6/30/2005

Matriz de Acontecimentos (30 Janeiro 2005)

As perspectivas para Julho são fraquinhas, vêm aí as férias (incluindo dassugestões) e em muitas galerias já temos as tradicionais colectivas, quenão passam de uma caldeirada de sobras.

Decorre até dia 3, das 17h (13h ao Sáb. e Dom.) às 24, na FIL, a Feira Internacional de Artesanato.

Atenção já estão disponíveis as programações para a próxima temporada de S. Carlos e da Gulbenkian.

Se não está a fazer a colecção de CD?s de Jazz do Público, sugiro que equacione a compra do exemplar desta semana. Se está, não vai interromper hoje?

Decorre, de 4 a 18 de Julho, o Festival de Teatro de Almada.

Quinta-feira, dia 30:
às 19h00, no Instituto Alemão, «Jazz im Goethe-Garten» Lufthansa-Jazzband (convites pelo 218824510);

pelas 21h00, no Café Nicola, «As Vozes Femininas no Nicole» Joana Machado.

Sexta-feira, dia 1:
às 19h00, no CCB, «sete às nove» Lufthansa-Jazzband.

às 21h30, no Parque Palmela, XXIV Estoril Jazz: Quarteto de Von Freeman.

às 22h30, na 2:, documentário relativo a Henri Cartier Bresson (início de um ciclo dedicado a grandes fotógrafos).

Sábado, dia 2:
às 15h00, no Museu da Música Portuguesa, Rua de Olivença nº 5, Estoril, quinta conferência do ciclo ?De Música também se Fala - Tudo o que você sempre quis saber sobre Beethoven... e nunca teve a oportunidade de perguntar!", por Teresa Cascudo.

19h00, no Parque Palmela, XXIV Estoril Jazz: Trio de Joey Francesco e Houston Person (convidado).

Domingo, dia 3:
às 19h00, no Parque Palmela, XXIV Estoril Jazz: Quarteto de Peter Cincotti.

às 12h00, no CAMJAP (?Centro Arte Moderna da Gulbenkian?) visita temática do ciclo?Olhares? «O Imaginário das Cidades?»;

às 18h00, na Igreja da Cartuxa em Caxias, «As Quatro Estações» (Vivaldi e Piazzolla), pelos Solistas da Orquestra de Câmara Cascais e Oeiras.

Segunda-feira, dia 4:
às 18h30, no Picoas Jazz Plaza, Mechanics + Alex Maguire. ´

Terça-feira, dia 5:
às 22h30, na 2:, «A Minha Viagem a Itália» documentário por Martin Scorcese

Quarta-feira, dia 6:
às 18h30, na Fundação Oriente, Rua do Salitre, 66, «Concertos de Verão» com a pianista Ana Cosme (o reportório é indigesto, mas o sítio é muito bonito e de acesso difícil, fora da temporada de concertos);

às 19h00, no CCB, «sete às nove» Wishful Thinking Quintet.

às 23h30, na 2:, Ana Sousa Dias vai conversar com Wim Mertens.

A seguir Wishful Thinking Quintet, no «Jazz im Goethe-Garten», dia 7.

Conferência do Prof. Jorge Boescu, dia 7.

Último fim-de-semana do XXIV Estoril Jazz ? a Rádio Marginal, 98,10 MHz, tem oferecido convites, pelo menos no período das 12.45 às 13.00.

Elisabete Matos canta a Norma, a 7 e 9 de Julho no Festival de Teatro Clássico de Mérida (
www.festivaldemerida.es)

Il Dolcimelo, CCB, dia 11.

Sagração da Primavera, CCB, dias 15 e 16.

Download do ficheiro das Sugestôes (30 Junho 2005)


Bom fim-de-semana

JMiguel


6/28/2005

Contas do nosso rosário

Portugal vai de mal a pior! No tempo da Manuela Ferreira Leite, acusaram-na de se comportar não como economista mas sim como mera contabilista. Pois agora, com o tão baixo nível a que chegámos, já nem de economistas se fala. Acusam é os contabilistas de não saberem fazer contas! Slogan a usar nas manifestações de amanhã: "É urjente dar mais formassão!"

6/27/2005

GERONIMO!

Quando, há mais de trinta anos, comecei a fazer a preparação de guias-intérpretes em língua inglesa, comecei a ter algum feedback dos novos profissionais. Esse feedback iria enriquecer em muito as minhas aulas dos anos seguintes e emprestar-lhes-ia diversas facetas novas. Três breves exemplos:
-- "No outro dia tive um ministro americano no meu autocarro", disse-me a recém-formada guia, orgulhosa do seu novo status.
Viemos ambos a apurar, ao fim de um ou dois minutos, que afinal o celebrado "ministro" era apenas um padre (minister).
-- Porque é que eles se riem tanto quando eu lhes digo que "we have the most beautiful cocks in the world"?
Não era difícil imaginar porquê, já que a jovem guia-intérprete se referia aos coloridos galos de Barcelos, enquanto para os seus turistas "cock" é apenas uma forma slang de dizer "pénis".
-- Quando lhes apresento o Mosteiro dos Jerónimos, alguns turistas americanos começam a gritar "Geronimo!" Estou a dizer alguma coisa mal?
Nem pensar! O que sucedia era apenas o resultado de uma cultural viagem transatlântica de ida-e-volta que, quinhentos anos depois, ainda produzia aquele efeito.
De facto, quando os espanhóis se lançaram na sua grande aventura das Américas na charneira do século XV-XVI, elegeram um vastíssimo território americano como Nueva España. Esse território, que foi entretanto amputado de cerca de um terço da sua superfície pelos norte-americanos, constitui o México actual. Entendendo que língua, religião e armas eram os elementos necessários para subjugar os nativos, os espanhóis introduziram o uso obrigatório do castelhano, constituíram as suas próprias guarnições militares e trataram de enviar numerosos membros das suas ordens religiosas. Se o barroco mexicano é hoje um dos mais apreciados do mundo, tal se deve sem dúvida à abundância de ouro local, sábia e artisticamente usado por essas ordens para construirem El Dorados na Terra, para assim mais facilmente domarem os nativos aztecas, mixtecas, maias e outros.
De entre as ordens religiosas destacaram-se os Franciscanos -- deve-se a eles o nome da cidade de São Francisco, hoje território norte-americano --, os Dominicanos (da Inquisição) e os Jerónimos. Estes últimos tinham o seu grande centro na Extremadura espanhola, na área de Cáceres, Trujillo e Medellin, locais de origem de grandes conquistadores espanhóis como Fernando Cortéz e Pizarro. O grande centro hieronimita era Guadalupe, ainda hoje local de peregrinação.
Por este motivo, a Virgem Negra de Guadalupe foi transplantada para o México, onde foi proclamada a Imperatriz das Américas por indicação expressa do Vaticano. Dada a grande influência da ordem hieronimita, o nome Jerónimo foi dado a muitos nativos "índios", como símbolo evidente de cristianização. Ora, nas suas campanhas de alargamento de fronteiras à custa do território mexicano, os norte-americanos depararam com forte resistência por parte de tribos indígenas. O chefe de uma dessas tribos chamava-se Jerónimo ("Geronimo", na grafia usada pelos americanos) e, ao grito do seu nome, os bravos índios arremetiam destemidamente contra as bem equipadas tropas dos Estados Unidos, dando assim a sua vida pela causa da defesa das terras. O nome Geronimo tornou-se nos Estados Unidos símbolo de bravura e destemor. Décadas mais tarde, os pára-quedistas americanos adoptaram o uso de gritar Geronimo! quando se lançavam no espaço -- igualmente como testemunho da sua coragem e audácia.
Por esta digressão cultural de torna-viagem se compreende como é natural e até saudável que os turistas americanos exclamem Geronimo! ao ouvirem o nome do mosteiro. Afinal, o edifício que visitam está também virado para as Américas, só que o destino dos portugueses foi uns tantos graus mais para sul: o Brasil.

