Apareceu ontem na minha caixa de correio um livrinho intitulado «Le petit chaperon vert» (edição francesa ilustrada para crianças). O envelope não trazia remetente, pelo que deduzo que o anónimo brincalhão seja algum admirador ressabiado, isto é, sistematicamente preterido a favor do lobo mau...
Trata-se de um texto destinado a denegrir - ou antes, avermelhar ainda mais, o que até agradeço - uma sólida reputação granjeada à custa de intensivo e dedicado zelo predatório (sempre encapuchado, claro, que o segredo é a alma do meu ócio...). Reza a historieta que o Capuchinho Verde, menina a todos os títulos exemplar, só tinha uma inimiga: uma «sale menteuse» que obviamente teria que ser eu!
Tão patética acusação suscita-me os seguintes comentários:
1- Antes mentirosa que hipócrita. A minha sonsa detractora parece esquecer que um capucho, MESMO VERDE, esconde sempre, por definição, algum gatil.
2- Minto com parcimónia e apenas em ocasiões de grande perigo. Todavia, quando prevarico, nem o faro afiadíssimo do meu lobo topa... Terá uma certa narigueta verde veleidades de conseguir melhor?!
3- Para a minha inimiga, ao que parece, mentira é sinónimo de contradição. Eu explico: passei a ser uma grande mentirosa por lhe ter contado um dia que TINHA ACABADO DE SER COMIDA pelo lobo mau, isto apesar de flagrantemente CONTINUAR VIVA (e por sinal de excelente saúde)! Ora é preciso ser-se mesmo MUUUUITO VERDE para inferir que esta declaração - aliás de uma sinceridade cristalina - incorre, levemente que seja, em contradição!
4- A mentira, que eu saiba, não é um pecado mortal, mas a inveja sim e parece ser ela o sentimento nuclear da minha rival. Direi mesmo que esta lamentável história constitui uma espécie de versão «daltónica» (por desdenhar o vermelho, entronizando o verde) da fábula da raposa e das uvas, neste caso dando vozes ao ponto de vista da fruta... Mais: o Capuchinho Verde deve ter ficado assaz traumatizada no dia em que a sua mamã lhe deu a entender, aliás com a melhor das intenções, que escusa de temer assédios lupinos, pois sendo tão verdinha, confunde-se com a vegetação (é só paisagem...), passando completamente despercebida. Também lhe terá dito, desferindo assim o golpe de misericórdia, que o impecável gosto do lobo mau apenas deglute «ce qui est rouge» - «La viande rouge, les fruits rouges, mais surtout les petites filles habillées en rouge». Concluindo: o inconsciente amordaçado do meu alter verde quer por força (Freud, dá-lhe lá uma mãozinha!) que eu vista a cor do seu clube para me salvar - PARA NÃO SER COMIDA ...VIVA! Que comovente solidariedade feminina... Nunca te disseram, Capuchinho Verde, que a minha mentira mora na tua mente?
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