Uma das mais famosas citações de
Shakespeare é a que nos pergunta e logo nos responde: What’s in a name? That which we call a rose by any other name would
smell as sweet. Realmente, com o nome de “rosa” ou com qualquer outro,
aquilo que designamos por “rosa” teria exactamente o mesmo perfume. Por outras
palavras: a sua essência permaneceria igual; só o seu nome se alteraria.
Num
exemplo que costumava ser-nos fornecido na escola secundária, não foi pelo
facto de o original Cabo das Tormentas ter passado a designar-se Cabo da Boa
Esperança que o mar naquele lugar deixou de ser menos tormentoso. Mas suavizou
a sua imagem. É um eufemismo típico.
Os
eufemismos são tão comuns na linguagem que, muitas vezes, a forma quase se
torna tão importante como a substância. Se falarmos em spread em vez de “margem de lucro do banco” há uma clara suavização
do sentido, quanto mais não seja pela aura de mistério que para muitas pessoas
a palavra inglesa spread envolve.
E
se em lugar de chamarmos “empréstimo financeiro tripartido” ao dinheiro que foi
acordado emprestar a Portugal sob condições devidamente estipuladas e lhe
chamarmos “ajuda financeira”, teremos o facto encarado sob outro ponto de
vista, embora se trate do mesmíssimo empréstimo.
E
se transformarmos aquilo que, na prática, é um “imposto” no termo “contribuição”,
não estaremos a alterar a substância mas sim a adoçar a forma.
A
palavra “imposto” é feia. Whatever is
imposed is opposed, diz-se em inglês. E de facto existe uma tendência para
reagir a uma imposição com uma oposição. É humano que assim suceda. Daí que,
não só para simplificar mas, principalmente, para atenuar a ideia, o termo
“imposto” seja cada vez menos usado. Como? Usa-se o “I” inicial da palavra e o
resto é uma sigla. É o que encontramos em IMI (Imposto Municipal sobre
Imóveis), em IA (Imposto Automóvel), em IRS, IRC e também no nosso bem
conhecido IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado).
Deve
ter sido por estas e por outras que o Governo decidiu chamar ao novo imposto a
incidir sobre os reformados Contribuição
Extraordinária de Solidariedade (CES).
Dentro
da manipulação de nomes que os governantes gostam de fazer, o pagamento das
pensões de reforma é visto apenas como uma despesa do ponto de vista do Estado.
É-o, de facto. Mas é também uma parte integrante da Dívida Pública (Interna).
E, como tal, cortar as pensões de reforma já contratualizadas traduz-se num haircut, o qual tradicionalmente
significa um perdão da dívida por parte do credor. Porém, a posição do Estado
neste caso não é a de credor mas sim de devedor. Logo, se o devedor se outorga
a si mesmo o direito de não pagar, torna-se naturalmente faltoso e incorre em
óbvias penas, como todo o devedor que não paga as suas dívidas. Ou será que a
dívida pública é apenas a externa e a interna não conta?
Na
era do escudo, existiram várias crises financeiras em Portugal, como todos
sabemos. Estas crises resolveram-se basicamente através da desvalorização da
moeda. Por duas vezes que me lembre, houve desvalorizações da ordem, cada uma
delas, de 14 por cento. Se não se colocavam tantos problemas como agora e a
situação não originava um tão grande sentimento de revolta era por uma razão
muito simples: a desvalorização do escudo afectava toda a gente. É evidente que
os mais ricos sentiam menos a subida do custo de vida do que os mais pobres – é
um pouco como as cheias, em que estas não chegam geralmente aos andares de cima
-, mas não havia excepções. Agora, com o euro como moeda de várias nações,
nenhum país pode per se efectuar a
desvalorização cambial. Resta-lhe, portanto, a desvalorização fiscal.
Apropriadamente,
é esta desvalorização fiscal que tem sido levada a cabo pelo Governo.
Esqueceram-se, porém, os governantes de a fazer aplicar a todos, isentando apenas
“os mais vulneráveis”, como aliás consta do memorando assinado entre os
representantes dos emprestadores internacionais e de três partidos políticos
portugueses. Injustamente, há numerosas excepções, que criam o terrível
precedente, o qual, como sói dizer-se, pode ser numa organização mais
importante do que o presidente.
E
é aqui que voltamos à assim-chamada Contribuição Extraordinária de
Solidariedade. Em primeiro lugar, a designação é falsa por não se tratar de uma
contribuição (voluntária, como o nome parece indiciar), mas sim de um imposto
puro e duro. Em segundo lugar, a CES fere o princípio da equidade ao incidir
apenas sobre uns tantos portugueses e não sobre todos.
Na realidade, se a
questão essencial é a obtenção de cerca de 400 milhões de euros para o
Orçamento de Estado de 2014, existe uma solução bem mais simples e mais
tolerável, na medida em que constitui um esforço menor para cada um dos
portugueses: criar um Imposto de Solidariedade Nacional (ISN) – chamemos os
bois pelos nomes -, que abranja todos os portugueses, com excepção das classes
mais vulneráveis acima referidas. Este ISN, que incluiria uma progressividade
de acordo com os rendimentos declarados dos cidadãos, atingiria facilmente os
400 milhões que são requeridos e evitar-se-ia a ideia, negada pelos governantes
mas confirmada pelos factos, de que existe uma verdadeira obsessão por parte do
Governo com os cortes das pensões dos pensionistas e reformados.