6/25/2005

Finis vitae

Um tempo para viver implica um tempo para morrer. Com o solstício de Junho chegou ao fim a passagem do Peter Pan por este blog. Na hora da rendição por um outro escriba, posso dar-vos fidedigno testemunho de que lhe deu muito prazer participar nesta equipa de amigos, embora talvez esperasse maior colaboração.Só maior colaboração, note-se, não maior simpatia, que essa foi muitas vezes manifestada. Foi um ciclo de quase dois anos que agora se extinguiu. Do testamento de Peter Pan respigo um "Obrigado!", a que se segue um "Adeus, até sempre!".

Entre Esparta e Atenas

A presente imposição governamental de medidas de austeridade traz-me à memória o que frequentemente se passa com senhoras -- suponho que mais do que homens -- que vão a nutricionistas e médicos tipo Talón. Apesar de levarem para casa prescrições equilibradas mas austeras, que elas cumprem nos primeiros dias, volta e meia acham que "um dia não são dias" e, zuca!, lá se atiram a um bolo com carradas de chantilly, a um whiskizinho "que não faz mal de vez em quando", etc. São de Atenas, vão a Esparta para a cura, mas acabam por ficar a meio caminho entre Esparta e Atenas. A carne é fraca, como alguém disse. Por isso precisa de osso para a segurar.
Com os governantes passa-se muito do mesmo. Fazem entradas de genuínos espartanos e depois, pouco a pouco, lá vão abrindo mão de um precedente aqui para uns tantos membros do aparelho partidário, ali para as Forças Armadas, acolá para os juízes. Esquecem-se que todo o bom gestor, que queira impor respeito e motivar aqueles que dirige, não abre precedentes. Tal como um buraquito pequeno na peúga que depressa se transforma numa rotunda "batata", assim também o precedente é gazua para muitas portas que não se tencionava abrir.

Marketing

Num comentário a um post deste blog, encontrei no outro dia uma referência a técnicas de marketing. Lembrei-me então de contar aqui, o que agora faço, uma história que para mim foi surpreendente. Há uns seis anos, numa viagem ao México sobre a qual já escrevi alguns apontamentos neste local, tive a oportunidade de visitar lugares particularmente interessantes. O que mais me entusiasmou foi o Estado de Chiapas, no sul, já perto da Guatemala. Região que alterna óptimas terras de cultivo com outras menos próprias, Chiapas possui no geral uma população pobre, pouco desenvolvida do ponto de vista de instrução, e com uma enraizada consciência de revolta. San Juan de Chamula é uma pequena vila com características interessantes. Sob o ponto de vista religioso, a população mistura de forma sui generis a religião católica com deuses locais. Um Santo António pode aparecer algo transfigurado, embora mesmo assim reconhecível, apresentando aquela simbiose típica dos povos que se deixam aculturar ma non troppo. É um Santo António que, juntamente com outros colegas da hagiologia hispano-mexicana, aparece aqui e além virado para a parede por não ter atendido um pedido do povo. No seu estrato menos educado, o povo tradicionalmente acredita em bruxas e quebrantos, em elixires e mezinhas de vários estilos. Avisaram-me que era de todo proibido tirar fotografias em San Juan de Chamula. Poderia facilmente ficar sem a máquina, como já tinha sucedido a outros visitantes. Devo admitir que, com as histórias que ouvi narrar antes de chegar a Chamula, esperava encontrar uma povoação desoladora. Nada disso! Alguns edifícios eram muito aceitáveis, os correios e a farmácia pareciam funcionar bem. É verdade que havia homens com armas nas ruas. É também um facto que um grande boneco representando Judas Iscariotes surgia pendurado e baloiçante lá no alto da igreja, do lado de fora, a pagar por todos os pecados que cometera. Estávamos na Páscoa. Porém, de tudo, o que mais me impressionou foram largos anúncios da Pepsi-Cola. "Como assim!", exclamei. "A Pepsi aqui!! Estes tipos estão em todo o lado!" "E é muito popular!", disseram-me. "Não entendo", repliquei. "Com o ódio que este pessoal tem aos gringos, como é que se explica a presença da Pepsi?" "Bem, a origem americana do produto não é realçada, até porque esta Pepsi é fabricada aqui no México. A questão é totalmente outra. Estas pessoas são muito temerosas dos espíritos, dos maus espíritos que as podem atormentar. Como se sabe, a Pepsi é uma bebida gasosa que faz subir algum gás à boca. Conseguiram convencer a população de que, além de saborosa, a Pepsi era o remédio ideal para expulsar os maus espíritos, garantindo portanto paz interior a quem a bebesse. O sucesso foi garantido!"
Admito que nunca tinha visto uma campanha tão certeiramente dirigida. O falecido Akio Morita, da Sony, diria que este era um exemplo perfeito do seu "Think global, act local!"

