6/17/2005
Formigas sem carreiro
Os choques terapêuticos são, com relativa frequência, aplicados a doentes que precisam de recuperar de maleita mais ou menos grave. Do choque vitamínico ao mais contestado choque eléctrico vai toda uma gama de choques administrados segundo as circunstâncias. Como todos sabemos, os nossos governantes fizeram a analogia de Portugal com um país doente, do que têm advindo vários choques, do fiscal ao tecnológico. Em tempos, Ariadne disse, irónica e certeiramente neste blog, que se sentia chocada com toda a situação. Não é para menos. Fala-se muito ultimamente do desnorte da União Europeia, que leva ao notório desconcerto a que se assiste. E em Portugal? Mais do que desnorte, com todas as aplicações terapêuticas que têm sido prometidas e nem sempre concretizadas, sentimo-nos de facto sem rei nem roque. O país está em estado de choque. Qual é o nosso desígnio? Existe uma força nacional latente que ainda vibra activamente com a selecção de futebol. Existe uma enorme força saudosista que pude testemunhar in loco aquando do cortejo fúnebre de Álvaro Cunhal. Mas muito do resto é desânimo. As formigas não encontram o carreiro certo. Abrem-se-nos os olhos de espanto perante as mordomias dos políticos, homens e mulheres novos, activos em cargos públicos e já a receberem vultosas pensões de reforma. Temos notícia confirmada da situação privilegiada de variadíssimas profissões. Sabemos que autarcas vêem cada ano do seu abnegado serviço a contar a dobrar para a reforma, exactamente como tantos portugueses que estiveram em zonas de combate -- e só nessas! -- na guerra colonial. Dentro do mesmo espaço, um país a explorar legalmente o outro! A má nova do arrastão em Carcavelos impressiona, tanto mais que a polícia relata factos semelhantes já ocorridos em anos anteriores. O país não compra preferencialmente o que é nacional, não se orgulha do que é português, há muito que não tem uma estratégia interna e externa. Anda a reboque das circunstâncias. Vamos para onde? Curiosamente, é um indivíduo riquíssimo e, naturalmente, de direita, que deixa ao país um legado de solidariedade através da louvável criação de uma Fundação. É uma boa notícia no meio de uma descrença avassaladora. O patético simbolismo das vozes que, há dias, num cemitério de Lisboa cantaram com o mesmo élan a ultrapassada Internacional e o hino nacional português dá que pensar.
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