7/04/2005

Previsões e Promessocracia

Há relativamente pouco tempo, um amigo utilizou fortes argumentos para me convencer a deitar fora o que tenho arquivado. "A Internet resolve-te o problema. Está lá tudo!" Antes de considerar a hipótese de me ver livre de centenas de micas em cerca de três dezenas de dossiers, fui dar uma mirada. Admito que adiei pelo menos por uns tempos a minha decisão.
Em face da actual situação económica e financeira do país, lembrei-me de uma frase que ouvi o ano passado da boca do Vítor Constâncio: "Os economistas previram nove das quatro últimas recessões." Ironia aparte, alguns economistas não são tão cegos assim. Recordo passos de um relatório de um dos nossos economistas mais conceituados, e certamente também um dos mais pessimistas: "Há, no mundo actual, um bilião e 200 milhões de pessoas dispostas a trabalhar por 45 contos/mês, em média, enquanto na Europa e nos EUA existem 250 milhões de pessoas que, em média, não aceitam trabalhar por menos de 150 contos/mês. A produtividade nalguns dos países de mão-de-obra mais barata é praticamente idêntica à dos países ditos ocidentais, porque os equipamentos já não conhecem barreiras. Por isso, a resposta possível consiste na deslocalização de fábricas." Disse mais o mesmo economista: "Hoje em dia, o inimigo de classe do trabalhador rico é o trabalhador pobre, e o inimigo de classe do capitalista estabelecido é o capitalista inovador." E a terminar: "Ainda há poucos anos, a movimentação não autorizada de capitais era um crime de Estado. Hoje, é uma prova de boa gestão." O autor é Ernâni Lopes. A data em que ele o referiu vai fazer 12 anos (!) dentro de meses. É um dos meus recortes de arquivo.
Outro desses recortes diz-me que em 1978 um economista chamado Cavaco Silva escreveu: "A permanência no poder (de que resulta poder pessoal, prestígio e compensação material) constitui o principal objectivo dos políticos." O mesmo Cavaco Silva admitia então que os políticos podem mentir deliberadamente e obliterar o raciocínio económico: "Os políticos têm possibilidade de controlar a informação que fornecem aos cidadãos sobre os custos e benefícios das diferentes alternativas, exagerando-os ou escondendo-os conforme o seu interesse pessoal." Cavaco, como diz o autor do artigo que estou a citar, "tornou-se profeta de si próprio, virou político e pratica aquelas "virtudes" com grande eficiência." O malogrado Alfredo de Sousa é o autor do artigo em questão. A data, 1991. Há já catorze anos, portanto.
Outro economista, Daniel Amaral, escreve num número da Visão de Abril de há onze anos, que o Orçamento-95 vai ser um mãos largas! "O que preocupa Cavaco são as maiorias, que de política percebem pouco e apenas vivem a sua realidade económica: o vencimento, o subsídio, a pensão."
Nada disto seria importante se estas análises prospectivas passassem ao lado da realidade portuguesa actual. É aqui que entra a promessocracia. Praticamente toda a gente conhece a famosa frase de Churchill que diz que "a democracia é a pior forma de governo, se exceptuarmos todas as outras." Ora, uma das desvantagens da democracia é a facilidade com que os políticos, com a finalidade de colherem votos e serem eleitos ou reeleitos, prometem este mundo e o outro, ao arrepio das mais elementares regras de gestão financeira. O corolário lógico é outro conhecido pensamento de alguém experimentado na vida: "As promessas de ontem dos políticos são os impostos de hoje." Nunca algo bateu tão certo no Portugal de hoje.

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