7/30/2005

Lotarias ou lutarias?

Será difícil obter uma forma que revele de maneira mais nítida a mentalidade portuguesa do que a recente capa de um diário nacional. Vinte e duas personagens mediáticas foram inquiridas sobre a sua reacção a um eventual ganho de mais de 113 milhões de euros no concurso Euromilhões. Os portugueses são de há muito vistos como um povo que procura obter o máximo, trabalhando o mínimo. É neste sentido que a referida capa acerta na mouche. Nenhuma das personalidades convidadas a dar a sua opinião se esquivou a dar o seu alvitre relativamente ao uso que daria a tanto dinheiro caído assim do céu. Dinheiro obtido sem que o contemplado tenha tido praticamente que mexer uma palha.
Dizem as estatísticas que os portugueses, apesar de serem apenas cerca de 10 milhões, apostam mais do que qualquer um dos outros oito países do Euromilhões. Desde Outubro de 2004, os nossos compatriotas já terão colocado apostas no valor de 626 milhões de euros. Este número não pode deixar de ser considerado extraordinário se for comparado com o de países como a França (573 milhões), a Espanha (530) e o Reino Unido (160 milhões). A Suiça não apostou mais do que 105 milhões, a Áustria 85 e a Irlanda 25 milhões. São números que dão que pensar. A cultura, a religião e a desigualdade social produzem estes resultados. Eis um bom tema para os sociólogos.
Sortes deste tipo são o sonho de muitos portugueses: ter a benesse dos deuses para não ter que se preocupar com o trabalho. A prová-lo está o número de vezes que o tema "reforma" é abordado entre trabalhadores, nomeadamente os mais citadinos. O diálogo contém quase invariavelmente esta linha: "A mim ainda faltam X anos! Tomara que a reforma viesse já amanhã!" A reforma é vista por inúmeros portugueses como o paraíso. Entretanto, todo o longo período que foi ou é preciso percorrer até alcançar esse visionado paraíso surge como o purgatório. Não admirará, portanto, que tão pouca gente se sinta realmente motivada para o trabalho. Não surpreenderá, igualmente, que a produtividade seja tão baixa.
Esta é uma doença seriíssima da sociedade portuguesa. Infelizmente, tem vindo a agravar-se. A conversa sobre os "nossos" direitos prevalece, vezes sem conta, sobre o tema dos deveres. É como que para compensar os longos tempos em que outros intervenientes da sociedade tiveram maioritariamente deveres e usufruíram de bem poucos direitos.
Não é nada fácil sairmos do buraco em que a sociedade se encontra. Sabemos, no entanto, que o exemplo tem de vir de cima -- da camada social que ocupa lugares de relevo, por riqueza, por poder político e por poder intelectual. Sem esse exemplo, muito pouco se poderá fazer. Ora, essa é a agravante desta doença: os potenciais intervenientes da mudança não mostram qualquer intenção de o fazer.
Temos um país que consegue a triste proeza de ser ainda mais assimétrico na distribuição da riqueza do que o é na forma como a população se distribui entre o litoral e o interior. Os níveis de injustiça social são inadmissíveis numa nação que, desde a sua adesão à CEE há praticamente vinte anos, recebeu, per capita, mais fundos do que qualquer outro dos restantes membros. Ocorre-nos aqui o clássico ditado: "Quem parte, reparte, e não fica com a maior parte, ou é tolo ou não tem arte." Ora, quem recebeu e repartiu teve de facto arte de bem distribuir. Escolheu os do seu clube, aqueles que mais tinham. Fundos europeus, que se esperava chegassem não só para atenuar as diferenças de Portugal em relação à Europa como para esbater os desníveis dentro do próprio país, contribuíram, contrariamente, para aprofundar este desnível nacional e, quanto à aproximação com as restantes nações europeias, para nos distanciarmos em vez de nos avizinharmos. Esta é uma verdade evidente, que os números não deixam negar. Entretanto, símbolos ostensivos de riqueza, como o número de carros de altíssimo preço que são vendidos em Portugal, mostram, se outros indicadores não fossem suficientes, para atestar que, como um conhecido ditado nos ensina, "os rios correm para o mar". Mais dinheiro para quem já o tem, desvirtuando não só a intenção de quem enviou os fundos como deixando também mais desprotegida uma parte significativa da população.
O quarto jackpot de Portugal -- o de Bruxelas, depois do da Índia, do Brasil e o de África -- poderia ter trazido enormes benefícios, mas acabou por levar o país a, mais uma vez, singrar a senda do dinheiro fácil, caído do céu. Cada vez se torna mais difícil endireitar a sombra desta vara torta. Em vez de democracia, temos de certo modo uma plutocracia, constituída pelos diferentes poderes acima indicados -- os mesmos que poderiam e deveriam dar o exemplo de responsabilidade, contenção de custos, fiscalidade mais directa e ajustada. Mas a vida é assim. Como diria um amigo meu, não desanimemos. Lutemos. A esperança não pode morrer.

