Creio que a vitória do "não", no referendo francês sobre o projecto da "Constituição" Europeia, veio mostrar à evidência pelo menos três coisas: 1. Não é indiferente efectuar as votações directamente pelo povo ou, indirectamente, através dos deputados eleitos. 2. Na União Europeia, em razão da centenar cultura da maioria dos Estados, o sentimento nacional prevalece em muitos casos relativamente ao sentimento europeu. 3. A política neo-liberal pode interessar aos detentores do poder, mas desagrada a grande parte da população.
Analisemos muito brevemente estes três aspectos. Quanto ao modo de votação, o que foi seguido em França foi não só o mais democrático como também aquele que envolve um maior número de riscos. No Parlamento francês, o projecto teria muito provavelmente passado, tal como passou na Alemanha. Também em Espanha houve um referendo, mas com fraca participação. Em França, a mobilização foi quase geral: cerca de 80 por cento dos eleitores votaram, o que certamente constitui um recorde em questões europeias.
No que diz respeito ao binómio nação / União Europeia, já há muito que sabemos que a União pode ter objectivos económicos comuns, mas não possui uma alma que a enforme. Esta alma está nos Estados. Basta ver os despiques desportivos entre franceses e ingleses, portugueses e espanhóis, holandeses e alemães, e aí por diante, para vermos onde está a dita alma europeia. Entretanto, esta pode revelar-se na oposição aos Estados Unidos ou à China, mas em questões internas ela é submergida pelas várias almas nacionais.
No que toca ao terceiro ponto, nada pode ferir mais um nacional do que ver-se sem emprego no seu próprio país, enquanto estrangeiros ocupam eventuais postos de trabalho. Imaginar que no futuro a situação pode ainda agravar-se mais complica a questão. A célebre directiva Bolkestein, abordada neste blog mais do que uma vez, e a ideologia neo-liberal que lhe está subjacente, não podem deixar de irritar cidadãos de um país onde a taxa de desemprego atinge neste momento dez em cada cem activos.
Dizer, no final, que a votação foi contra o governo é só dizer uma meia-verdade. A outra metade reside no facto de a ideologia do projecto europeu, já sentida em França, apontar mais para um desenvolvimento económico a qualquer preço, despojando as pessoas de um bem-estar que elas sentem estar-lhes a fugir, do que para a desejada segurança social. Uma vez que lhes foi dada a possibilidade de se expressarem, os cidadãos franceses manifestaram-se sem margem para dúvidas pela rejeição do projecto -- apesar de toda a intensa campanha pelo "sim". Remar contra a maré foi o que a França conscientemente fez. Resta saber se fez bem. Essa é uma história para um outro blogpost.
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