6/23/2005

Os meses do ano

Nota prévia: Este "post" esteve aqui há dias, tendo sido retirado. A pedido de um leitor, volta a ser colocado.
Primitivamente, "mês" era o período de tempo entre uma lua nova e a seguinte. Porém, como da contagem de doze luas resultavam menos dias do que aqueles que o ano efectivamente possui, aquela medida foi abandonada. Introduzido o calendário romano, manteve-se, no entanto, a designação "mês", que era mens- em latim, derivado do grego mene (lua). Daqui surgiram palavras como mensal, mesada e menstruação.
Como facilmente se entende pelos nomes, Setembro era antigamente o sétimo mês do ano, tal como Outubro era o oitavo, Novembro o nono e Dezembro o décimo. Seis dos restantes meses receberam nomes de deuses e dois de homens que, assim, conseguiram entrar no Olimpo.
Janeiro é, na sua origem, talvez o meu favorito. Mês charneira relativamente ao ano que finda e o outro que começa, deriva o seu nome do deus das duas caras: uma que olha para trás, a outra para a frente. É Janus, deus dos começos e dos fins. É o deus da "porta", que em latim era "janua". Infelizmente, Janus não ficou recordado no nome "porta", tendo que contentar-se com as portas pequenas das casas, que são as "janelas". (Em inglês, uma janela é vista como "wind's eye" (o olho do vento). Daí as "windows", que hoje usamos em computadores também.)
Fevereiro está ligado a "Februa", festa das limpezas. É o spring cleaning dos anglo-saxões. Março marca a chegada do bom tempo, quando o "general Inverno" já não consegue por si só derrotar tropas. As campanhas guerreiras podem começar. Por este motivo, é dedicado ao belicoso Marte.
Abril vem de "abrir". Abre-se a natureza, abrem-se as flores. A primavera, que é o "primeiro verão", abre-se de vez. Chove geralmente bastante. Chaucer compôs uns bonitos versos nas suas Canterbury Tales: "March winds / April showers / bring forth / May flowers.". No Portugal humorístico que parodiava o "Abril em Portugal", faziam-se cartazes mostrando um chapéu de chuva fechado e, em baixo, em grandes letras, "ABRI-LO EM PORTUGAL".
Maio é dedicado ao deus maior, o "deus maius", que é Júpiter. O Junho, em que estamos agora, é o mês da família, dedicado a Juno. Julho e Agosto são aqueles em que a mão do homem entrou. E, como se sabe, "onde o homem põe a mão, tira Deus a virtude". O Senado romano decidiu dar o nome de Júlio (César) ao mês que se seguia a Junho. De "Júlio" derivou "Julho". O pior foi que, depois, César Augusto não quis ficar atrás e reclamou igualmente um mês para si. Do "Augusto" resultou Agosto. A perversidade do caso aumenta pelo facto de Agosto ter então apenas 30 dias, o que colocaria Augusto em situação de inferioridade relativamente a Júlio. O Senado resolveu a questão da forma que os governantes ainda hoje gostam de utilizar: atacou o mais fraco. Como Fevereiro era o mês mais pobre em dias -- apenas nos anos bissextos lograva atingir os 30 dias -- foi-lhe retirado um dia para satisfazer a vã glória do imperador. Mesmo assim, do mal o menos, porque hoje sabe bem ter um Agosto com 31 dias.