7/26/2005

Inglish ma non troppo

As línguas têm realmente muito que se lhes diga. Sobre as traduções de uma maneira geral, os italianos costumam dizer traduttore tradittore, o que evidentemente significa que os tradutores são traidores -- da língua, claro. Misoginamente, os britânicos gostam de dizer que as traduções são como as mulheres: as que são fiéis não são bonitas, as que são bonitas não são fiéis. Enfim, seja como for, em matéria de traduções admito que não conheço nada melhor do que um guia turístico sobre Portugal que foi, muito traiçoeiramente para a língua shakespeariana, vertido para inglês. Macarrónico é o adjectivo que costumamos aplicar em casos destes. Aqui, não creio que macarrónico seja suficiente.
Foi por volta de 1920 que saiu a público um Illustrated Guide of Lisbon, Estoris, Cascais and Cintra. É uma pérola preciosa para ilustrar a forma como não se deve traduzir, mas acaba por ser, por outro lado, uma amostra deliciosa desse mesmo facto. O livro apresenta innumerable gravings e fornece informações úteis sobre o país, o povo e os seus costumes. Como o visitante descobrirá por si mesmo, Lisbon is a beautiful city offering all comodities to the visitant and, the habitudes of the Portuguese people, simple and typic.
No que respeita a alojamento, existem unidades hoteleiras para todos os gostos e ao alcance de todas as bolsas. No Hotel Avenida Palace o turista tem à sua escolha 120 chambers with warm and cold water and, all rooms with telephone to the city. No Hotel Americano, que fica perto, a água é também warm mas, para além disso, são oferecidas cleanliness and nicety. Durante os meses mais frios, o Hotel Suiço Atlântico será porventura uma escolha mais acertada, pois oferece hot water and treatment of the first order. Mas se o visitante não gostar de água canalizada, deverá então rumar a Coimbra e ficar no Hotel Astória, onde terá à sua espera flowing water in all rooms.
Na eventualidade de ser por razões de saúde que o turista estrangeiro procura Portugal, o guia fornece-lhe uma longa listagem dos best dwelling places with explendid water for various sufferings. Mas se a sua saúde está impecável, então é essencial que visite a Costa do Sol, onde the blue and immaculated sky is genuinely Portuguese with many beautiful clouds and, where life is quiet, simple and far from the luxury of civilisation which tires and fatigues.
O combóio a vapor sai do Cais do Sodré e a viagem proporciona ao turista a view of store-houses, docks and the Maritime Port of Desinfection. Em Paço d'Arcos deve procurar ver the siege of the School of the Torpedos Fixos e mais à frente, em Carcavelos, the siege of the Cable Station. Do combóio ainda terá oportunidade de ver a variety of queer rocks. A 25 km. de Lisboa, o visitante encontrará a terra prometida com a sua flora, specially that of Monte Estoril, that is famous for its queerness and exuberance.
Como é uma zona privilegiada, onde tudo se conjuga to become its beautiful sweeter, o visitante pode ser tentado a ficar lá de noite. Nesse caso, o guia recomenda o Grand Hotel Estrade, que fornece aos hóspedes the latest sanitary and other up-to-date improvements. Perto, fica o igualmente excelente Hotel Miramar, equipado com the latest sanitary implements e que, além disso, é the rendezvous for the five o'clock teas in the terrace.
Mas se o turista não é amante de desportos ao ar livre, é possível que o Hotel Paris constitua uma escolha melhor, na medida em que tem a billiard table in the basement to avoid inconvenience to guests. O guia recomenda uma saltada à Boca do Inferno, com its splendorous aspect, where the sea roaring transforms its calmness in the most furiosity into the rocks.
O percurso entre Cascais e Sintra constitui a beautiful walk with fine panorama. The Park of Pena has many fountains, lakes, gardens and splendid collection of original vegetation. Cintra tem inúmeros atractivos para o visitante, o qual não deverá de forma nenhuma deixar de conhecer por dentro o velho Palácio Real, onde King Edward VIIth and William the second had breakfast on the hall.
Tal como Lisboa, também Cintra dispõe de uma excelente gama de alojamentos. O Hotel Nunes provides hot and cold water canalised in all rooms and, the Hotel Netto, para além de ter electricidade, serves breakfast and dinners of host and caution.
Antes de regressar a Lisboa, o visitante deverá considerar a hipótese de dar um salto a Mafra e ao seu convento. To make a complete idea of the vast dimensions of the Mafra Convent it is must to say that it is quadrilater measuring 40 thousand square metres, having in each face more than 200 doors and the windows and the total being five thousands. One of the chim of the bells weighs 12 thousand kilos. Mais do que cem anos antes, Beckford terá dito sobre Mafra: Never my eyes have seen such precious marbles as those ones shine up and down round my heads. Never my eyes have seen corinthic chapiters so nicely curved.
De volta a Lisboa depois desta exaustiva viagem, o visitante poderá ainda desejar fazer algum turismo no conforto de um táxi; encontram-se muitos destes táxis with stand in the main artery of the town and the fares are shown in the tables that the same manifest. Se se quiser voltar a sair da cidade, a ideia de andar de combóio é perfeitamente viável: the railway takes place day by day, setting Lisbon in intercourse with all the towns of the country, villages and foreigner.
(Este texto foi adaptado de um artigo publicado já há largos anos no Anglo-Portuguese News. Considero-o uma verdadeira jóia.)

