Há talvez uns 20 anos, leccionava eu então numa instituição de
ensino superior privado, fui informalmente convidado pela Direcção (i.e., não
por escrito) para integrar o Conselho Científico da instituição. Foi-me
lealmente explicada a razão do convite: havia um grupo de professores que
integravam aquele órgão que em certos itens relevantes pretendiam votar contra as
orientações da Direcção. Eu, juntamente com mais uns três ou quatro colegas,
seria co-optado para, no que respeita a votos dentro do Conselho, fazer pender
as decisões para o lado da Direcção. Não fui elucidado sobre quais eram esses itens.
Fiel ao meu sentimento de independência ética – seja em que local for, não me
importo de tirar o chapéu em sinal de respeito mas nunca tirarei a cabeça -,
respondi que agradecia e aceitava o convite, na condição de votar de acordo com
a minha consciência e não a priori a
favor da Direcção.
Nunca
mais ouvi falar do assunto, que aliás também nunca mencionei a quem quer que
fosse. Porque é que me lembrei dele neste momento? Por ter lido no jornal Público de 1 de Junho que uma
ex-governadora civil do Porto e actual deputada do Partido Socialista tinha, em
reunião privada, advertido os seus colegas de bancada “que a maioria PSD/CDS,
tendo consciência de que o corte dos subsídios é inconstitucional, pretende
colocar no TC juizes que assegurem a conformidade da medida do Governo face à
Lei Fundamental”. Caracterizou a actual situação como “inaceitável”.
Pessoalmente, eu não utilizaria outra adjectivação.
E de
onde provém o seu posicionamento? De um facto que a muitos poderá infelizmente
parecer um simples fait-divers: o
juiz-conselheiro Artur Costa, indigitado pelo PS, terá visto o seu nome vetado pela maioria PSD/CDS
“com base no facto de o juiz ter escrito num blogue que era inconstitucional o
corte dos subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores do sector público e
dos reformados”.
Pelas notícias sobre este mesmo assunto já vindas a público
anteriormente em mails que têm sido profusamente reenviados na Net, julgo
perceber que se está a fazer a escolha de juizes para preencher as vagas em
aberto no Tribunal Constitucional (TC) segundo as suas opiniões a favor ou
contra determinados preceitos constitucionais. Na habitual contagem de
espingardas para ver quem possui maior número de votos, não será preciso, parece-me, que se mude a Constituição: bastará
mudar alguns juízes que sobre ela votam no TC.
Não
se me assemelha que este seja um processo saudável em democracia. E o eventual
leitor deste blog, o que acha?
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