Uma notícia positiva é que este ano se estão a realizar, contando embora apenas em 25 por cento para a nota do 3º período, exames do 9º Ano de Matemática e Português. Exames no 9º Ano são inéditos.
Pessoas da minha geração e da que se seguiu à minha tinham que superar vários exames nacionais no seu processo de aprendizagem. Era algo normal. Havia exames de admissão aos liceus após a então chamada instrução primária, exames no 2º ano do liceu, três anos depois no 5º e dois anos depois no 7º. A finalizar, havia exames de admissão à universidade. Para a presente geração, que não tem exames, esta panorâmica do passado deve parecer diabólica. Tantas provas para quê? A resposta é simples: para que os conhecimentos dos alunos sejam testados; para que só passem para o estádio seguinte aqueles que mostrem ter conhecimentos suficientes; para que existam testes de controlo de qualidade, importantes para instituições e para os respectivos corpos discente e docente.
Há umas décadas foi considerado em Portugal que os exames constituíam uma prática injusta, que causava um stress escusado aos jovens. Como se poderia julgar em hora e meia o esforço de um, dois ou três anos inteiros? Assim, foram abolidas todas as provas feitas à escala nacional, iguais para todas as partes do país, corrigidas por professores que não conhecem os alunos. Só no final do 12º Ano é que os alunos têm realizado provas nacionais, que servem também para ingresso no ensino superior. Por outras palavras: não tem havido nenhum crivo externo às escolas durante os 11 primeiros anos de escolaridade. O contraste entre esta situação e a do passado é por de mais marcante.
Quando resultados de comparações internacionais surgem como negativos para Portugal, começa finalmente a verificar-se que o sistema não funciona. Não sendo naturalmente correcto ajuizar todos os casos por igual -- e fazemos justiça a todas as boas escolas que ainda existem --, tentemos entender por que motivo há tantos alunos a chegarem mal preparados ao ensino superior. Figuremos uma imaginária escola de ensino básico, até ao 9º Ano. Sabendo que não existe nenhuma prova nacional que controle o esforço quer de alunos, quer de professores, existe uma tendência real para uma certa contemporização por parte dos docentes, face a alunos que se mostram algo desmotivados. E porque se mostram desmotivados muitos dos alunos? Por um lado, possivelmente por falta de qualidade da docência, que não consegue tornar alguns assuntos apelativos; por outro, porque a não-definição de objectivos reais para os alunos e também a ausência de verdadeiros constrangimentos são tendentes a não levar os alunos a darem o seu máximo. Algo de semelhante se passa com os professores. Na sua humanitária tentativa de recuperarem alunos mais atrasados, não logram terminar os programas respectivos. É muito frequente que alguns capítulos fiquem de fora. Com exames nacionais, contudo, esse tempo passaria a existir, embora se admita que só os melhores alunos pudessem acompanhar o passo. Assim, as provas realizadas na escola versam apenas a matéria efectivamente leccionada. O que é justo e leal para com os alunos, mas pode ser considerado injusto e desleal à escala da nação. Depois, as notas obtidas tendem a ser generosas. Infelizmente, porém, não correspondem aos requisitos nacionais. Corporativamente, dentro da escola, os docentes defendem-se a si próprios, admitamos que com boas intenções na medida em que estão a defender os seus alunos. Contudo, impõe-se aqui uma pergunta: um professor deve lealdade primeiro que tudo aos seus alunos ou à sociedade do país? De tolerância em tolerância, de programa não cumprido na íntegra à repescagem no ano seguinte da matéria não abordada e à consequente impossibilidade de tratar toda a matéria do ano em questão, o que resulta? Alunos preparados deficientemente, controlados apenas a nível interno e não externamente. Será correcto que sejam sempre os professores a avaliarem o seu próprio trabalho e a darem nota de passagem aos seus alunos nos primeiros 11 anos de escolaridade? Onde existe o controlo que garanta que as classificações estão sensivelmente correctas? Creio que esta ausência de controlo efectivo tem sido um dos maiores factores de agravamento dos resultados. E tem criado o ensino light. Os exames em si nada ensinam, mas a sua existência é um enorme factor dissuasor de ensino facilitado. Aumentam o nível de exigência sobre alunos e docentes. Ajudam a elevar o nível de conhecimentos e definem um objectivo determinado. Fomentam a importantíssima noção do dever. É claro que a educação fundamental continua a ser a das aulas, na transmissão de conhecimentos, na formação da personalidade e do espírito crítico dos alunos. Não é isso que se espera dos exames. Mas estes fomentam a noção de responsabilidade, e é também para isso que a escola serve.
Em entrevistas dadas aos jornais, professores do actual 9º Ano das disciplinas de Português e de Matemática revelam que o facto de terem sido criados estes exames alterou a sua forma de dar as aulas, acrescentando-lhes preocupações que até ao momento não tinham tido. Uma dessas preocupações foi a de cumprirem integralmente o programa. A segunda foi o saberem que o controle efectivo da sua acção ia ser feito não apenas dentro dos muros da escola mas também pela comunidade externa. Creio que, apesar de tímido, foi dado um passo importante. Aos que vierem lembrar que em países escandinavos não há exames, bastará perguntar se a sociedade escandinava é comparável à portuguesa em termos de responsabilização e de honestidade interiorizada. Com o avançar de exames nacionais para todas as disciplinas do 9º Ano e a criação de pelo menos mais um controle efectivo, a educação começará finalmente a ter maior eficácia e a aproximar-se mais do mundo que espera os alunos. Como lembrava Savater, "as crianças são educadas para serem adultas, não para continuarem a ser crianças." E "o melhor efeito de uma boa educação é o despertar o apetite por mais educação."
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