7/25/2005

Origem das Palavras VI - Castelo de S. Jorge

Há um santo na história de Portugal que foi, a partir de certa altura, ingratamente talvez, posto de lado pelos nossos compatriotas. O santo em questão chamava-se Iago, nome difícil já de si, derivado de Iacob. Em face da dificuldade de pronúncia, galegos, castelhanos e portugueses não estiveram com meias medidas: prefixaram-no de "Santo" e passaram a chamar-lhe "Santiago". Ora, sucede que esse santo tinha uma fama terrível de mata-mouros. Não havia, portanto, luta contra a moirama conduzida por forças ibéricas que o não invocasse. Com esse inimigo comum para os cristãos, tudo correu bem até à batalha de Aljubarrota. Aí, os nossos inimigos castelhanos -- ajudados por bem treinados cavaleiros da Gasconha -- traziam-no como padroeiro,embora os portugueses não fossem propriamente mouros. Quanto às lusas hostes -- ajudadas por mercenários ingleses com bom treino da arte de guerrear adquirido durante a celebrada Guerra dos Cem Anos -- tinham igualmente Santiago como padroeiro. O problema era bicudo. Criar-se-iam hesitações ao santo, suposto ser neutro num caso destes (esta parte da história lembra-me "As Peregrinações de um Santo", um belo texto escrito por uma das nossas co-bloguistas). Para não o colocar em maus lençóis, os portugueses decidiram então pedir emprestado aos ingleses, que na altura eram ainda católicos, o seu santo padroeiro: S. Jorge. Fosse porque S. Jorge estivesse habituado a lutar contra o dragão ou porque os gascões não sabiam da presença dos ingleses e julgavam que a batalha seria ganha facilmente, o certo é que os melhores cavaleiros gascões foram feitos prisioneiros quando decidiram avançar sozinhos, uma vez que as suas montadas foram certeiramente atingidas pelos Robin Hoods que tinham vindo em nossa ajuda. Com os seus convidados prisioneiros e, logo a seguir, mortos, o rei dos castelhanos decidiu que aquela não era a ocasião ideal para combater e decidiu voltar para casa. Estava decidida a batalha de Aljubarrota e, com ela, a independência de Portugal. O rei português casou entretanto com uma nobre inglesa, tiveram filhos ilustres e viveram muito felizes. Ao castelo de Lisboa onde residiam quando não estavam no seu palácio de Sintra decidiram dar o nome do santo que, na batalha contra Santiago, lograra obter uma retumbante vitória. É assim que até hoje temos, no topo de uma das sete colinas da cidade, o Castelo de S. Jorge.

7/24/2005

Reciprocidade

Sucede a todos nós ficarmos na memória com factos que presenciámos na infância ou adolescência, passagens de livros ou cenas de filmes. Recordo-me da cena de uma bela película de René Clair, em que um rapaz de treze ou catorze anos entra numa cervejaria cheia de homens. Vê de súbito o seu boné ser-lhe retirado da cabeça por um engraçado. Num ápice, o boné está a ser lançado pelo ar para uma mesa onde estavam outros homens, perante o desespero do rapaz que corre a tentar apanhar o boné apenas para o ver voltear de mesa em mesa. A rabia faz todos aqueles homens gozarem como perdidos. Sucedem-se as gargalhadas. Até que, num dos volteios, de grupo em grupo e mesa em mesa, o boné escapa à mão de quem o devia agarrar. O boné entorna-lhe a caneca de cerveja, sobre a mesa e sobre si próprio. Aí, o homem que antes rira desbragadamente, manda "alto e pára o baile!" Cessa-lhe a gargalhada, solta-se-lhe a ira.
É óbvio que a cena me ficou gravada pela exploração que os mais fortes frequentemente fazem dos mais fracos. Pela troça que gostam de fazer, mas que não admitem em atitude recíproca.
Todo este arrazoado vem a propósito do ocidente e da China. A Europa, que sempre mandou e explorou os outros -- veja-se a colonização, que durante séculos levou à exploração de matérias-primas e depois à exportação de produtos e de modos culturais impostos aos territórios invadidos -- dá-se mal se agora a invadem com produtos que economicamente a prejudicam. São a mesma Europa e América que não hesitaram na deslocalização de fábricas para o país do rapaz do boné, na venda de maquinaria a bom preço e na invasão cultural por vários meios, que agora reagem. A situação recorda-me Portugal país-de-emigração a dar-se mal como país-de-imigração. Quem nunca se pôs na pele do outro, não sabe o que dói ser invadido e tratado como inferior. Vêm-me à memória, nem sei bem porquê, aquelas pessoas que, sem pensarem duas vezes, tratam indivíduos da sua idade por tu, mas não admitem tratamento recíproco.

7/23/2005

Portugal no mundo

Há uns quinze dias, a comissão que promove a candidatura do Palácio do Marquês a património mundial levou a efeito animadas festas em Oeiras. Nada tenho contra as festas, que sempre foram necessárias para animar as hostes. Já sobre a candidatura do Palácio a património mundial, parece-me que é primordialmente a expressão de um real provincianismo que busca apoios internacionais para se rever ao espelho. É que as notícias sobre as candidaturas portuguesas a património mundial sucedem-se. Salvo erro, temos já 13 lugares reconhecidos como tal. Pois eis que a Baixa de Lisboa também já é candidata a património mundial! E na forja estão mais uns quatro ou cinco locais. Voltamos à conhecida expressão "o melhor no seu género", que foi apanágio do nosso país durante tantos anos. Em vez de se avançar com projectos inovadores, quase que se pretende que seja a organização internacional a proteger-nos. Com o crachat de Património Mundial, as autoridades já poderão dizer aos senhores do imobiliário: "Alto! Aqui é coito!".
Entretanto, como informa o jornal Público, amanhã, 24 de Julho, a Liga dos Amigos de Cercal do Alentejo e os Bombeiros Voluntários locais vão organizar a maior sopa do mundo, com vista a conseguir inscrever o feito no Guinness Book of Records. Irão confeccionar 4500 litros de gaspachão, nos quais vão gastar 1000 quilos de tomate, 400 quilos de pimento, 300 quilos de pepino, 400 quilos de pão, 200 litros de azeite, 100 litros de vinagre e 3000 litros de água. Louvavelmente, as receitas da venda do gaspacho irão contribuir para a aquisição de uma ambulância medicalizada.
Não sei porquê, tudo isto me lembra os documentários oficiosos que antigamente passavam nos cinemas antes da exibição do filme principal.

