4/20/2014

AGUENTAR OU NÃO, EIS A QUESTÃO


          Num dos pelotões militares que, como oficial miliciano, me atribuíram para a obrigatória recruta, encontrei um soldado que era na altura campeão nacional de 5 000 metros. Nas boas instalações que tínhamos no quartel, ele treinava diariamente ao ar livre a sua corrida, de uma maneira que para mim constituiu alguma novidade: corria 100 metros para um lado, descansava uns segundos, corria 100 metros em sentido contrário, e ali estava um ror de tempo exercitando-se sem cansaço aparente. Eu tinha na altura uma razoável preparação física e, falando com ele, admiti que não aguentaria treinar durante tanto tempo. “É preciso praticar”, dizia-me ele. “Depois aguenta-se melhor.” Era o clássico conceito de Practice makes perfect aplicado à corrida. “Mas há uns que aguentam melhor e outros que não aguentam mesmo”, contestei eu. O soldado, que corria por um dos grandes clubes do país, admitiu naturalmente que isso também era verdade e confessou-me, a meu pedido, onde é que arranjara aquela resistência toda: “Fiz muito contrabando lá na minha terra. Tinha que percorrer grandes distâncias.”

          De facto, a prática é muito importante, mas só testando as pessoas se vê se elas aguentam ou não um determinado esforço. Mudando de agulha neste discurso, quero lembrar que o Governo do nosso país nos tem aplicado doses maciças de impostos e de cortes nos rendimentos que vêm testando a nossa capacidade de suportar esses esforços. 

        Aumentou a pobreza no país, o desemprego tornou-se uma praga, foi reduzida a assistência na doença mas, melhor ou pior, o povo tem na generalidade aguentado o sacrifício. Tem crescido o número de suicídios e divórcios, tem diminuído o número de crianças nascidas, morre-se em Portugal mais do que se nasce. Mas há ainda muita gente que vem aguentando, gente que parece ser em número demasiado elevado na óptica do Governo. O ideal era que desaparecessem mais pessoas, através de morte natural ou auto-infligida, ou através da emigração para outras paragens.

          Todavia, o Governo, que se preocupa primordialmente com as contas públicas e tem os seus alvos fiscais preferidos, já pode dizer agora, após três anos de experiências agravadamente repetidas, que os esforços apodados de temporários vão passar a definitivos. A prática mostrou que há muita gente que os aguenta, pelo que não há argumentos que possam destruir os factos.

          O “aguenta, aguenta!”, que se tornou célebre depois de saído da boca de um conhecido banqueiro português, não consistiu apenas em palavras. Foi todo um processo para verificar as reacções e os respectivos resultados.

          O antigo soldado do meu pelotão tinha razões de sobra para confiar na prática do treino. 

4/12/2014

A banca portuguesa como centro de decisão nacional?

Há dias, Cunha e Silva, vice de Alberto João Jardim e candidato à sucessão de presidente do PSD/Madeira, rematou o discurso da sua candidatura criticando o actual primeiro-ministro com uma frase lapidar: “para salvar Portugal não era preciso matar os portugueses.” Basta olhar para a nossa vizinha Espanha para verificar que isso teria sido possível.
Porém, quando em 2011 o actual primeiro-ministro concorreu às eleições e as venceu com a língua cheia de falsas promessas, a banca estava por detrás dele pressionando-o para pedir a intervenção da troika. Porquê? Endividadíssima na sua tremenda ganância de anos e anos a financiar construtores de imóveis por todo o país e posteriormente a financiar os compradores desses imóveis, a banca, que tinha recebido fartos empréstimos dos alemães e dos franceses e também de instituições de outras nacionalidades, necessitava urgentemente de dinheiro para pagar as suas dívidas. Pressionou assim a saída de Sócrates e apoiou a entrada de Passos Coelho.
Três anos depois, ao ouvir Passos Coelho falar de uma eventual “saída limpa”, a mesma banca portuguesa que se viu obrigada a pedir empréstimos ao BCE através do Estado português, que aliás lhe cobra juros elevados por esse empréstimo, está contra essa hipótese. Para o primeiro-ministro, uma saída limpa daria imenso jeito para as legislativas, graças à almofada de segurança que entretanto logrou constituir através dos impostos cobrados aos portugueses e de um maior endividamento externo e interno a juros substancialmente mais baixos do que os iniciais. Para a banca, no entanto, seria mau. Porquê? Porque continuando o país cotado como junk pelas principais agências de rating e tendo importantes bancos que operam em Portugal – BCP, BPI, CGD e Banif - recebido do Estado muitos milhões de euros, a credibilidade destes bancos passou igualmente a ser considerada “lixo”. Como tal, não são em princípio passíveis de se financiarem junto do BCE, o que lhes dificulta tremendamente a vida.
Pode suceder que, tal como há 3 anos, seja agora em 2014 a banca a ter a última palavra? É uma hipótese perfeitamente verosímil. A confirmar-se, constituiria um óptimo exemplo da prioridade da economia e das finanças sobre a política. Não custa a crer que venha a ser assim.