3/26/2021

AS SUGESTÕES DO JOÃO MIGUEL

Sugestôes digitais

Das 10h do dia 25, às 23h59, do dia 28, (online) Botticelli – Inferno, de Ralph Loop

No Facebook do Âmbito Cultural de Lisboa do El Corte Inglés, quinta sessão de Música para aqui e agora (uma playlist escolhida e apresentada) por Martim Sousa Tavares (!) – Quatro Sinfonias do Século XIX, dirigidas por George Szell

Está disponível aqui a sessão do Curso Caminhos Cruzados (da Capela do Rato): Casas Pardas, de Maria Velho da Costa, por Isabel Allegro de Magalhães 

Está disponível aqui a sessão do ciclo Palavra Cruzada sobre o livro Cartas de Casanova, de António Mega Ferreira

O MET continua a disponibilizar todos os dias uma nova ópera (das 24h30 às 23h30 do dia seguinte; dito de outro modo: a ópera do dia n, está disponível durante o dia n+1). Temos:

Dia 25, Elektra, de Strauss, com Nina Stemme, Adrianne Pieczonka, Waltraud Meier e Eric Owens, Abril de 2016.

Dia 26, Idomeneo, de W. A. Mozart, com Hildegard Behrens, Ileana Cotrubas, Frederica von Stade, Luciano Pavarotti e John Alexander, Novembro de 1982.

Dia 27, Don Giovanni, de W. A. Mozart, com Renée Fleming, Solveig Kringelborn, Hei-Kyung Hong, Paul Groves, Bryn Terfel, Ferruccio Furlanetto e Sergei Koptchak, Outubro de 2000.

Dia 28, Der Fliegende Holländer, de R. Wagner, com Anja Kampe, Mihoko Fujimura, Sergey Skorokhodov, David Portillo, Evgeny Nikitin e Franz-Josef Selig, Março de 2020

Dia 29, Norma, de V. Bellini’s, com Sondra Radvanovsky, Joyce DiDonato, Joseph Calleja e Matthew Rose, Outubro de 2017.

Dia 30, Capriccio, de R. Strauss, com Renée Fleming, Sarah Connolly, Joseph Kaiser, Russell Braun, Morten Frank Larsen e Peter Rose, Abril de 2011.

Dia 31, Roberto Devereux, de G. Donizetti, com Sondra Radvanovsky, Elīna Garanča, Matthew Polenzani e Mariusz Kwiecień, Abril de 2016.

Dia 1, Il Trovatore, de G. Verdi, com Eva Marton, Dolora Zajick, Luciano Pavarotti, Sherrill Milnes e Jeffrey Wells, Outubro de 1988.

Dia 2, Werther, J. Massenet, com Lisette Oropesa, Sophie Koch, Jonas Kaufmann, David Bižić e Jonathan Summers, Março de 2013.

Dia 3, L’Elisir d’Amore, de G. Donizetti, com Anna Netrebko, Matthew Polenzani, Mariusz Kwiecień e Ambrogio Maestri, Outubro de 2012.

Dia 4, Tristan und Isolde, de Wagner, com Nina Stemme, Ekaterina Gubanova, Stuart Skelton, Evgeny Nikitin e René Pape, Outubro de 2016.

Sexta-feira, dia 26

às 9h01, na TV5, Paname - Autour de la rue Saint-Vincent (28’) 

às 18h00, no facebook do Museu da Farmácia, tertúlia: Exploradores e Literatura de Viagens, com Manuela Cantinho, Rogério Puga e João Neto

às 18h00, no facebook da Fundação Cupertino de Miranda, videoconferência celebração dos 120 anos do tríptico "A Vida: Esperança, Amor, Saudade", de António Carneiro, com Raquel Henriques da Silva, Laura Castro e António Tavares

às 19h00, no site da Gulbenkian, transmissão em diferido, da Sinfonia n.º 3 de Schumann, com a Orquestra Gulbenkian dirigida por Mihhail Gerts

às 20h00, na Mezzo live HD, Madama Butterfly, de G. Puccini (2019, Royal Opera House, maestro Antonio Pappano, encenação Moshe Leiser e Patrice Caurier; elenco: Ermonela Jaho (Cio-Cio-San), Marcelo Puente (Pinkerton), Scott Hendricks (Sharpless), Carlo Bosi (Goro), Elizabeth DeShong (Suzuki), Jeremy White (Bonze), Emily Edmonds (Kate Pinkerton); 137’)

