6/17/2012
Poesia de A a Z
Já próximo do fim do abecedário, a letra T com Miguel Torga:
Miragem
Passa um navio ao largo dos meus olhos.
(Os meus olhos, agora, são azuis,
Imensos e navegáveis...)
Passa moroso, como um desejo
Insatisfeito.
Passa, e morre desfeito
Em bruma de ilusão
Na curva do horizonte cruciante
Que cerca a solidão
De quem sonha, tolhido, um cais distante...
6/11/2012
A Espanha pede ajuda financeira para a sua banca
Como tem sido amplamente noticiado, a Espanha acaba de pedir auxílio financeiro à União Europeia para acudir ao seu sistema bancário, do qual sobressai uma unidade: o Bankia. A ajuda financeira não é de pequena monta. Embora se tenha de considerar que a população espanhola é cerca de quatro vezes mais numerosa do que a portuguesa, os 100 biliões de euros de que a Espanha diz necessitar para recompor o seu sistema bancário representam mais de oito vezes aquilo que a troika considerou ser necessário para “endireitar” a banca portuguesa. Em princípio, isto significa que a banca espanhola está ainda mais torta do que a nossa.
Como tem sido amplamente noticiado, a Espanha acaba de pedir auxílio financeiro à União Europeia para acudir ao seu sistema bancário, do qual sobressai uma unidade: o Bankia. A ajuda financeira não é de pequena monta. Embora se tenha de considerar que a população espanhola é cerca de quatro vezes mais numerosa do que a portuguesa, os 100 biliões de euros de que a Espanha diz necessitar para recompor o seu sistema bancário representam mais de oito vezes aquilo que a troika considerou ser necessário para “endireitar” a banca portuguesa. Em princípio, isto significa que a banca espanhola está ainda mais torta do que a nossa.
O
sector que mais contribuiu para o afundamento da banca foi, indubitavelmente, o
da construção civil. Os problemas com que a banca portuguesa se debate, e
também a irlandesa, têm muitos pontos de contacto. Os banqueiros tanto tentaram
lucrar através de (1) empréstimos a empresas de construção civil e (2) mais
empréstimos a particulares para adquirirem os andares acabadinhos de construir,
que quando a coisa estoirou ficaram com centenas de bebés nos braços. Bebés de
contas intoxicadas, entenda-se. E, além dos bebés, ficaram com o enorme
problema de terem que reembolsar os bancos estrangeiros que lhes tinham
emprestado rios de dinheiro – também eles interessados em explorar através de
juros o boom da construção.
Não é
por pura coincidência que a Espanha foi, a determinada altura, de longe a maior
detentora de notas de €500 entre todos os países do euro. A lavagem de dinheiro
obtido, entre outros meios, pelo vasto comércio da droga, processou-se durante
anos. A construção absorveu igualmente muito desse dinheiro.
Em
Espanha ocorreu ainda um outro factor – o das regiões autónomas - que, no nosso
país, só teve um paralelo semelhante: o da ilha da Madeira. A divisão
autonómica regional proporcionou um real desequilíbrio nas contas do Estado. Tanto
quanto sei, o acima mencionado Bankia reuniu a partir de certa altura as contas
de várias Cajas regionais,
exactamente algumas daquelas onde havia maior desequilíbrio. O resultado está à
vista.
Infelizmente
para qualquer economia que assente na exportação, as casas são um produto
não-exportável. Como a construção foi de longe o sector que atingiu maior
desenvolvimento, uma crise nesse sector afectou necessariamente toda a economia
e levou a Espanha a níveis elevadíssimos de desemprego.