7/21/2005

Matriz de Acontecimentos (21 Julho 2005)

Decorre até dia 24 o Mercado Medieval de Óbidos.

O programa radiofónico «A Menina Dança?» mudou de horário, estando a passar na Antena 1 à meia-noite de Domingo para Segunda.

Quinta-feira, dia 21:
às 19h00, no Instituto Alemão, «Jazz im Goethe-Garten» Thomas Wallisch (guitarra eléctrica) e Oli Bott (vibrafone, voz, percussão), - convites pelo 218824510;

pelas 21h00, no Café Nicola, «Diálogos» guitarra (André Matos) e contrabaixo (Demian Cabaud).

Sexta-feira, dia 22:
às 21h30, no Observatório Astronómico da Ajuda, conferência «1919: A Relatividade e o Observatório Astronómico da Ajuda».

Sábado, dia 23:
às 21h30, no Cine-Teatro António Pinheiro, Tavira "Os quatro coroas", Música Antiga do Brasil.

Domingo, dia 24:
às 12h00, no CAMJAP (?Centro Arte Moderna da Gulbenkian?) visita temática do ciclo?Movimentos? «Existe um Pós-Modernismo Artístico?»;

Terça-feira, dia 26:
às 22h30, na 2:, última parte do documentário «A Minha Viagem a Itália» por Martin Scorcese.

Quarta-feira, dia 27:
às 23h30, na 2:, Ana Sousa Dias vai conversar com Nuno Portas.

A seguir
Grande gala de ópera, em Braga (Elisabete Matos, Carlos Guilherme e Kostantin Gorny) por 7,5 ?, dia 29.

Orquestra de Jovens da União Europeia, Casa da Música, dias 29 a 31.

«Jazz em Agosto», na Gulbenkian

No Beer Deck, do CC Vasco da Gama: Paulo Gonzo (dia 3), Trio de Mário Laginha (dia 10), Sara Serpa (dia 17).

Já estão à venda bilhetes (caros) para a Pina Bausch (São Luiz, 29 de Setembro a 9 de Outubro)

Vou suspender o envio das sugestôes até vinte e tal de Agosto. São as férias?

Download do ficheiro das Sugestôes (21 Julho 2005)Boas Férias!

JMiguel

Caiu a máscara!

No dia em que Sócrates se guindou a Primeiro-Ministro, escrevi neste blog que o seu grande teste seria o madeirense Alberto João. Esse teste não consistia no abrandamento da incontinência verbal do chefe da Madeira -- incontinência essa que já faz parte do bailinho insular --, mas sim no controlo apertado das finanças públicas da Região Autónoma, na parte que verdadeiramente dói. Até ao momento, Sócrates nada fez.
Há poucas semanas, não foi por acaso que aqui registei antigas palavras de Cavaco Silva, ainda apenas como professor universitário, comentando a facilidade do enviesamento da economia pelos políticos e as suas consequências -- ele que, infelizmente, viria a seguir essa senda mais tarde como Ministro das Finanças e como Primeiro Ministro.
Neste momento, sejamos claros: o descontrolo das finanças públicas portuguesas é enorme. Foi elaborado um plano de recuperação para Bruxelas, com a credibilidade possível para fazer baixar para 6,2% do PIB o défice público no final do corrente ano. O valor de 6,2% é inédito em termos da zona euro! A ele se junta uma dívida pública avultada, que também ultrapassa os limites estabelecidos.
Pois bem! É nesta ocasião particularmente difícil, quando é preciso reforçar a componente técnica do governo e diminuir a componente política -- da qual todos estamos fartos e vemos as consequências não só no dia-a-dia como também no horizonte de curto e médio prazo -- que Sócrates resolve forçar a demissão de um homem que tem provado ser mais técnico do que político. O artigo de Campos e Cunha, publicado na edição de domingo do Público, é obra de um homem de bom senso, um administrador que sabe que só se consegue arrumar a casa com verdadeira contenção. O artigo não menciona nem a Ota nem o TGV, mas é evidente que acha esses projectos despropositados neste momento. São projectos de fachada política. Sócrates não aprendeu a lição de Santana Lopes. Cedeu, tal como Cavaco Silva, aos políticos. Não admitiu opiniões minimamente pensantes no seu governo. Actuou de forma que neste blog apodei de "castração política". Agora, quem é que aguenta os Jardins e os esfomeados autarcas, ansiosos de ganhar eleições? "É fartar, vilanagem!".
A partir daqui, Sócrates contará com tudo, menos com o apoio deste cidadão.

7/20/2005

Body count

Não é com agrado que volto ao assunto, mas ficaria mal comigo próprio se não referisse alguns dados do relatório do Oxford Research Group, que foi ontem divulgado em Londres. O relatório informa que desde o início da guerra no Iraque, em Março de 2003, perderam a vida, por morte violenta, cerca de 25 mil civis. Segundo o grupo académico acima mencionado, 37 por cento foram mortos pela coligação anglo-americana, ocupante do Iraque. Esses trinta e sete por cento representam mais de 9 mil inocentes, entre os quais muitas mulheres e crianças.