às 20h42, na RTP2, Conspirações por Decifrar (episódio 1/10)

às 24h00, na RTP Memória, Palmira Bastos - Uma Vida no Teatro

às 24h30, na Mezzo, Jamie Cullum – Lotos Jazz Festival (80’)

Sábado, dia 27

às 12h00, na Antena 2, Musica Aeterna - Comemorando o Dia Mundial da Poesia, a recitação de textos e aforismos de Ovídio, Homero, Dante, Ronsard, Aristóteles, Goethe, Voltaire, Camões e Didero, por João Chambers

às 14h00, na Antena 2, O Tempo e a Música, Vozes Negras no Canto Lírico: Leontyne Price (I), por Rui Vieira Nery

às 14h59, na RTP2, Rugby - Qualificação Mundial 2023: Portugal x Espanha

às 15h01, na TV5, Tendance XXI - Best of cuir (magazine; 27’)

às 16h00, na RTP Palco, Conversas com História: Raquel Varela entrevista António José de Barros Veloso

às 16h00, no Facebook da Casa da Música, Concerto de Órgão (J.S. Bach, C. Franck e L. Janácek), por Jonathan Ayerst

às 19h59, na RTP2, João Villaret - O Domador da Voz

às 20h00, na RTP3, GPS, com Fareed Zakaria da CNN.

às 25h00, os relógios adiantam 1 hora (passarão a ser 26h00)

às 26h45, na RTP1, Ascensão e Queda: Os Momentos Decisivos da II Guerra Mundial (outra fonte indicava um horário mais tardio)

Domingo, dia 28

às 4h05, na ARTE, Vincent Peirani - Le nouveau souffle du jazz

às 5h00, na ARTE, Rubens l'Européen (52’)

às 10h00, na Antena 2, O Mundo à Minha Procura - Atravessar o abismo: Francesco Tristano, por Martim Sousa Tavares

às 10h10, na TSF, Encontros com o Património: Os Moliceiros

às 10h10, na ARTE, Twist: Sous l’eau - L’art en immersion !

às 11h00, na Antena 2, O Tempo e a Música, Vozes Negras no Canto Lírico: Leontyne Price (II), por Rui Vieira Nery

às 15h02, na TV5, #versionfrançaise - Cité du vin Bordeaux/Bijoux Élise Tsikis/Laine Lafond-Puyo (magazine; 27’)

às 16h05, na TV5, 300 millions de critiques (52’) 

às 17h00, na ARTE, Ernst Ludwig Kirchner - Génie controversé de l’expressionnisme (52’)

às 17h00, no Facebook da Casa da Música, Miles Ahead, com Gileno Santana (trompete) e a Orquestra Jazz de Matosinhos

às 18h00, na RTP2, Belgravia

às 18h00, no Facebook do Museu Rafael Bordalo Pinheiro, palestra do ciclo O Humor em Bordalo: Ter Razão e ter Graça, para uma gramática do humor em Rafael Bordalo Pinheiro, por João Alpuim Botelho

às 18h00, online, Celebrar Bottesini e Saint-Säens, com Rui Cristão (violino), Ana Elisa Ribeiro (violino), Jeanne Antoniuk (viola), Tiago Ribeiro (violoncelo) e Francisco Viana (contrabaixo), Solistas da Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras

às 19h35, na RTP2, A Vida Breve de António Fragoso

às 22h00, na Antena 2, Caleidoscópio – O Último Século: Gubaidolina e Eötvos, por Henrique Silveira

às 22h30, na RTP Memória, Iniciação Carnal, de Mike Nichols

às 23h00, na ARTE, Le catalogue Goering - Une collection d'art et de sang (90’)

às 23h10, na RTP2, Maria João Pires com Orquestra Gulbenkian

às 24h35, na ARTE, Astor Piazzolla, tango nuevo

às 25h00, na Mezzo live HD, Les Siècles et François-Xavier Roth : Berlioz à la Philharmonie de Paris (91’)

às 26h30, na ARTE, Messe pour la paix, de Karl Jenkins

Segunda-feira, dia 29

às 8h32, na TV5, Paname - Autour de la rue Saint-Vincent (28’) 

às 11h31, na TV5, Orsay, les grandes métamorphoses (52’) 

às 13h13, na RTP Memória, Vieira da Silva - A Memória do Mundo

às 17h00, na Antena 2, O Mundo à Minha Procura - Atravessar o abismo: Francesco Tristano, por Martim Sousa Tavares

