Creio que mesmo se Antero
de Quental tivesse vivido um século mais tarde, ele não iria em futebóis. Para
o malogrado escritor e pensador, possivelmente o actual Campeonato do Mundo que
se está a realizar no Brasil passaria praticamente ao lado. No entanto, o que
há dias sucedeu no Espanha-Holanda e hoje ocorreu no Portugal-Alemanha não pôde
deixar de me fazer lembrar as teses de Antero expostas na sua famosa
comunicação sobre as Causas da Decadência
dos Povos Peninsulares. É que a Espanha, aureolada com o pesado título de
campeã do mundo, se viu destroçada por uma Holanda voluntariosa e combativa que
logrou o espantoso resultado de 5-1. No jogo que Portugal disputou há horas com
a Alemanha, o que aconteceu não foi tão diferente assim. O resultado final de
4-0 não tem discussão.
E assim os dois povos
peninsulares foram copiosamente batidos por dois países do Norte da Europa. Na
sua famosa comunicação sobre o atraso peninsular, Antero referia-se, como todos
sabemos, à Contra-Reforma, que comparou desfavoravelmente com a Reforma
Protestante, à Monarquia Absoluta castradora de liberdade e de espírito de
iniciativa, e ao sistema económico que derivou dos Descobrimentos e respectivas
colónias (há bens que vêm por mal).
Pergunta-se: e o que é que isto tem a ver
com o futebol? Nada, pelo menos aparentemente. Mas há um ponto, que creio ter
sido também intuído por Antero, que é a diferença entre o primado da forma e o
primado da substância. Geralmente, os países do Sul continuam a defender muito
o primado da forma, o que os faz falarem e escreverem muito – e no futebol
gesticular e discutir as decisões dos árbitros -, prestando menos do que a
atenção devida à substância. No jogo
de Portugal, conforme transmitido e relatado pela RTP1, foi notória a constante
intervenção do locutor sobre um programa do canal que ninguém deveria perder,
onde a posteriori se discutiria tudo
sobre o jogo, com as melhores declarações, entrevistas e comentários. Bla, bla,
bla, bla. O que é isto senão a forma? Entretanto, usando a mesma atitude de
apreço primordial pela substância, os alemães iam impiedosamente caminhando
para a nossa baliza, coleccionando golos. Originalmente, “goal”, de onde deriva
a palavra portuguesa “golo”, significa “objectivo”, e esta é a substância da
questão.