7/19/2005

ÁGUA

Numa conferência a que há anos, por dever de ofício, assisti, acabei por aprender várias coisas que me ficaram até hoje. O palestrante, simpaticamente informal, era um indivíduo pertencente a uma minoria católica síria. Falou-nos das dificuldades das minorias religiosas, mas onde decerto impressionou mais a assistência foi ao realçar os problemas ocasionados pela falta de água. Chegou a dizer: "Se tivéssemos água em quantidade suficiente, como vocês aqui, a maior parte dos nossos problemas não existiriam."
Lembrei-me deste indivíduo quando há dias li no Público um caso típico de falta de civismo, generalizada e consciente. Neste ano terrível de seca, em que a chuva teima em não cair lá de cima, eis que os números nos informam que, durante o passado mês de Junho, o consumo de água no Algarve ultrapassou os gastos do mesmo mês do ano passado em 20 por cento! A agravar o caso -- ou talvez não, para os curtos de vista --, outra notícia diz-nos que foram reactivados mais de 20 furos no Barlavento algarvio. Albufeira e Portimão são os concelhos que verão mais furos desactivados voltar a jorrar água, mas também Lagos, Lagoa e Vila do Bispo vão activar os seus furos, numa média de entre três e dez furos por município.
Creio que, infelizmente, vai haver más razões para eu me lembrar mais vezes das palavras do sírio de minoria católica.

7/18/2005

Entregue à bicharada

Há dias andei a pé na Baixa de Lisboa. O que vi deixou-me desolada, e a pensar que o presidente que vier com as autárquicas deveria instituir como medida prioritária o combate ao desleixo.

Não têm conta, nas ruas da Baixa (mas não só) as intervenções começadas e não acabadas: é o sinal que se colocou e a calçada retirada que lá ficou ao pé, agora já espalhada e o buraco transformado em armadilha para os transeuntes; é a canalização provisória e a ligação de desenrasca que se fez e assim está há anos; são restos de materiais de pequenas obras de construção civil mais dispendiosos de recolher do que de abandonar; são tampas de caixas partidas, enfim, é o pó que se levanta de tudo aquilo!

Por que razão andam os empreiteiros completamente à rédea solta dentro de Lisboa?!
Onde andam os fiscais de obras da Câmara?!

Como se explica que não haja passeio que não esteja interrompido por pequenos e mal engendrados estaleiros de obras - quatro ferros espetados no chão e umas fitas a cercá-los são o bastante - , muitos deles não albergando senão restos de entulho sabe-se lá há quanto tempo?!

É um desconsolo de ver. Pela centésima vez me pergunto o que leva os turistas a gostar de Lisboa e com que impressão viríamos nós de um país que assim se nos apresentasse.

Bem gostaria que o próximo elenco camarário desse luta sem tréguas a esta chaga que é o desleixo público, em vez de se ficar pelos mais que estafados grandes problemas (trânsito, desertificação do centro, infraestruturas envelhecidas, recuperação do parque habitacional,...), que a falta de verbas acaba sempre por passar para a legislatura seguinte.

É que aquilo de que falo não tem nada a ver com escassez de verbas: é, tão-somente, puro DESMAZELO! E este combate-se mais com persistência do que com «cabimento orçamental»?

7/17/2005

Casamento para toda a vida?

Na sociedade competitiva em que vivemos, que exige de muitos de nós constantes esforços para nos cultivarmos e nos superarmos a nós próprios, será normal o casamento para toda a vida? Repare-se que, longe dos mais plácidos tempos em que se vivia num pronunciado ritmo de rotina, presentemente há muitas empresas e demais instituições que exigem renovadas acções de formação e definem objectivos ambiciosos para quem nelas trabalha; neste sentido, a dinâmica das nossas vidas está a largas milhas da calma e do sossego de outros tempos. Os apelos sociais também são em muito maior número do que no passado.
Ora, a sociedade baseia-se em indivíduos. Não em casais. São os indivíduos que, como células únicas, realizam produção, em coordenação com outras células. A situação mais comum é a de que, no caso de ambos os membros do casal possuírem um emprego, este seja diferente para cada um deles. Nesta linha de não-coincidência para ambos de necessidades de promoção de status e mesmo de oportunidades para progredirem, tem de considerar-se como perfeitamente natural que um deles acabe por superar em muito o outro, tornando divergentes alguns dos interesses e expectativas do casal -- contrariamente ao que sucedia quando decidiram casar-se. É aqui que a pergunta se coloca: será o casamento uma instituição para toda a vida? Não tenderá a rotina ou a frustração a instalar-se progressivamente num dos cônjuges a certa altura? Não será, pelo menos, mais provável que isso aconteça nos dias de hoje do que no passado?

Origem das Palavras - V

Que a linguagem dos bebés (e para os bebés) vive de sílabas repetidas nós já sabemos bem: do tau-tau ao chi-chi, da titi ao vôvô, do tété ao popó e do bebé ao cocó vai uma longa cadeia de repetições, que mostram, aliás, que todo o ensino exige repetição das coisas. Entretanto, como é óbvio, as primeiras repetições vão para "mamã" e "papá", os entes mais chegados do néné.
Para um grupo de artistas do começo do século passado, "maman" foi considerado o paradigma do primeiro grito emocional da criança. E, como expressão intelectual, qual era a primeira palavra que brotava da boca da mesma criança? A resposta foi: "da-da". E esse, pela natureza do projecto, foi o nome que deram ao seu movimento. Daí o dadaísmo.