6/20/2005

Exames

Uma notícia positiva é que este ano se estão a realizar, contando embora apenas em 25 por cento para a nota do 3º período, exames do 9º Ano de Matemática e Português. Exames no 9º Ano são inéditos.
Pessoas da minha geração e da que se seguiu à minha tinham que superar vários exames nacionais no seu processo de aprendizagem. Era algo normal. Havia exames de admissão aos liceus após a então chamada instrução primária, exames no 2º ano do liceu, três anos depois no 5º e dois anos depois no 7º. A finalizar, havia exames de admissão à universidade. Para a presente geração, que não tem exames, esta panorâmica do passado deve parecer diabólica. Tantas provas para quê? A resposta é simples: para que os conhecimentos dos alunos sejam testados; para que só passem para o estádio seguinte aqueles que mostrem ter conhecimentos suficientes; para que existam testes de controlo de qualidade, importantes para instituições e para os respectivos corpos discente e docente.
Há umas décadas foi considerado em Portugal que os exames constituíam uma prática injusta, que causava um stress escusado aos jovens. Como se poderia julgar em hora e meia o esforço de um, dois ou três anos inteiros? Assim, foram abolidas todas as provas feitas à escala nacional, iguais para todas as partes do país, corrigidas por professores que não conhecem os alunos. Só no final do 12º Ano é que os alunos têm realizado provas nacionais, que servem também para ingresso no ensino superior. Por outras palavras: não tem havido nenhum crivo externo às escolas durante os 11 primeiros anos de escolaridade. O contraste entre esta situação e a do passado é por de mais marcante.
Quando resultados de comparações internacionais surgem como negativos para Portugal, começa finalmente a verificar-se que o sistema não funciona. Não sendo naturalmente correcto ajuizar todos os casos por igual -- e fazemos justiça a todas as boas escolas que ainda existem --, tentemos entender por que motivo há tantos alunos a chegarem mal preparados ao ensino superior. Figuremos uma imaginária escola de ensino básico, até ao 9º Ano. Sabendo que não existe nenhuma prova nacional que controle o esforço quer de alunos, quer de professores, existe uma tendência real para uma certa contemporização por parte dos docentes, face a alunos que se mostram algo desmotivados. E porque se mostram desmotivados muitos dos alunos? Por um lado, possivelmente por falta de qualidade da docência, que não consegue tornar alguns assuntos apelativos; por outro, porque a não-definição de objectivos reais para os alunos e também a ausência de verdadeiros constrangimentos são tendentes a não levar os alunos a darem o seu máximo. Algo de semelhante se passa com os professores. Na sua humanitária tentativa de recuperarem alunos mais atrasados, não logram terminar os programas respectivos. É muito frequente que alguns capítulos fiquem de fora. Com exames nacionais, contudo, esse tempo passaria a existir, embora se admita que só os melhores alunos pudessem acompanhar o passo. Assim, as provas realizadas na escola versam apenas a matéria efectivamente leccionada. O que é justo e leal para com os alunos, mas pode ser considerado injusto e desleal à escala da nação. Depois, as notas obtidas tendem a ser generosas. Infelizmente, porém, não correspondem aos requisitos nacionais. Corporativamente, dentro da escola, os docentes defendem-se a si próprios, admitamos que com boas intenções na medida em que estão a defender os seus alunos. Contudo, impõe-se aqui uma pergunta: um professor deve lealdade primeiro que tudo aos seus alunos ou à sociedade do país? De tolerância em tolerância, de programa não cumprido na íntegra à repescagem no ano seguinte da matéria não abordada e à consequente impossibilidade de tratar toda a matéria do ano em questão, o que resulta? Alunos preparados deficientemente, controlados apenas a nível interno e não externamente. Será correcto que sejam sempre os professores a avaliarem o seu próprio trabalho e a darem nota de passagem aos seus alunos nos primeiros 11 anos de escolaridade? Onde existe o controlo que garanta que as classificações estão sensivelmente correctas? Creio que esta ausência de controlo efectivo tem sido um dos maiores factores de agravamento dos resultados. E tem criado o ensino light. Os exames em si nada ensinam, mas a sua existência é um enorme factor dissuasor de ensino facilitado. Aumentam o nível de exigência sobre alunos e docentes. Ajudam a elevar o nível de conhecimentos e definem um objectivo determinado. Fomentam a importantíssima noção do dever. É claro que a educação fundamental continua a ser a das aulas, na transmissão de conhecimentos, na formação da personalidade e do espírito crítico dos alunos. Não é isso que se espera dos exames. Mas estes fomentam a noção de responsabilidade, e é também para isso que a escola serve.
Em entrevistas dadas aos jornais, professores do actual 9º Ano das disciplinas de Português e de Matemática revelam que o facto de terem sido criados estes exames alterou a sua forma de dar as aulas, acrescentando-lhes preocupações que até ao momento não tinham tido. Uma dessas preocupações foi a de cumprirem integralmente o programa. A segunda foi o saberem que o controle efectivo da sua acção ia ser feito não apenas dentro dos muros da escola mas também pela comunidade externa. Creio que, apesar de tímido, foi dado um passo importante. Aos que vierem lembrar que em países escandinavos não há exames, bastará perguntar se a sociedade escandinava é comparável à portuguesa em termos de responsabilização e de honestidade interiorizada. Com o avançar de exames nacionais para todas as disciplinas do 9º Ano e a criação de pelo menos mais um controle efectivo, a educação começará finalmente a ter maior eficácia e a aproximar-se mais do mundo que espera os alunos. Como lembrava Savater, "as crianças são educadas para serem adultas, não para continuarem a ser crianças." E "o melhor efeito de uma boa educação é o despertar o apetite por mais educação."

Toponímia fluvial e marítima

Nestes dias de calor, uma pequena pausa dos assuntos políticos leva-me a uma ligeira divagação. Sobre a água, naturalmente, que é algo que apetece neste momento.
Que a água é um elemento essencial para a vida, ninguém duvida. Contudo, nem sempre se associa a sua existência à formação de povoações. Olhando para um simples mapa de Portugal -- o que é profundamente redutor, diga-se, nesta era de realidades globalizadas --, vemos que cidades como Viana do Castelo, Porto, Coimbra e Lisboa, para não mencionar outras, não só se situam junto a rios como se erigiram todas na margem direita, norte, desses rios (Lima, Douro, Mondego e Tejo). Embora não haja apenas uma razão para o facto, a mais importante historicamente foi decerto a barreira natural que a água do rio constituiu para invasores que, tradicionalmente, vinham do sul. Seja como for, a água dos rios possibilitava muitas coisas, desde o desenvolvimento através de trocas comerciais até vários outros tipos de utilização. Não é, portanto, por mero acaso que o mapa de Portugal se inclina em perigosa assimetria sobre os rios e a costa: os rios correm para o mar. Sem água não há grande desenvolvimento possível.
Nesta linha, um caso português interessante é-nos dado por uma povoação nascida com a batalha de Aljubarrota. Tendo o vitorioso embate sido considerado decisivo para a manutenção da soberania portuguesa nos finais do longínquo século XIV, logo se projectou construir um grande mosteiro que celebrasse aquela memorável vitória sobre os castelhanos. Assim se fez. Por que motivo, porém, não foi o mosteiro construído no exacto local da batalha? Pela simples razão de que lá não havia água! Que a região era seca bem o atesta uma bilha sempre cheia que se encontra num nicho, na parte exterior da capela erigida no local. Uns cinco quilómetros mais abaixo -- porque os rios não costumam correr nos altos mas sim nos vales -- passava o Lena, afluente do rio Lis, que servia perfeitamente. E foi lá que o mosteiro foi construído e a actual povoação da Batalha cresceu.
Fazendo uma curta digressão linguística pela Europa mais próxima, encontramos na vizinha Espanha o "Rio Grande" dos muçulmanos andaluzes -- o Guad-al-quivir --, que serviu para formar Sevilha, Córdova e outras localidades. A mais de uma centena de quilómetros de distância, o rio Ardo contribuiu para a fundação da cidade jóia da coroa árabe, da qual localmente se diz que "não há maior infelicidade no mundo do que ser cego em Granada". Claro que também Madrid tem o seu Manzanares, Salamanca o seu Tormes, Barcelona o Mediterrâneo, aliás tal como Marselha, já em França, onde Paris tem o seu Sena.
No que respeita aos nomes das povoações nos diversos países, eles mencionam frequentemente o rio ou, pelo menos, pressupõem-no. Assim, voltando a Portugal, contamos com topónimos como Ponte de Lima, Ponte da Barca, Arcos de Valdevez, Porto, S. Pedro do Sul, Figueira da Foz, Tomar, Lisboa, Algés, Odemira, Odeleite, Odivelas, entre muitos outros. Seguindo a ordem acima, anota-se a existência de uma ponte sobre o rio Lima, de uma antiga barca que servia de transporte entre as duas margens, uma ponte com arcos sobre o rio Vez, um porto (fluvial e marítimo), o rio Sul, a foz do Mondego, o antigo nome árabe do rio, a "enseada amena" (Allis Ubo), uma ribeira chamada Gés e outras começadas por "ode", palavra que constitui a versão de "guad" (v.g. Guadiana) do lado ocidental e sul português (Mira, Leite e Velas).
Linguisticamente, nós, portugueses, "possuímos" o rio e, consequentemente, usamos a preposição "de", v.g. Maceira do Lis, Miranda do Douro. Outras línguas, como a francesa, a inglesa e a alemã são mais objectivas e preferem uma preposição de localização: "sur" em francês (Auvers-sur-Oise, por exemplo), "on" ou "upon" em inglês (Stratford-on-Avon, Newcastle-upon-Tyne) e "an" em alemão (Frankfurt-am-Main).
Milhentas outras localidades em língua inglesa incluem sufixos com ligação a água. Esse sufixos são, tanto quanto me lembro neste momento, -bridge, -ford ,-mouth e -port. Alguns exemplos: Cambridge, Waterbridge, Oxford, Plymouth, Portsmouth, Newport. Pois, está bem de ver que em Cambridge existe uma ponte sobre o rio Cam, que em Oxford o rio não é muito largo pois permitia antigamente que os bois o atravessassem -- to ford a river significa atravessar um rio --, que Plymouth e Portsmouth ficam na foz (mouth) de rios, e que Newport implica uma nova cidade junto ao mar. Isto não tem nada de novo, mas às vezes pode suceder que algum leitor nunca tenha passado no assunto e se interesse minimamente. Da mesma forma, Innsbruck recebe o nome de uma ponte sobre um dos principais rios da Áustria (o Inn) e Frankfurt-am-Main vem dos tempos dos exércitos de Carlos Magno, os quais, na sua campanha pan-europeísta, acamparam e desenvolveram uma primeira povoação num sítio onde o rio Main (Meno, em português) não era muito largo e, portanto, permitia a comunicação entre as duas margens. É o -ford de Oxford na sua versão alemã, que também aparece em Klagenfurt, por exemplo, sendo aqui também uma passagem entre montanhas, o que, aliás, sucede igualmente com os célebres "fiordes" escandinavos. E assim chegámos a uns territórios mais frios, o que sabe bem neste tempo de calor tórrido.
Uma última dica: entre os seus inúmeros deuses, os romanos tinham o seu deus dos portos. Chamava-se Portunus. Exactamente para não me tornar ainda mais "inoportuno", termino aqui.

