Tudo começou com o meu acender do esquentador com um fósforo. Segurando na mão a caixa da Fosforeira Portuguesa, li na parte da frente "Grandes" e, em letra mais pequena, "palo largo". O "palo" cheirou-me a castelhano. De facto era. Embora os fósforos fossem produzidos em Espinho, a caixa trazia no verso dizeres em português e em castelhano.
Ocorreram-me de pronto as minhas velhas aulas da Faculdade, onde alguém me ensinou as origens do galaico-português. As substanciais diferenças entre a língua da Galiza / Portugal e a língua de Castela incluem o desaparecimento do -l- e do -n- quando situados entre duas vogais. Esse desaparecimento só ocorreu, porém, nas palavras portuguesas muito usadas (forma popular), Naqueles vocábulos usados apenas por um número mais restrito de pessoas (forma erudita), o -l- e o -n- mantiveram-se. É assim que o -n- de "mano" caiu na forma popular e passou a "mão", mas se manteve na forma erudita ("manipular", "manejar", "manobrar"). Daí que "nuestros hermanos" sejam "os nossos irmãos", mas depois falemos em "irmanar" e "desirmanar", onde o -n- que desapareceu em "irmãos" se manteve. Daqui resulta também que a "luna" castelhana se transformou na "lua" portuguesa, embora uma mais erudita "órbita lunar" seja igual nas duas línguas. São talvez às centenas as palavras deste tipo.
Quanto ao -l-, temos a mesma diferenciação. A "Talavera" castelhana produziu a "Taveira" portuguesa; "calabaça" e "cabaça" são as mesmas palavras. "Malo" também deu "mau" na nossa língua, conquanto "maligno", palavra menos usada, tenha mantido o -l-. E é aqui que chego finalmente ao "palo" castelhano, que não é mais do que o "pau" português.
Linguisticamente, o "p" (de "palo") e o "f" (de "falo") são consoantes intermutáveis (v.g. "piro" deu "fire" em inglês, ou seja, o "p" passou a "f"), pelo que "falo" é apenas a forma erudita do popular "pau". Quod erat demonstrandum.
Usar o fósforo para acender o esquentador às vezes dá jeito para acender outras luzes.
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