às 20h25, na RTP2, Conspirações por Decifrar (episódio 2/10)

às 22h55, na RTP2, Visita Guiada

às 23h10, na TSF, Encontros com o Património: Os Moliceiros

Terça-feira, dia 30

às 10h30 (repete às 16h30), na Antena 2, Da Costela de Adão: Clotilde Rosa, por Paula Castelar

às 13h30, na Mezzo, Lionel Meunier et Vox Luminis: Haendel (inclui a ode a Santa Cecília) (110’)

às 17h41, na TV5, Décolonisations, du sang et des larmes - La fracture (1931-1954) (82’) 

às 18h00, na RTP Palco, Palavra Cruzada: Helena Vasconcelos conversa com Ana Margarida de Carvalho

às 19h00, no site da Gulbenkian, transmissão da Paixão Segundo São Mateus, de J.S. Bach, com o Coro e a Orquestra Gulbenkian, dirigidos por Michel Corboz

às 20h30, na RTP2, Conspirações por Decifrar (episódio 3/10)

às 23h00, na RTP3, Tudo é Economia

Quarta-feira, dia 31

às 13h00, na Antena 2, Caleidoscópio – O Último Século: Gubaidolina e Eötvos, por Henrique Silveira

às 13h00, na TV5, La maison France 5 - Penne d'Agenais (90’)

às 16h30, na Mezzo, Les Siècles et François-Xavier Roth : Berlioz à la Philharmonie de Paris (91’)

às 18h00, conferência do ciclo Portugal sob o signo das pandemias - História e Artes: Pandemia, emoções e literatura, com Júlio Machado Vaz, Bruno Vieira Amaral e Lídia Jorge (em directo via zoom, depois no Youtube da Academia das Ciências)

às 19h58, na TV5, Des racines & des ailes: Terres de Bretagne, du pays rennais à la presqu´île de Crozon (115’)

às 20h30, na RTP2, Conspirações por Decifrar (episódio 4/10)

às 26h15, na ARTE, Twist: La diversité nourrit la culture ! Comment lutter contre le racisme

Quinta-feira, dia 1

às 11h20, na ARTE, Des monuments et des hommes: La cathédrale de Chartres (26’)

às 14h00, na RTP Memória, Mário Viegas... e Tudo

às 14h25, na Mezzo live HD, Les Siècles et François-Xavier Roth : Berlioz à la Philharmonie de Paris (91’)

às 16h30, na Mezzo, Raphaël Pichon dirige la Passion selon Saint Matthieu de Bach (172’; Versailles; 2016)

às 19h30, na Mezzo, Jazz legends – Lionel Hampton

às 20h30, na RTP2, Conspirações por Decifrar (episódio 5/10)

às 24h26, na TV5, 300 millions de critiques (52’) 

às 25h18, na TV5, Décolonisations, du sang et des larmes - La fracture (1931-1954) (82’) 

às 25h45, na Mezzo, Jamie Cullum – Lotos Jazz Festival (80’)

A seguir:

Dia 2, às 9h00, na Mezzo, Jazz legends – Lionel Hampton

Dia 2, às 10h00, no facebook do Município de Oeiras, Culto - nono episódio: Diogo Dória diz Mário Cesariny, Rui Cinatti, Ricardo Reis e Carlos de Oliveira e João Fiadeiro revisita uma criação sua

Dia 2, às 14h00, na RTP Memória, Manoel de Oliveira, o Arquitecto

Dia 2, às 16h05, na ARTE, Invitation au voyageL’Algarve de Lídia Jorge / Turquie / Sénégal / Bois de Vincennes

Dia 2, às 18h00, online, Concerto de Páscoa (J. Haydn e G. F. Handel), com João Fatela (barítono), Coro de Câmara do Instituto Gregoriano de Lisboa e a Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras, dirigida por Nikolay Lalov

Dia 2, às 19h30, na Mezzo, Raphaël Pichon dirige la Passion selon Saint Matthieu de Bach (172’; Versailles; 2016)

Dia 2, às 20h30, na RTP2, Conspirações por Decifrar (episódio 6/10)

Dia 2, às 23h00, na ARTE, L’art de peindre la nuit

Dia 2, às 23h55, na ARTE, La Passione - Bach par Castellucci

Dia 3, às 12h59, na TV5, Des racines & des ailes: Terres de Bretagne, du pays rennais à la presqu´île de Crozon (115’)