7/15/2005

A Bem da Nação

Você considera-se suspeito? "Suspeito de quê?", perguntará. Ora, de qualquer coisa. Nem que seja "suspeito de ser suspeito". O Governo pode suspeitar de alguém que você contacte e, por tabela, você é suspeito. O Governo pode suspeitar das razões que o levam a comprar um certo livro ou a fazer determinada viagem. Potencialmente, você é sempre suspeito. Agora, imagine que, na base dessa suspeição, que pode ou não vir a confirmar-se mas precisa de ser averiguada, as autoridades violam a sua correspondência, efectuam escutas dos telefonemas que você faz e recebe, procedem mesmo a uma busca ao seu domicílio e devassam os seus múltiplos dados pessoais.
Se você for português e tiver uma idade acima dos 50 anos, toda este panorama lhe recordará os famigerados tempos da PIDE (Polícia de Defesa do Estado). Se você for cidadão residente nos Estados Unidos nos dias de hoje, não tem que se admirar. Tudo isto está a acontecer há cerca de quatro anos na "pátria dos campeões da democracia", em razão do Patriot Act, legislação fabricada pela Administração americana e publicada após o 11 de Setembro de 2001. Diz-se que é muito do agrado dos fãs de Bush.

7/12/2005

Origem das Palavras IV

Numa das viagens que Cristóvão Colombo realizou ao Novo Mundo, no virar do século XV para o XVI, houve marinheiros portugueses que adoeceram gravemente a bordo, com escorbuto. Eram homens que conheciam de antemão a sua sorte: após a morte, os seus corpos seriam atirados ao mar para não causarem epidemia na embarcação. Pediram a Colombo que os deixasse ir morrer na ilha deserta que se avistava do barco em que seguiam. Colombo acedeu. Foi arriado um escaler, que colocou os homens em terra firme.
Entretanto, enquanto aguardavam a morte, os homens foram-se alimentando de folhas e frutos silvestres, que a ilha possuía em quantidade. Meses mais tarde, quando o barco de Colombo regressava pela mesma rota, o piloto avistou pessoas na ilha, agitando freneticamente os braços. Foi enviado a terra um bote, que trouxe todos os homens. Cheios de vida e saúde, tinham-se curado comendo alimentos frescos. No diário de bordo, Colombo assinalou, a 12º de latitude norte, a ilha onde se dera o milagre da "ressurreição" daqueles homens. Chamou-lhe a ilha da cura, que no português antigo se dizia "curaçam" (curação). Ainda hoje é a ilha de Curaçau.

7/11/2005

Civismo / Cidadania - I

Hoje vou falar de coisas que julgo positivas. Creio que seria bom que, no final dos telejornais, houvesse uma rubrica com um filme inteligente, de menos de um minuto, sobre o tema CIVISMO-CIDADANIA. Isto para que não existam apenas programas alienantes, daqueles que contêm gargalhadas pré-gravadas e põem os espectadores de sorriso amarelo. Torna-se necessário mostrar, de maneira persuasiva, coisas sérias, que até podem e devem ser ditas a sorrir. Não são sobre o défice, nem sobre a crise. São todas coisas simples e triviais, mas nem por isso menos importantes. Isto é cidadania -- para as pessoas e também para a estação de TV pública. O final do telejornal da RTP 1 seria, como sugiro acima, a altura conveniente para produzir algo eficaz.

Quedemo-nos hoje pelos transportes colectivos. Eduquem-se os passageiros para as vantagens da disciplina. O ponto número um parece dever ser o de não se utilizar nunca a porta de entrada nos transportes colectivos -- nomeadamente autocarros -- para sair. A desculpa de que o transporte está cheio não colhe. Cada passageiro deve preparar a sua saída a tempo. A educação faz-se também pelo combate ao egoísmo e à indisciplina. As empresas responsabilizarão todos os seus motoristas por eventualmente permitirem que alguém saia pela frente. Pretende-se com o filme que as pessoas, depois de o verem várias vezes, comecem a "condenar" os passageiros que insistem em sair pela frente.

Igualmente nos transportes públicos, nota-se cada vez mais que existe uma tendência para os passageiros ocuparem o lugar da coxia, mesmo se o outro estiver vago. A desculpa de que vai sair "já ali" não é aceitável. Depois, outros passageiros não se sentam para não incomodar. Irão de pé, enquanto os "coxios" continuam gostosamente isolados no seu assento. É preciso combater esta manifestação de egoísmo e consequente falta de solidariedade.

Um dia destes vêm mais sugestões. Aguardo, entretanto, a vossa contribuição. Há muito a fazer na sociedade portuguesa no que respeita a civismo.

7/10/2005

Reproduzo um artigo do The New York Times, retirado do Courrier Internacional da passada sexta-feira.
Sem comentários - o texto fala por si.
(para leitura, clicar sobre a imagem)

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7/08/2005

Londres

O choque foi maior por termos presenciado, no dia imediatamente anterior, explosões de alegria da população pela vitória na candidatura aos Olímpicos. Em Londres, mais vítimas inocentes caíram, algumas das quais terão possivelmente participado nas impressionantes manifestações através das ruas da cidade contra a política de Bush e Blair de invasão do Iraque. Entretanto, os G8 reuniram-se na Escócia, custodiados por milhares de seguranças. Concordaram em conceder ajudas monetárias, mas mantiveram os seus subsídios nacionais à agricultura, que, sabemo-lo bem, prejudicam fortemente aqueles que eles dizem querer ajudar. O neo-colonialismo mantém-se, assim como a ditadura do capital, que desrespeita povos, fronteiras, soberanias e culturas.
Entendemos tudo isto e, depois, sentimo-nos como frente ao imenso mar. Sabemos com precisão quais são as horas das suas marés, conhecemos várias das suas correntes, temos consciência das suas eventuais fúrias, possuímos conhecimento razoável dos peixes que nele vivem. Mas de que nos serve toda esta compreensão e conhecimento, se não o podemos verdadeiramente controlar?
É bem possível que, no caso dos mares e oceanos, naturais como são, seja até bom que não os possamos controlar. Já no que respeita às situações criadas pelo homem e profundamente injustas, constatamos que o seu entendimento só é realmente útil -- em termos materiais -- àqueles que pretendem entrar nesse iníquo sistema. Aos que insistem em manter-se íntegros, resta a força do protesto.