6/18/2005

Formigas sem carreiro - II

Era uma vez um formigueiro triste e enfadonho, que seguia todo pelo mesmo carreiro, o único que lhe era permitido. De vez em quando, uma ou outra formiga inconformada tentava seguir por um outro carreiro que julgava mais conveniente, mas logo uma bota monstruosa lhe acabava com a veleidade.
Num belo dia de primavera, algumas dessas formigas que já tinham experimentado andar em sentido contrário, vieram, em grande festa, dizer ao formigueiro que já podiam mudar de rumo sem que bota alguma as esmagasse. E as formigas começaram a escolher os mais variados caminhos, muito, muito felizes.
Acontece, porém, que da mesma forma que dantes não tinham pensado por que as obrigavam a ir numa só direcção, também desta vez a maioria das formigas não parou para pensar qual o carreiro a seguir. O que não admira: até ali tinham tido quem pensasse e decidisse por elas?
O resultado é que, trinta e um anos depois, é grande a confusão, os interesses de cada formiga sobrepõem-se aos interesses do formigueiro, e ninguém se entende. Pior do que tudo: a maioria das formigas continua ignorante, desinteressada e sem pensar para onde vai!

6/17/2005

Formigas sem carreiro

Os choques terapêuticos são, com relativa frequência, aplicados a doentes que precisam de recuperar de maleita mais ou menos grave. Do choque vitamínico ao mais contestado choque eléctrico vai toda uma gama de choques administrados segundo as circunstâncias. Como todos sabemos, os nossos governantes fizeram a analogia de Portugal com um país doente, do que têm advindo vários choques, do fiscal ao tecnológico. Em tempos, Ariadne disse, irónica e certeiramente neste blog, que se sentia chocada com toda a situação. Não é para menos. Fala-se muito ultimamente do desnorte da União Europeia, que leva ao notório desconcerto a que se assiste. E em Portugal? Mais do que desnorte, com todas as aplicações terapêuticas que têm sido prometidas e nem sempre concretizadas, sentimo-nos de facto sem rei nem roque. O país está em estado de choque. Qual é o nosso desígnio? Existe uma força nacional latente que ainda vibra activamente com a selecção de futebol. Existe uma enorme força saudosista que pude testemunhar in loco aquando do cortejo fúnebre de Álvaro Cunhal. Mas muito do resto é desânimo. As formigas não encontram o carreiro certo. Abrem-se-nos os olhos de espanto perante as mordomias dos políticos, homens e mulheres novos, activos em cargos públicos e já a receberem vultosas pensões de reforma. Temos notícia confirmada da situação privilegiada de variadíssimas profissões. Sabemos que autarcas vêem cada ano do seu abnegado serviço a contar a dobrar para a reforma, exactamente como tantos portugueses que estiveram em zonas de combate -- e só nessas! -- na guerra colonial. Dentro do mesmo espaço, um país a explorar legalmente o outro! A má nova do arrastão em Carcavelos impressiona, tanto mais que a polícia relata factos semelhantes já ocorridos em anos anteriores. O país não compra preferencialmente o que é nacional, não se orgulha do que é português, há muito que não tem uma estratégia interna e externa. Anda a reboque das circunstâncias. Vamos para onde? Curiosamente, é um indivíduo riquíssimo e, naturalmente, de direita, que deixa ao país um legado de solidariedade através da louvável criação de uma Fundação. É uma boa notícia no meio de uma descrença avassaladora. O patético simbolismo das vozes que, há dias, num cemitério de Lisboa cantaram com o mesmo élan a ultrapassada Internacional e o hino nacional português dá que pensar.

