5/16/2014

Fugir do Paraíso?


            No final da década de ’60 e no início dos anos ’70 do século passado, houve uma enorme vaga de emigração portuguesa para a Europa. Para o Brasil já tinha sido comum. Para os Estados Unidos e Canadá era algo mais recente. Mas para a Europa e com tal força aquela onda emigratória era inédita. Os anos ’60 e início dos ’70 coincidiram com a Guerra Colonial, mas esta esteve longe de ser a grande força motriz por trás da debandada de portugueses para França, Alemanha, Luxemburgo e outros países da Europa. Os baixos salários que os trabalhadores auferiam em Portugal quando comparados com os que eram pagos no estrangeiro falaram mais alto e levaram muitos e bons braços da terra portuguesa para fora da pátria.
            Curiosamente, essa foi também a altura em que o Portugal turístico, que era então em imagens publicitárias “o segredo mais bem guardado da Europa” atingiu (em 1964) o seu primeiro milhão de visitantes estrangeiros, número largamente superado anos depois.
            De entre os locais descobertos para o turismo sobressaía, como alguns se lembrarão, o nosso Algarve. O Algarve era publicitado como um paraíso de sol e de tranquilidade para visitantes endinheirados. Porém, mesmo do Algarve saíam centenas de emigrantes para os países europeus. Este facto levou a certa altura o Bispo do Algarve a comentar ironicamente que podia imaginar o gosto de alguém em largar o Inferno, mas que lhe era extremamente difícil entender que alguém estivesse interessado em abandonar o Paraíso. Tinha a sua lógica o comentário do Bispo.
            Embora a História, como se sabe, não se repita, é um facto que ela muitas vezes rima. Presentemente, os arautos do Governo português proclamam que a sua governação tem sido um sucesso; que a economia está a dar a volta e a recuperação já começou; que as exportações têm aumentado substancialmente; que, ao contrário do que muita gente esperava, o Governo se decidiu por uma “saída limpa”, calando assim as calhandras que só falavam de desastres. Voltámos à narrativa do Paraíso português!
            Ora, parece que de maneira algo semelhante àquela que levou tantos trabalhadores algarvios a emigrarem do seu Paraíso nas décadas atrás mencionadas, também agora é do Paraíso português propalado pelo actual Governo que duas conceituadas instituições financeiras decidem cessar a sua actividade em Portugal, i.e. abandonar o Paraíso. As duas instituições são sobejamente conhecidas. Uma delas é o Banco Barclays, a outra o BBVA (Banco Bilbao Vizcaya Argentaria). O primeiro está em Portugal há pelo menos 40 anos; o segundo está entre nós há um número inferior de anos: apenas há 23. Segundo o jornal espanhol El País, a operação portuguesa não oferece a rentabilidade esperada. É talvez um pouco mais do que isso, diga-se: nos últimos três anos de actividade em Portugal, o BBVA registou perdas que chegaram aos 133 milhões de euros. Para paraíso não está mal.
            Será que tanto os trabalhadores algarvios de há décadas como os bancos internacionais aqui referidos são insensíveis aos encantos do Paraíso?

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