7/07/2005

Matriz de Acontecimentos (07 Julho 2005)

Anfiteatro do Parque dos Poetas, às 22.00 de sextas e sábados, grátis.

Esplanada da Cinemateca, às 22.30 de quinta a sábado, a partir de 14, ciclo dedicado a Júlio Verne;

A Gulbenkian tem à venda, por 10?, os textos das conferências do ano 2003 do ciclo ?Despertar para a Ciência? com um DVD de entrevistas aos oradores. Trata-se de um elenco de primeiríssima escolha? (eu sou suspeito, mas, se pensar em três nomes da ciência nacional pelo menos um está no lote).


Quinta-feira, dia 7:

às 18h30, na Biblioteca-Museu República e Resistência (Espaço Cidade Universitária) conferência «Entre a Física e a Matemática» pelo Prof. Jorge Buescu.

às 19h00, no Instituto Alemão, «Jazz im Goethe-Garten» Wishful Thinking Quintet (convites pelo 218824510);

pelas 21h00, no Café Nicola, Bruno Santos.

Sexta-feira, dia 8:

às 21h30, no Parque Palmela, XXIV Estoril Jazz: «Charlie Parker Legacy Band».

às 22h30, na 2:, documentário relativo a Sebastião Salgado (ciclo dedicado a grandes fotógrafos).

Sábado, dia 9:

às 19h00, no Parque Palmela, XXIV Estoril Jazz: Roy Haynes

Domingo, dia 10:

às 12h00, no CAMJAP (?Centro Arte Moderna da Gulbenkian?) visita temática do ciclo?Movimentos? «Género e Diferença: Terá a Arte um Género?»;

às 19h00, no Parque Palmela, encerramento do XXIV Estoril Jazz: Orquestra de Count Basie.

Segunda-feira, dia 11:

às 18h30, no Picoas Jazz Plaza, Quarteto de António Bruheim.

às 19h00, no CCB, «sete às nove» Il Dolcimelo.

Terça-feira, dia 12:

às 22h30, na 2:, segunda parte do documentário «A Minha Viagem a Itália» por Martin Scorcese ? deslumbrei-me com a primeira parte.

Quarta-feira, dia 13:

às 18h30, na Fundação Oriente, Rua do Salitre, 66, «Concertos de Verão» com o guitarrista Eurico Pereira.

às 19h00, no CCB, «sete às nove» Liftoff.

às 19h00, no Instituto Alemão, «Jazz im Goethe-Garten» Duo Gilles Coronado e Guillaume Orti (convites pelo 218824510);

às 22h00, no Beer Deck do CC Vasco da Gama, Joana Rios.

às 23h30, na 2:, Ana Sousa Dias vai conversar com Manoel Ribeiro e, na RTP1, Judite de Sousa com Maria Eugénia Cunhal (mana do ABC).

A seguir

Concerto comemorativo do aniversário do Coro da Universidade de Lisboa, dia 15.

Bigodes Band, CCB, dia 15.

Sagração da Primavera, CCB, dias 15 e 16.

Conferência «1919: A Relatividade e o Observatório Astronómico da Ajuda», dia 22.

«Jazz em Agosto», na Gulbenkian


Download do ficheiro das Sugestôes (7 Julho 2005)


Bom fim-de-semana

JMiguel

7/06/2005

Viva Londres!

Ver na televisão a alegria dos londrinos e os saltos que davam de contentamento pelo facto de a sua cidade ter sido escolhida para a realização dos Jogos Olímpicos de 2012 decerto que fez lembrar aos portugueses a alegria que foi vivida no final dos anos 90 pela escolha de Portugal como organizador do Euro 2004 em futebol. Hoje, passados uns anos dessas vibrantes manifestações, olha-se para trás e encontra-se um Carlos Cruz, mentor da publicidade portuguesa, muito menos eufórico e a braços com o processo da Casa Pia; vêem-se estádios novos a sofrerem dose q.b. de contestação, como os do Algarve, Aveiro e Leiria. E vê-se o país a lamentar o dinheiro que se gastou, que hoje faz falta. O Euro 2004 foi uma grande festa, pá, mas da próxima vez que, em casos destes, se saltar de alegria é bom pensar que os pés vão ter que voltar ao chão.

7/05/2005

Origem das Palavras III

Nos tempos de antanho em que os monarcas precisavam de homens para combater em defesa da pátria ou na conquista de novas terras para o reino, era normal que se fizesse recrutamento em várias aldeias. Se esses homens eram já casados, deixavam naturalmente as esposas durante o período de tempo que a campanha durasse. Isto na favorável hipótese de regressarem. As mulheres vestiam-se de preto. Não se esperava que se divertissem como as outras nas festas e outras folias. Tristes, as mulheres penavam. Dado que tinham obviamente tido relações -- o coito --, eram designadas de "coitadas".
Creio que "coitada" é o único qualificativo na língua portuguesa que se iniciou no feminino e transitou mais tarde para o masculino. Ser "um coitado", depois de se saber a origem do nome, não é grande coisa, pois não?