6/14/2005

Dias da semana

Os nomes dos dias da semana em português contrastam bastante com os seus congéneres de França, Espanha, Inglaterra e Alemanha. De facto, esses países mantêm uma tradição que liga vários dos dias a antigos deuses, v.g. à Lua ou a Marte. Assim, quando em espanhol se diz lunes, em francês lundi, em inglês Monday, e em alemão Montag, está a continuar-se uma velha tradição que consagra o segundo dia da semana à lua (luna, lune, moon, Mond). Por seu lado, o domingo é tradicionalmente associado ao sol, v.g. Sunday, Sonntag.
Em Portugal, a situação é bem diversa. Não só não existe nenhum dia dedicado ao sol, como não há nenhum que se refira à lua. A substituição das antigas designações fez-se há cerca de 1500 anos e foi obra da Igreja no norte do país. Aí, fez-se a distribuição dos mercados e feiras pelos diversos dias da semana, aboliram-se fundamentalisticamente os paganismos dos astros e dos deuses, e deixou-se apenas o dia de Sábado, que significa "descanso" em hebraico. O dia em que os cristãos não trabalhavam -- anteriormente "o dia do sol" -- foi dedicado ao Senhor (Dominus). Estar com o Senhor (dominus + cum) produziu "Domingo", que era simultaneamente a feira principal ou primeira feira. Só cidades importantes como Braga tinham direito a organizar feiras nesse dia, pois tratava-se de um privilégio que constaria do seu foral. No dia seguinte, os feirantes deslocar-se-iam para um outro sítio, relativamente próximo, onde realizariam a 2ª feira, depois noutro local a 3ª feira, e assim sucessivamente.
Já agora refira-se que, tanto em inglês como em alemão, a lua deu origem a algo mais do que à segunda-feira: produziu a palavra que representa "mês", o qual corresponde grosso modo a uma lua: month, Monat.

6/08/2005

Adapte, não adopte!

Um português que vá pela primeira vez a Amesterdão ficará surpreendido ao deparar-se com muitas janelas de cortinas totalmente abertas, mesmo nas casas que dão para os canais. Habituados que estamos a correr as cortinas das nossas janelas e a não deixar que devassem a nossa privacidade, surpreende-nos aquele outro modo de olhar as coisas. Na Escandinávia a situação é semelhante. Como também é para vermos costumes diferentes e entendermos mentalidades diversas que viajamos, arquivamos as nossas impressões. Será que, no regresso, vamos passar a fazer o mesmo? A "escancarar as janelas", como diríamos? É altamente duvidoso. Aspectos culturais deste tipo não mudam do dia para a noite. Enquanto uma inovação tecnológica pode ser abraçada de pronto, uma mudança de mentalidade fia muito mais fino.
Tudo isto vem a propósito do propalado objectivo do actual governo de abrir, a todos os cidadãos, as janelas do IRS de cada um. Com que finalidade? Entretanto, aquilo que deveria ter sido feito há muito -- o levantamento do sigilo bancário para as autoridades do fisco sempre que estas o considerem necessário -- permanece tal como estava. Já alguém imaginou o efeito na nossa sociedade de uma medida como a do "escancaramento" do IRS? Transformar-se-ia o país num paraíso para os coscuvilheiros e para os voyeurs. A nossa coesão social, que já é tão periclitante, diminuiria de forma dramática. E quais seriam os efeitos sobre as colectas do fisco? Nulos! Ver-se-ia aquilo que as pessoas declaram. Ora, naqueles contribuintes que verdadeiramente podem interessar ao fisco, essa declaração está decerto muito distante da realidade.
Não venham aplicar medidas dos países nórdicos em nações com mentalidade do sul! A regra de ouro destas coisas é a que se sabe: "Adapte, não adopte!"

6/07/2005

Por falar em bicharada...

...O segundo gato

Em cada gato há outro gato
um pouco menos exacto
e um pouco menos opaco.

Um gato incoincidente
com o gato, iridiscente,
caminhando à sua frente

ou a seu lado,
espírito alado
do que é terrestre no gato.

É o segundo gato
que permanece acordado
com o gato afundado

em sono abstracto,
aos seus pés enrolado,
espécie de gato do gato.

Ou que, mais tardo,
deambula pela sala
enquanto o gato se lava,

às vezes assomando
nos olhos do gato
como um passado imóvel e

enclausurado.
O próprio gato
não sabe

que anda por ali
algo que não cabe
dentro nem fora de si.

Manuel António Pina (OS LIVROS, Assírio & Alvim)

Outras vozes

Os portugueses são muitas vezes apodados de melancólicos, tristes e sentimentais, e existirá porventura uma consistente razão para este tipo de rotulagem. A roupa que o português médio usa não é também muito garrida, embora tenha havido nas últimas décadas uma considerável evolução neste domínio. Contudo, algo que os estrangeiros que nos visitam não podem negar é que um dos símbolos mais marcantes do país possui cores bem vivas: o galo de Barcelos. É só olhar e ver!
O que os visitantes não suspeitam é que o galo português canta de maneira bem diferente dos galos dos seus países. Ainda me terão de explicar bem um dia por que motivo o galarote lusitano se espevita todo num cócórócócó, assim mesmo com os ós todos bem abertos, e o galo húngaro, por exemplo, se fecha num kukuriku. O galo francês fica a meio-termo: côcôricô. O inglês, como é hábito, diverge de todos e assalta-nos com um shakesperiano cock-a-doodle-do!
Como é evidente, os animais não emitem objectivamente sons diferentes num país ou noutro, mas tanto o ouvido humano como a associação dos sons a palavras existentes na língua condicionam a forma como o bicho-homem reproduz o som emitido pelos outros bichinhos do universo.
O peru é outro dos casos. Um peru de boa cepa lusa cantará sempre da mesma forma: glu-glu! Do outro lado do Canal da Mancha os perus têm um som mais aberto: gobble-gobble. Já tentei a experiência com perus portugueses; cantei-lhes gobble-gobble e eles retorquiram-me imediatamente com o seu incontornável glu-glu. Donde se prova que mesmo neste reino há capacidade de entendimento entre as duas populações.
E os cães portugueses? À boa maneira do som nasalado dos sinos lusitanos com o seu tlin, tlão, os cães ladram ão-ão, mas só se forem grandes; béu-béu se forem pequenos. Não se espere imitação por parte dos congéneres britânicos -- imitação é apenas própria dos macacos. Assim, o cãozarrão inglês ou americano limitar-se-á a ladrar arf! arf!, sem qualquer conotação nasal, e o cãozito pequenote reduzir-se-á ao seu wau! wau!
Os exemplos não faltam: o carneirinho português entrega-se, deliciado, ao seu méé! méé!, enquanto o britânico lança um angustiado bah! A vaca e o boi portugueses voltam à nasalação que já encontrámos atrás: mãããããã! O gato é que soa muito igual de ambos os lados do Canal: mewau (miau). Mesmo assim, entre nós reage ao chamamento de bch, bch, bch, que gatos britânicos habituados ao pussy pussy! no mínimo estranhariam.

