Pelo menos desde o início dos anos 90 que se fala na necessidade de maior exigência no acesso ao ensino superior. Grupos de pressão (ensino superior privado e politécnicos públicos), aos quais se alia o receio de consequências políticas por parte de sucessivos governos, têm mantido a situação até esta data. Como as instituições de ensino carecem de alunos para sobreviverem, é compreensível que tenham criado subterfúgios para facilitarem a admissão de estudantes. Por exemplo, houve estabelecimentos que alargaram o seu leque de provas de ingresso para além de limites razoáveis. Também as notas de candidatura -- resultantes da média entre as classificações do secundário e as das provas de ingresso -- sofreram alguma inflexão importante quando muitas escolas do ensino privado decidiram atribuir um peso de 65 por cento às classificações do ensino secundário e apenas 35 por cento às notas obtidas nas provas de ingresso. Como as segundas só muito excepcionalmente eram superiores às primeiras, daí resultou um aumento do nível das notas de candidatura. Muitas das escolas politécnicas passaram depois a utilizar igualmente este sistema. Além disso, foi criado um percentil, graças ao qual acabaram por entrar muitos alunos que à primeira vista não deveriam entrar. E o sistema tem funcionado desta forma.
Entretanto, para os alunos do 12º Ano que acedem ao ensino superior em 2005/2006, vai existir uma diferença substancial: quem não obtiver um mínimo de 95 pontos (num máximo de 200) nas provas de ingresso vai ficar à porta. E vai ficar mesmo muita gente à porta! Agora os grupos de pressão são outros: o das ordens profissionais e o próprio Estado, que tem necessidade de redução de custos. Ambos vão falar em aumento de qualidade.
O Presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos afirmou que "com o novo sistema, um aluno com média de 18 valores no secundário, mas que tenha 94 pontos na prova de ingresso, fica excluído; e um com 10 de média no secundário, mas 95 na prova, entra." Ele não deixa de ter razão, mas está apenas a defender a dama da admissão e não a qualidade dos alunos. Devo dizer, em primeiro lugar, que nos vários estudos que fiz sobre alunos provindos do secundário encontrei notas de 2, 3 e 4 valores nas provas de ingresso entre alunos que entraram. O mais interessante, contudo, é que esses estudos mostram que a esmagadora maioria dos alunos que conseguem bons resultados no curso superior já foram bons alunos no secundário. Mesmo eventuais notas de 7 ou 8 nas provas de ingresso são recuperadas por muitos desses alunos durante o 1º Ano. Portanto, a alteração para 65% e 35% acima referida, apesar de ter sido um artifício para melhorar os números da admissão, não se mostra pedagogicamente incorrecta.
Entretanto, prevejo para o próximo futuro reacções semelhantes às da invasão dos têxteis chineses: pedidos urgentes de medidas de salvaguarda!
Consequências principais da entrada em vigor do 95/200 como mínimo
- Estudo mais aturado por parte dos alunos candidatos ao ensino superior.
- Incremento acentuado de "explicações particulares" nas disciplinas mais difíceis.
- Manutenção do status quo nas universidades.
- Substancial redução do número de alunos que ingressam no 1º Ano de alguns dos cursos dos institutos politécnicos, com especial incidência nos localizados fora de Lisboa, Porto, Coimbra e Aveiro.
- Redução do número de alunos do ensino superior privado, embora possa haver numerosos casos de alunos destinados ao público que se inscrevam num curso privado por terem nota suficiente nalguma disciplina de ingresso.
- Redução do número de docentes necessários em alguns dos cursos dos institutos politécnicos e do ensino superior privado, com possível deterioração de relações e ambientes de trabalho nas respectivas instituições.
- Menores encargos do Estado no financiamento de escolas públicas do ensino superior, devido a menor número tanto de discentes como de docentes.
- Relativo aumento da qualidade dos primeiros anos de vários cursos do ensino politécnico e ensino superior privado.
- Deterioração do relacionamento inter-graus de educação. O secundário vai ser pressionado (pelo superior e pelos encarregados da educação) a melhorar a preparação dos seus alunos.
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