Num dos pelotões militares
que, como oficial miliciano, me atribuíram para a obrigatória recruta,
encontrei um soldado que era na altura campeão nacional de 5 000 metros.
Nas boas instalações que tínhamos no quartel, ele treinava diariamente ao ar
livre a sua corrida, de uma maneira que para mim constituiu alguma novidade:
corria 100 metros para um lado, descansava uns segundos, corria 100 metros em
sentido contrário, e ali estava um ror de tempo exercitando-se sem cansaço
aparente. Eu tinha na altura uma razoável preparação física e, falando com ele,
admiti que não aguentaria treinar durante tanto tempo. “É preciso praticar”,
dizia-me ele. “Depois aguenta-se melhor.” Era o clássico conceito de Practice
makes perfect aplicado à corrida. “Mas há uns que aguentam melhor e outros que
não aguentam mesmo”, contestei eu. O soldado, que corria por um dos grandes
clubes do país, admitiu naturalmente que isso também era verdade e
confessou-me, a meu pedido, onde é que arranjara aquela resistência toda: “Fiz
muito contrabando lá na minha terra. Tinha que percorrer grandes distâncias.”
De facto, a prática é
muito importante, mas só testando as pessoas se vê se elas aguentam ou não um
determinado esforço. Mudando de agulha neste discurso, quero lembrar que o Governo
do nosso país nos tem aplicado doses maciças de impostos e de cortes nos
rendimentos que vêm testando a nossa capacidade de suportar esses esforços.
Aumentou
a pobreza no país, o desemprego tornou-se uma praga, foi reduzida a assistência
na doença mas, melhor ou pior, o povo tem na generalidade aguentado o
sacrifício. Tem crescido o número de suicídios e divórcios, tem diminuído o
número de crianças nascidas, morre-se em Portugal mais do que se nasce. Mas há
ainda muita gente que vem aguentando, gente que parece ser em número demasiado
elevado na óptica do Governo. O ideal era que desaparecessem mais pessoas,
através de morte natural ou auto-infligida, ou através da emigração para outras
paragens.
Todavia, o Governo, que
se preocupa primordialmente com as contas públicas e tem os seus alvos fiscais
preferidos, já pode dizer agora, após três anos de experiências agravadamente
repetidas, que os esforços apodados de temporários vão passar a definitivos. A
prática mostrou que há muita gente que os aguenta, pelo que não há argumentos
que possam destruir os factos.
O “aguenta, aguenta!”,
que se tornou célebre depois de saído da boca de um conhecido banqueiro
português, não consistiu apenas em palavras. Foi todo um processo para
verificar as reacções e os respectivos resultados.