6/06/2005

Girândolo

Fazer girar o dinheiro, levar as pessoas a gastá-lo continuamente para que ele gire, gire sempre, é um dos princípios gerais da economia capitalista, eufemisticamente designada de "economia de mercado". O dinheiro deve andar numa contínua roda-viva. Para isso se cria a moda. A moda não é apenas relativa a roupa. A moda é muda. Muda de casa, muda de carro, de mobília, de equipamentos domésticos, de computadores, de aparelhagem, de telemóveis, de CDs. É muda de tudo. Com isso muda e gira a roda da moda e, nesta modinha com canto de sereia ao fundo, o dinheiro vai mudando de bolso, enchendo sempre uns mais do que outros, mas fazendo as moedas e as notas circular para bem da economia, que é igualmente o "bem" desta nossa sociedade do "ter".

6/04/2005

Desabafo cínico

Atribuir estritas motivações internas ao rotundo NÃO de boa parte do melhor «mexilhão» europeu começa a tornar-se um lugar monotonamente comum. Como brilhantemente mostrou o autor do post anterior, nada se compara à eficácia de um «inimigo comum declarado» se o intento for promover e tonificar a imunidade do «self» europeu. Esta condição necessária ainda não se concretizou -- o projecto europeu tem vindo a ser paulatinamente enfraquecido pela pressão de vários inimigos não comuns.
A melhor utopia comunitária é infelizmente um zero à «esquerda» do básico mas sempre galvanizador atavismo guerreiro. Li algures -- e concordo -- que nenhum cidadão europeu está disposto, nesta altura do campeonato, a morrer pela Europa (como decerto estaria se acaso lhe invadissem o quintal nacional). Isto diz tudo, ou quase.
A natureza humana continua, pelos vistos, a ser demasiado animal e, por enquanto, não há volta a dar-lhe. Muito menos por decreto.

União Europeia - Visões macro e micro

No já longínquo ano de 1958, trabalhei durante alguns meses na cidade de Colónia, naquela que era então a mais moderna filial dos grandes armazéns alemães Kaufhof. Estar a trabalhar numa firma com aquela dimensão foi para mim uma novidade total. No meu país só cerca de 40 anos depois viríamos a ter algo semelhante. Ora, a cadeia Kaufhof, na altura com mais de cinquenta filiais em toda a Alemanha, tinha baseado o seu modelo nos armazéns americanos Lafayette, com os quais detinha alguma parceria. A dimensão daqueles estabelecimentos comerciais era a dimensão do futuro, como o tempo acabou por demonstrar. Assim, ao gigantismo de algumas firmas americanas sucedeu o gigantismo das suas congéneres europeias. Tinha começado uma longa luta. A melhor maneira de combater um Golias é, afinal, através de outro Golias ainda mais forte, e não através de um David que a história registou essencialmente por ter sido uma notável excepção.
Das firmas de dimensão até então inédita passou-se, entretanto, às fusões de grandes companhias, que acabaram por criar potentados ainda maiores. Esses novos potentados cedo galgaram as fronteiras nacionais, espalhando-se por todo o mundo. Das grandes firmas nacionais às poderosas multinacionais e ao movimento globalizador foi um passo rápido, por ser de gigante. A facturação dessas companhias multinacionais começou a ser frequentemente comparada com o PIB dos Estados. O gigantismo imperava. Entretanto, duas grandes potências dominavam a cena política: os Estados Unidos e a União Soviética. Ambas estrategicamente "anti-imperialistas" nas suas próprias palavras, lograram desmantelar os velhos impérios coloniais de nações europeias como o Reino Unido, a França, a Holanda, Bélgica e Portugal. A Europa, emagrecida e enfraquecida, não viu outro remédio senão fundir-se, seguindo o método das firmas comerciais. Um Mercado Comum tomou forma. Ideólogos de vistas largas entreviram, nesse meio tempo, um futuro de prosperidade e paz para um continente que se moldara à custa de guerras e rivalidades entre várias regiões e Estados. A ideia de fusão de nações para fazer contrapeso aos grandes blocos começou a ganhar força, que aumentou quando a União Soviética se desintegrou e deixou os Estados Unidos como grandes Senhores do Universo. A fusão começou a efectuar-se numa base essencialmente económica de abolição de fronteiras e troca de mercadorias. Ver a Grã-Bretanha e a França no mesmo barco constituía um pequeno milagre. Milagre não menor era encontrar a Alemanha e a França de braço dado. A verdade é que a estratégia das elites políticas, com a sua visão macro, fazia todo o sentido: num mundo que, macluhanamente, se transformara numa aldeia global, porque não unir os Davides mais ou menos quixotescos para formar um poderoso Golias? Criaram-se estruturas. Bruxelas e Estrasburgo começaram a ser nomes com peso. Mais recentemente e graças a um enorme salto, juntou-se a parte monetário-financeira à componente económica. Uma vez criado, o euro ousou enfrentar e afrontar o todo-poderoso dólar. A Europa viu no seu crescimento a panaceia não só para a sua sobrevivência como para um eventual domínio num mundo assaz competitivo. Contudo, continuavam a ser basicamente as elites políticas aquelas que desbravavam o caminho. Eram elas que pensavam por uma população que, entretanto, fustigada pela deslocalização de empresas e pela "invasão" de potenciais concorrentes tanto da Europa de leste como do mundo islâmico, começou a sentir-se cercada na sua própria casa. Taxas de desemprego elevadas, poucas soluções concretas à vista e diminuição de regalias sociais lançaram parte da população europeia para um ambiente de dúvida e incerteza quanto ao grande sonho. Enquanto países pequenos como a Estónia, a Letónia, a Lituânia ou Malta festejavam a sua entrada no Clube dos 25 -- que lhes dava a protecção de que anteriormente nunca tinham gozado --, outras nações como a França, a Alemanha e a Holanda começaram a duvidar. Como países que tinham sido contribuintes líquidos da União Europeia, questionaram a bondade do projecto criado pelas suas elites. A passagem da simples mobilidade de mercadorias para a possibilidade de mobilidade de trabalhadores (Directiva Bolkestein) foi tocar uma corda muito sensível da população. A realização de referendos para a ratificação do projecto de Constituição Europeia levou à discussão desses assuntos, na base de raízes culturais de que a maioria das nações não abdica. Não podemos esquecer que, na generalidade, os países se formaram à custa da demarcação dos seus vizinhos. A bandeira, o hino e a Constituição vieram depois. Alguns dos feriados nacionais de países europeus têm a ver com a sua emancipação dos vizinhos rivais, como por exemplo sucede com o nosso 1º de Dezembro. Quem pretenda comparar a formação da União Europeia com a dos Estados Unidos da América encontra aqui uma situação completamente diferente. Nos EUA tratou-se de emigrantes à procura de novas raízes e de um Novo Mundo. Mesmo assim houve guerra entre nortistas e sulistas. Aqui são países com profundas raízes centenares, em busca de um projecto sólido que os torne unidos. Estão, naturalmente, a vir ao de cima rivalidades e todo um passado cultural. Digamos que falta, idealmente, um inimigo comum declarado. Esse "soit-disant" inimigo existe na consciência das elites, mas é algo que só dificilmente seria passado para as populações, até porque o mero objectivo de prosperidade material não é um produto fácil de vender.
Para as elites políticas, o que está a suceder com o "não" ao projecto de uma Constituição para a Europa é uma enorme desilusão. Justificadamente. Para a população de alguns países, nem tanto. Em Portugal, creio que a situação será de aceitação, fundamentalmente porque se teme o fechar da torneira dos fluxos monetários. Como um jogo de palavras deixa, afinal, transparecer: suportamos o alemão arrogante porque o ar rogante que apresentamos nos traz dinheiro. Bruxelas é o CEEbastião do nosso velho sebastianismo.
Entre a elitocracia dos políticos, com a sua visão macro, e a democracia da generalidade da população, mais preocupada com o micro-ambiente que a rodeia, joga-se uma cartada importante. Por enquanto, o resultado é uma verdadeira incógnita.