MIUDAGEM

Sábado, dia 27

às 11h00, no facebook da Biblioteca Municipal de Torres Vedras, Hora do Conto: Chiu, estou a ler, de John Kelly

às 15h00, Atelier Educativo Online do Museu da Farmácia (3€; mais de 5 anos; inscrição museudafarmacia@anf.pt)

no website e nas redes sociais do Museu Coleção Berardo, ciclo Frame  a Frame pela Coleção Berardo: Informalismo | Pop Art (7-12 anos)

Domingo, dia 28

às 11h00, online, ABC da Música – Letra C (Concerto Didático dirigido e comentado por Nikolay Lalov), com solistas da Orquestra de Câmara de Cascais e Oeiras (estará disponível durante 24h)

às 11h00, no facebook da Metropolitana, Histórias da Formiga Rabiga: A Inspiração de Debussy (Petite Suite, L. 65; arranjo para quinteto de sopros), com solistas da Metropolitana

às 11h00, no Facebook da Casa da Música, Brincar com Mozart (Especial)

Quinta-feira, dia 1

no website e nas redes sociais do Museu Coleção Berardo, ciclo Frame  a Frame pela Coleção Berardo: Minimalismo (7-12 anos)

às 10h30, no facebook da Biblioteca Municipal de Torres Vedras, Hora do Conto: Este livro comeu o meu cão, de Richard Byrne

Esta informação está disponível, e é actualizada, no blog http://azweblog.blogspot.com e no facebook ( https://www.facebook.com/pages/Sugestôes/582224458542163 )

Bom fim de semana!

 JMiguel  

6/17/2014

Forma e Substância

          Creio que mesmo se Antero de Quental tivesse vivido um século mais tarde, ele não iria em futebóis. Para o malogrado escritor e pensador, possivelmente o actual Campeonato do Mundo que se está a realizar no Brasil passaria praticamente ao lado. No entanto, o que há dias sucedeu no Espanha-Holanda e hoje ocorreu no Portugal-Alemanha não pôde deixar de me fazer lembrar as teses de Antero expostas na sua famosa comunicação sobre as Causas da Decadência dos Povos Peninsulares. É que a Espanha, aureolada com o pesado título de campeã do mundo, se viu destroçada por uma Holanda voluntariosa e combativa que logrou o espantoso resultado de 5-1. No jogo que Portugal disputou há horas com a Alemanha, o que aconteceu não foi tão diferente assim. O resultado final de 4-0 não tem discussão.

          E assim os dois povos peninsulares foram copiosamente batidos por dois países do Norte da Europa. Na sua famosa comunicação sobre o atraso peninsular, Antero referia-se, como todos sabemos, à Contra-Reforma, que comparou desfavoravelmente com a Reforma Protestante, à Monarquia Absoluta castradora de liberdade e de espírito de iniciativa, e ao sistema económico que derivou dos Descobrimentos e respectivas colónias (há bens que vêm por mal). 

          Pergunta-se: e o que é que isto tem a ver com o futebol? Nada, pelo menos aparentemente. Mas há um ponto, que creio ter sido também intuído por Antero, que é a diferença entre o primado da forma e o primado da substância. Geralmente, os países do Sul continuam a defender muito o primado da forma, o que os faz falarem e escreverem muito – e no futebol gesticular e discutir as decisões dos árbitros -, prestando menos do que a atenção devida à substância. No jogo de Portugal, conforme transmitido e relatado pela RTP1, foi notória a constante intervenção do locutor sobre um programa do canal que ninguém deveria perder, onde a posteriori se discutiria tudo sobre o jogo, com as melhores declarações, entrevistas e comentários. Bla, bla, bla, bla. O que é isto senão a forma? Entretanto, usando a mesma atitude de apreço primordial pela substância, os alemães iam impiedosamente caminhando para a nossa baliza, coleccionando golos. Originalmente, “goal”, de onde deriva a palavra portuguesa “golo”, significa “objectivo”, e esta é a substância da questão.

          Como português e também como cidadão ibérico custou-me muito ver os dois países da Ibéria serem estrondosamente derrotados por dois países do Norte europeu, mas sou forçado a reconhecer que a superioridade dessas duas equipas foi inegável. Todos sabemos que no futebol podem existir grandes surpresas, mas nos dois encontros em apreço foi menos o milagre e mais a realidade que se impôs. 

