscrevam num curso privado por terem nota suficiente nalguma disciplina de ingresso.
- Redução do número de docentes necessários em alguns dos cursos dos institutos politécnicos e do ensino superior privado, com possível deterioração de relações e ambientes de trabalho nas respectivas instituições.
- Menores encargos do Estado no financiamento de escolas públicas do ensino superior, devido a menor número tanto de discentes como de docentes.
- Relativo aumento da qualidade dos primeiros anos de vários cursos do ensino politécnico e ensino superior privado.
- Deterioração do relacionamento inter-graus de educação. O secundário vai ser pressionado (pelo superior e pelos encarregados da educação) a melhorar a preparação dos seus alunos.

5/01/2005

From Mexico with love

Num pequeno texto aqui colocado recentemente ("Globalização frutífera"), falei do México a propósito de curiosidades linguísticas ligadas a frutos. Se me permitem, volto ao México, não para vos dar conta de uma das mais enriquecedoras viagens que já fiz, mas apenas para referir uns apontamentos linguísticos relacionados com o México, porventura interessantes.
O idioma oficial do México é, como se sabe, o espanhol, mas existem mais de 50 línguas índias diferentes. Uma das mais importantes é o nahuatl, a língua azteca, falada ainda hoje por cerca de milhão e meio de pessoas. Desta língua, que tem vários vocábulos terminados em "-at", chegou até nós algo de que geralmente gostamos muito: o "chocolat". Existe, no entanto, uma pequena diferença entre o chocolate azteca original e o nosso. O deles é feito com água e adoçado com mel. É que os aztecas não tinham vacas! Entretanto, a par do chocolate, chegou até nós o "tomate", e ainda o "chili", que é saborosamente picante.
Três outras palavras mexicanas com histórias diferentes são "chicle", "mariachi" e "gringo". O chicle é uma substância extraída do látex da sapodilla, uma árvore abundante na península do Yucatán, no sul do México. É o "chicle" que constitui o ingrediente básico das pastilhas elásticas, daí a razão do nome "chiclets". Resta acrescentar que o Yucatán produz praticamente todo o chicle do mundo.
Os "mariachi", de que todos conhecemos uma boa série de músicas tradicionais, são originários da zona de Guadalajara. As suas vozes, trompetes e violinos levam as suas baladas a festas populares, a cafés da cidade do México com música ao vivo, e a casamentos. Foram crismados pela corte do arquiduque Maximiliano da Áustria, imperador que foi colocado no trono do México em 1864 por imposição de Napoleão III de França. Com a linguagem da corte a ser muito raffinée, francesa, esses agrupamentos musicais especializaram-se em casamentos -- os "mariages" --, de onde surgiu a corruptela "mariachi".
"Gringo" tem uma história tão saborosa e picante como o chili. Qualquer dicionário informará que o termo "gringo" pode ser ofensivo. É "por vezes usado por habitantes da América Latina para se referirem a estrangeiros, especialmente dos Estados Unidos". De facto, a sua origem é mexicana. Provém designadamente da zona sul, de Chiapas, sobre a qual o Subcomandante Marcos exerce hoje um certo domínio político, a lembrar os velhos tempos de Zapata e Pancho Villa. O termo "gringo" foi cunhado nos princípios do século XX. Nesses tempos, quando os ricos latifundiários americanos, compradores de largas porções de férteis terras do sul do país, se viram incomodados por camponeses que viviam em situação lamentável e se revoltavam, tiveram que recrutar seguranças pessoais, que vieram dos Estados Unidos fortemente armados e com os seus camuflados verdes. É evidente que, contra estes homens bem equipados, a população indefesa mais não podia fazer do que invectivá-los e mandá-los embora. Dada a cor das suas fardas, os seguranças receberam o nome de "green", a que se juntou o "go!", para que eles entendessem que não eram desejados. "Green go!" produziu "gringo".
Do México haveria tanto para dizer! E coisas tão ricas! Para terminar, ainda com o fundo musical da mais célebre canção mexicana -- "Cielito lindo" --, apenas a recordação da memorável frase de um antigo Presidente mexicano, Porfírio Diaz: "Pobre México, tão longe do céu, tão perto dos Estados Unidos!"