6/03/2005

Matriz de Acontecimentos (03 Junho 2005)


Download do ficheiro das Sugestôes (03 Junho 2005)

6/02/2005

Refugiados de todo o mundo

O novo alto-comissário das Nações Unidas para os refugiados merece o cargo. António Guterres é um homem de interiorizada solidariedade humana, inteligente, culto e com considerável experiência política. O fracasso que constituiu o seu segundo mandato como Primeiro-Ministro deve ter-lhe proporcionado muitos ensinamentos.
A sua luta por Timor não foi um acto interesseiro, mas sim de alguém sinceramente empenhado no processo. Permito-me recordar a sua frase, citada pela imprensa e, acidentalmente, dita poucos dias antes do ataque aéreo ao World Trade Center de Nova Iorque, em 2001: "Os ricos que cuidem dos pobres, para que não sejam estes a cuidar dos ricos." É uma frase importante para alguém que vai ter por missão fazer os ricos passar das palavras de solidariedade para actos que materializem essa mesma solidariedade.

Democracia dissonante

O facto de a votação entre os parlamentares não corresponder minimamente à votação de todos os cidadãos por meio de referendo, conforme atestado pela cenarização dos resultados nos parlamentos francês e holandês, mostra à evidência a enorme dissonância existente entre o corpo dos políticos e o povo. Já se sabia, mas assim fica demonstrada sem margem para dúvidas. Espera-se agora que dos políticos ditos democráticos não seja retirada a ilação de que é urgente doutrinar o povo.

6/01/2005

O referendo francês

Creio que a vitória do "não", no referendo francês sobre o projecto da "Constituição" Europeia, veio mostrar à evidência pelo menos três coisas: 1. Não é indiferente efectuar as votações directamente pelo povo ou, indirectamente, através dos deputados eleitos. 2. Na União Europeia, em razão da centenar cultura da maioria dos Estados, o sentimento nacional prevalece em muitos casos relativamente ao sentimento europeu. 3. A política neo-liberal pode interessar aos detentores do poder, mas desagrada a grande parte da população.
Analisemos muito brevemente estes três aspectos. Quanto ao modo de votação, o que foi seguido em França foi não só o mais democrático como também aquele que envolve um maior número de riscos. No Parlamento francês, o projecto teria muito provavelmente passado, tal como passou na Alemanha. Também em Espanha houve um referendo, mas com fraca participação. Em França, a mobilização foi quase geral: cerca de 80 por cento dos eleitores votaram, o que certamente constitui um recorde em questões europeias.
No que diz respeito ao binómio nação / União Europeia, já há muito que sabemos que a União pode ter objectivos económicos comuns, mas não possui uma alma que a enforme. Esta alma está nos Estados. Basta ver os despiques desportivos entre franceses e ingleses, portugueses e espanhóis, holandeses e alemães, e aí por diante, para vermos onde está a dita alma europeia. Entretanto, esta pode revelar-se na oposição aos Estados Unidos ou à China, mas em questões internas ela é submergida pelas várias almas nacionais.
No que toca ao terceiro ponto, nada pode ferir mais um nacional do que ver-se sem emprego no seu próprio país, enquanto estrangeiros ocupam eventuais postos de trabalho. Imaginar que no futuro a situação pode ainda agravar-se mais complica a questão. A célebre directiva Bolkestein, abordada neste blog mais do que uma vez, e a ideologia neo-liberal que lhe está subjacente, não podem deixar de irritar cidadãos de um país onde a taxa de desemprego atinge neste momento dez em cada cem activos.
Dizer, no final, que a votação foi contra o governo é só dizer uma meia-verdade. A outra metade reside no facto de a ideologia do projecto europeu, já sentida em França, apontar mais para um desenvolvimento económico a qualquer preço, despojando as pessoas de um bem-estar que elas sentem estar-lhes a fugir, do que para a desejada segurança social. Uma vez que lhes foi dada a possibilidade de se expressarem, os cidadãos franceses manifestaram-se sem margem para dúvidas pela rejeição do projecto -- apesar de toda a intensa campanha pelo "sim". Remar contra a maré foi o que a França conscientemente fez. Resta saber se fez bem. Essa é uma história para um outro blogpost.