5/16/2014

Fugir do Paraíso?


            No final da década de ’60 e no início dos anos ’70 do século passado, houve uma enorme vaga de emigração portuguesa para a Europa. Para o Brasil já tinha sido comum. Para os Estados Unidos e Canadá era algo mais recente. Mas para a Europa e com tal força aquela onda emigratória era inédita. Os anos ’60 e início dos ’70 coincidiram com a Guerra Colonial, mas esta esteve longe de ser a grande força motriz por trás da debandada de portugueses para França, Alemanha, Luxemburgo e outros países da Europa. Os baixos salários que os trabalhadores auferiam em Portugal quando comparados com os que eram pagos no estrangeiro falaram mais alto e levaram muitos e bons braços da terra portuguesa para fora da pátria.
            Curiosamente, essa foi também a altura em que o Portugal turístico, que era então em imagens publicitárias “o segredo mais bem guardado da Europa” atingiu (em 1964) o seu primeiro milhão de visitantes estrangeiros, número largamente superado anos depois.
            De entre os locais descobertos para o turismo sobressaía, como alguns se lembrarão, o nosso Algarve. O Algarve era publicitado como um paraíso de sol e de tranquilidade para visitantes endinheirados. Porém, mesmo do Algarve saíam centenas de emigrantes para os países europeus. Este facto levou a certa altura o Bispo do Algarve a comentar ironicamente que podia imaginar o gosto de alguém em largar o Inferno, mas que lhe era extremamente difícil entender que alguém estivesse interessado em abandonar o Paraíso. Tinha a sua lógica o comentário do Bispo.
            Embora a História, como se sabe, não se repita, é um facto que ela muitas vezes rima. Presentemente, os arautos do Governo português proclamam que a sua governação tem sido um sucesso; que a economia está a dar a volta e a recuperação já começou; que as exportações têm aumentado substancialmente; que, ao contrário do que muita gente esperava, o Governo se decidiu por uma “saída limpa”, calando assim as calhandras que só falavam de desastres. Voltámos à narrativa do Paraíso português!
            Ora, parece que de maneira algo semelhante àquela que levou tantos trabalhadores algarvios a emigrarem do seu Paraíso nas décadas atrás mencionadas, também agora é do Paraíso português propalado pelo actual Governo que duas conceituadas instituições financeiras decidem cessar a sua actividade em Portugal, i.e. abandonar o Paraíso. As duas instituições são sobejamente conhecidas. Uma delas é o Banco Barclays, a outra o BBVA (Banco Bilbao Vizcaya Argentaria). O primeiro está em Portugal há pelo menos 40 anos; o segundo está entre nós há um número inferior de anos: apenas há 23. Segundo o jornal espanhol El País, a operação portuguesa não oferece a rentabilidade esperada. É talvez um pouco mais do que isso, diga-se: nos últimos três anos de actividade em Portugal, o BBVA registou perdas que chegaram aos 133 milhões de euros. Para paraíso não está mal.
            Será que tanto os trabalhadores algarvios de há décadas como os bancos internacionais aqui referidos são insensíveis aos encantos do Paraíso?

5/06/2014

"A gente" e "as pessoas" serão uma e a mesma coisa?


O dicionário de língua portuguesa que geralmente uso diz-me, entre outras acepções do termo, que “gente” é um conjunto de pessoas, o género humano, a humanidade, o povo. É de facto esta a noção que a maioria de nós tem relativamente à palavra. Logo, pode parecer à primeira vista que “as pessoas” e “a gente” são a mesmíssima coisa. Talvez não seja bem assim.  

Na utilização linguística que vemos e ouvimos todos os dias, “a gente” surge-nos geralmente em expressões positivas, desculpantes ou vitimizadoras para quem fala. Há, portanto, uma tendência para nos incluirmos no “a gente” a que nos referimos. Exemplificando:

“Se a gente não é informada da razão do atraso na partida do avião, como é que podemos saber o que se passa?”
“Se não houver saída por esta rua, a gente vai lá por trás, por umas travessas, e sai na mesma.”
“O Governo precisa de dinheiro e a gente é que paga.”
“A gente” é geralmente sinónimo de “uma pessoa”, expressão que é também positiva e na qual igualmente tendemos a incluir-nos.
“Como é que uma pessoa pode decorar isto tudo – duzentas páginas - para um exame?”
“E depois querem que uma pessoa não proteste!”
“Como é que querem que uma pessoa possua sentido crítico, se na escola não nos ensinam a pensar criticamente, a pôr as coisas em dúvida?”