7/04/2005

Previsões e Promessocracia

Há relativamente pouco tempo, um amigo utilizou fortes argumentos para me convencer a deitar fora o que tenho arquivado. "A Internet resolve-te o problema. Está lá tudo!" Antes de considerar a hipótese de me ver livre de centenas de micas em cerca de três dezenas de dossiers, fui dar uma mirada. Admito que adiei pelo menos por uns tempos a minha decisão.
Em face da actual situação económica e financeira do país, lembrei-me de uma frase que ouvi o ano passado da boca do Vítor Constâncio: "Os economistas previram nove das quatro últimas recessões." Ironia aparte, alguns economistas não são tão cegos assim. Recordo passos de um relatório de um dos nossos economistas mais conceituados, e certamente também um dos mais pessimistas: "Há, no mundo actual, um bilião e 200 milhões de pessoas dispostas a trabalhar por 45 contos/mês, em média, enquanto na Europa e nos EUA existem 250 milhões de pessoas que, em média, não aceitam trabalhar por menos de 150 contos/mês. A produtividade nalguns dos países de mão-de-obra mais barata é praticamente idêntica à dos países ditos ocidentais, porque os equipamentos já não conhecem barreiras. Por isso, a resposta possível consiste na deslocalização de fábricas." Disse mais o mesmo economista: "Hoje em dia, o inimigo de classe do trabalhador rico é o trabalhador pobre, e o inimigo de classe do capitalista estabelecido é o capitalista inovador." E a terminar: "Ainda há poucos anos, a movimentação não autorizada de capitais era um crime de Estado. Hoje, é uma prova de boa gestão." O autor é Ernâni Lopes. A data em que ele o referiu vai fazer 12 anos (!) dentro de meses. É um dos meus recortes de arquivo.
Outro desses recortes diz-me que em 1978 um economista chamado Cavaco Silva escreveu: "A permanência no poder (de que resulta poder pessoal, prestígio e compensação material) constitui o principal objectivo dos políticos." O mesmo Cavaco Silva admitia então que os políticos podem mentir deliberadamente e obliterar o raciocínio económico: "Os políticos têm possibilidade de controlar a informação que fornecem aos cidadãos sobre os custos e benefícios das diferentes alternativas, exagerando-os ou escondendo-os conforme o seu interesse pessoal." Cavaco, como diz o autor do artigo que estou a citar, "tornou-se profeta de si próprio, virou político e pratica aquelas "virtudes" com grande eficiência." O malogrado Alfredo de Sousa é o autor do artigo em questão. A data, 1991. Há já catorze anos, portanto.
Outro economista, Daniel Amaral, escreve num número da Visão de Abril de há onze anos, que o Orçamento-95 vai ser um mãos largas! "O que preocupa Cavaco são as maiorias, que de política percebem pouco e apenas vivem a sua realidade económica: o vencimento, o subsídio, a pensão."
Nada disto seria importante se estas análises prospectivas passassem ao lado da realidade portuguesa actual. É aqui que entra a promessocracia. Praticamente toda a gente conhece a famosa frase de Churchill que diz que "a democracia é a pior forma de governo, se exceptuarmos todas as outras." Ora, uma das desvantagens da democracia é a facilidade com que os políticos, com a finalidade de colherem votos e serem eleitos ou reeleitos, prometem este mundo e o outro, ao arrepio das mais elementares regras de gestão financeira. O corolário lógico é outro conhecido pensamento de alguém experimentado na vida: "As promessas de ontem dos políticos são os impostos de hoje." Nunca algo bateu tão certo no Portugal de hoje.

7/01/2005

Origem das Palavras - I

A Quinta da Aveleda, assim como a Quinta da Cardiga e a Quinta do Carmo, entre muitas outras quintas que existem espalhadas por esse Portugal fora, têm uma origem comum, que aliás o nome ajuda a descobrir. Nos tempos antigos, era vulgar que o rei doasse terras aos nobres que o ajudassem nas suas campanhas guerreiras ou em outros serviços que a coroa apreciasse. Essas terras eram doadas a uma determinada família na condição de 20 por cento da produção anual -- em vinho, cereais, fruta ou outros produtos -- reverter para a coroa. Como 20 por cento corresponde a uma quinta parte, as terras em questão recebiam o nome de "quintas", daí o sem-número de quintas que Portugal possui.
Como se vê, a história dos privilégios é coisa mesmo antiga no nosso país.

Origem das Palavras - II

Um dos maiores prazeres para quem anda de automóvel na cidade é apanhar uma onda verde. Habituados ao pára-arranca, termos à nossa frente uma onda de sinais verdes é um verdadeiro regalo.
Terá você, caro leitor, alguma vez pensado que a abundância tem algo a ver com isto? Tenha ou não pensado no assunto, a verdade é que "abundância" vem do latim ab (de) + unda (onda). Como se fosse uma onda benfazeja que se desenrola à nossa frente, a abundância aflui. Espera-se que muitas vezes. Contudo, porque mesmo as coisas boas têm um limite para a sua bondade, quando esse limite é ultrapassado e as águas vêm em "super-abundância" surgem as inundações. Com mais ondas na sua designação. Igualmente o serpentear dos répteis lembra o movimento das águas a distenderem-se, razão por que a ele nos referimos como uma forma de ondulação. Nesta abundância de significados, o melhor será pararmos aqui e deixarmos de fazer mais ondas.