Todo
este panorama só pode ter ocorrido através de negociatas entre o poder político
e empresários, o que permitiu esconder numerosas dívidas criadas quase que à
rédea solta. É aqui que mais uma vez encontro três países de profundas
tradições católicas, como são a Espanha, a Irlanda e Portugal, a serem
atingidas por males semelhantes. Insisto num ponto que já abordei noutras
ocasiões: ao permitir que os pecados das pessoas sejam perdoados com enorme
facilidade por um sacerdote bem-intencionado, estabelece-se uma enorme
desresponsabilização dos pecadores, que nestes casos de políticos não são em
reduzido número. Mesmo que a consciência lhes pese inicialmente, a verificação
de que há muitos outros a cometerem o mesmo género de faltas alivia-lhes a
noção do mal que eventualmente causarão. Se fosse perante o Deus em que dizem
crer que ficassem totalmente responsáveis - assim como perante a justiça
terrena, como é óbvio - o problema da consciência pessoal e do respeito pelos
valores que a maioria das pessoas reconhece como válidos para a constituição de
uma sociedade correcta obrigaria muitas pessoas a agirem de outra forma. Assim,
a era do facilitismo instala-se: o trabalho infantil é notório nos países
católicos apesar de ser oficialmente considerado um crime grave; o
enriquecimento ilícito não é levado a sério; o egoísmo campeia em vez de um
altruísmo mais são e produtivo. Julgo que isto em grande parte sucede, porque a
desresponsabilização que a religião involuntariamente provoca coloca o problema
mais nas mãos de Deus do que dos homens. Nas igrejas, choca-me imenso ouvir os
sacerdotes dizerem e fazerem a congregação repetir várias vezes “Senhor, tende
piedade de nós!”. Admitimos as nossas fraquezas e pedimos a Deus que de nós
tenha piedade. Se Ele não tiver essa piedade que lhe pedimos – Ele que é
“infinitamente misericordioso” – a culpa passa a ser dEle. Nossa não é!
Em
países onde a religião é praticada com maior seriedade e noutros moldes,
responsabilizando o homem pelos seus actos e criando-lhe problemas sérios de
consciência, questões como estas existem igualmente porque onde possa a
natureza humana espreita oportunidades, mas a escala em que isso ocorre é muito
menor. O sistema funciona de maneira mais perfeita, até porque as desigualdades
sociais são geralmente mais atenuadas.
6/03/2012
Um caso aparentemente grave
Há talvez uns 20 anos, leccionava eu então numa instituição de
ensino superior privado, fui informalmente convidado pela Direcção (i.e., não
por escrito) para integrar o Conselho Científico da instituição. Foi-me
lealmente explicada a razão do convite: havia um grupo de professores que
integravam aquele órgão que em certos itens relevantes pretendiam votar contra as
orientações da Direcção. Eu, juntamente com mais uns três ou quatro colegas,
seria co-optado para, no que respeita a votos dentro do Conselho, fazer pender
as decisões para o lado da Direcção. Não fui elucidado sobre quais eram esses itens.
Fiel ao meu sentimento de independência ética – seja em que local for, não me
importo de tirar o chapéu em sinal de respeito mas nunca tirarei a cabeça -,
respondi que agradecia e aceitava o convite, na condição de votar de acordo com
a minha consciência e não a priori a
favor da Direcção.
Nunca
mais ouvi falar do assunto, que aliás também nunca mencionei a quem quer que
fosse. Porque é que me lembrei dele neste momento? Por ter lido no jornal Público de 1 de Junho que uma
ex-governadora civil do Porto e actual deputada do Partido Socialista tinha, em
reunião privada, advertido os seus colegas de bancada “que a maioria PSD/CDS,
tendo consciência de que o corte dos subsídios é inconstitucional, pretende
colocar no TC juizes que assegurem a conformidade da medida do Governo face à
Lei Fundamental”. Caracterizou a actual situação como “inaceitável”.
Pessoalmente, eu não utilizaria outra adjectivação.
E de
onde provém o seu posicionamento? De um facto que a muitos poderá infelizmente
parecer um simples fait-divers: o
juiz-conselheiro Artur Costa, indigitado pelo PS, terá visto o seu nome vetado pela maioria PSD/CDS
“com base no facto de o juiz ter escrito num blogue que era inconstitucional o
corte dos subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores do sector público e
dos reformados”.
Pelas notícias sobre este mesmo assunto já vindas a público
anteriormente em mails que têm sido profusamente reenviados na Net, julgo
perceber que se está a fazer a escolha de juizes para preencher as vagas em
aberto no Tribunal Constitucional (TC) segundo as suas opiniões a favor ou
contra determinados preceitos constitucionais. Na habitual contagem de
espingardas para ver quem possui maior número de votos, não será preciso, parece-me, que se mude a Constituição: bastará
mudar alguns juízes que sobre ela votam no TC.
Não
se me assemelha que este seja um processo saudável em democracia. E o eventual
leitor deste blog, o que acha?
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