            Pelo contrário, quando utilizamos – e fazemo-lo com grande frequência – a expressão “as pessoas”, colocamo-nos geralmente de fora e tendemos a expressar uma crítica, na qual nos incluímos apenas como bom elemento observador e não como alvo da opinião geralmente negativa que é expressa. Exemplificando:
          
                “As pessoas estão a ficar cada vez mais porcas. Agora nem põem o lixo nos contentores.”
            “As pessoas estão todas a monte aqui à frente no autocarro, quando há tantos lugares vagos lá atrás!”
            “As pessoas agora não sabem nada de História ou de Geografia de Portugal. No meu tempo sabíamos tudo de cor e salteado.”
            “As pessoas agora não querem trabalhar. Preferem receber subsídio de desemprego.”
          
           Como no nosso país criticar há muito que se transformou numa instituição nacional, quando ouvimos alguém usar “as pessoas” como sujeito de uma oração sabemos antecipadamente que vamos ter algo reprovativo. Em princípio não ofende ninguém em particular ou, visto de outro ângulo, atinge toda a gente, com clara e óbvia excepção de quem formula a censura, que se arvora em professor ou professora do povo: se pudesse, endireitaria este mundo e o outro. Infelizmente, não pode. À guisa de compensação, invectiva tudo e todos.
            
          
Se prestarmos atenção, encontraremos este quadro em muitos lados e em variadíssimas ocasiões. E se a nossa atenção for implacável, talvez nos encontremos também nós próprios a pintar esse quadro de “as pessoas”.

4/20/2014

AGUENTAR OU NÃO, EIS A QUESTÃO


          Num dos pelotões militares que, como oficial miliciano, me atribuíram para a obrigatória recruta, encontrei um soldado que era na altura campeão nacional de 5 000 metros. Nas boas instalações que tínhamos no quartel, ele treinava diariamente ao ar livre a sua corrida, de uma maneira que para mim constituiu alguma novidade: corria 100 metros para um lado, descansava uns segundos, corria 100 metros em sentido contrário, e ali estava um ror de tempo exercitando-se sem cansaço aparente. Eu tinha na altura uma razoável preparação física e, falando com ele, admiti que não aguentaria treinar durante tanto tempo. “É preciso praticar”, dizia-me ele. “Depois aguenta-se melhor.” Era o clássico conceito de Practice makes perfect aplicado à corrida. “Mas há uns que aguentam melhor e outros que não aguentam mesmo”, contestei eu. O soldado, que corria por um dos grandes clubes do país, admitiu naturalmente que isso também era verdade e confessou-me, a meu pedido, onde é que arranjara aquela resistência toda: “Fiz muito contrabando lá na minha terra. Tinha que percorrer grandes distâncias.”

          De facto, a prática é muito importante, mas só testando as pessoas se vê se elas aguentam ou não um determinado esforço. Mudando de agulha neste discurso, quero lembrar que o Governo do nosso país nos tem aplicado doses maciças de impostos e de cortes nos rendimentos que vêm testando a nossa capacidade de suportar esses esforços. 

        Aumentou a pobreza no país, o desemprego tornou-se uma praga, foi reduzida a assistência na doença mas, melhor ou pior, o povo tem na generalidade aguentado o sacrifício. Tem crescido o número de suicídios e divórcios, tem diminuído o número de crianças nascidas, morre-se em Portugal mais do que se nasce. Mas há ainda muita gente que vem aguentando, gente que parece ser em número demasiado elevado na óptica do Governo. O ideal era que desaparecessem mais pessoas, através de morte natural ou auto-infligida, ou através da emigração para outras paragens.

          Todavia, o Governo, que se preocupa primordialmente com as contas públicas e tem os seus alvos fiscais preferidos, já pode dizer agora, após três anos de experiências agravadamente repetidas, que os esforços apodados de temporários vão passar a definitivos. A prática mostrou que há muita gente que os aguenta, pelo que não há argumentos que possam destruir os factos.

          O “aguenta, aguenta!”, que se tornou célebre depois de saído da boca de um conhecido banqueiro português, não consistiu apenas em palavras. Foi todo um processo para verificar as reacções e os respectivos resultados.

          O antigo soldado do meu pelotão tinha razões de sobra para confiar na prática do treino.