11/28/2005

Presidenciais

Por razões que não consigo descortinar, ninguém ainda aflorou aqui a questão das presidenciais. Talvez seja por fartura de política, talvez seja por cansaço relativamente aos candidatos -- um déjà vu a provocar um enorme bocejo. Seja como for, há um aspecto interessante: temos pela frente um autêntico direita-esquerda. Há um candidato único da direita, contra cinco da esquerda (um deles, filho do homem que primeiro me ensinou inglês a sério, farta-se de protestar que não lhe ligam, e até parece ter razão no seu sentir-se discriminado).
Um encontro tão directo da direita contra a esquerda nas presidenciais era algo que não se via há bastante tempo. Parece-me interessante, como intróito, rever um pouco a matéria dada sobre este assunto. Começarei por lembrar que sempre que alguém nos diz que "essa de esquerdas e direitas é pura balela", esse alguém é, sem margem para dúvidas, de direita. Porquê? Porque ser de esquerda exige uma tomada de consciência e um sentimento de revolta mais ou menos acentuado que não se compadece com a não-existência de, pelo menos, um dualismo. Pelo contrário, a quem é de direita convém esbater as diferenças para que o status quo se prolongue sem alterações de maior. Com evolução sim, nunca com revolução.
Não quer dizer que todos os esquerdistas sejam revolucionários, mas há decerto algo com que se preocupam bem mais que as pessoas de direita: com a justiça social. O valor número um da esquerda sempre foi uma tendência para a igualdade. Isto não significa todos muito ricos, mas sim todos com bons meios de subsistência. Para quem é de esquerda, repugna que a desigualdade excessiva provoque o domínio claro de uns pelos outros, o que vai contra uma desejada harmonia social.
Para a direita, o valor número um é a ordem. Cada peça no seu lugar no tabuleiro de xadrez. Congruentemente, a direita defende a tradição, que torna as diferenças sociais legítimas porque atestadas pela história. O que a direita defende não é a liberdade que a esquerda entende: liberdade de pensamento e expressão num contexto de rule of law.Defende, sim, um conceito de liberdade desregulada. Assim, quem mais tem, mais poderá acumular. Mas essa desregulação, que tem largos efeitos práticos, tem algo a precedê-la em matéria de relevância: a segurança. A manutenção da ordem. Não há nada que a direita mais tema do que a desordem.
Esquerda e direita são populistas na sua ânsia de angariarem votos. Mas a cultura da direita, ao apelar aos que tão diferentes são em matéria de rendimentos, pretende mais do que tudo manter a situação, com a dominação dos muitos pelos relativamente poucos.
Quem não soubesse, entenderia imediatamente pelo que escrevo que sou de esquerda. Acredito na possibilidade de um mundo melhor, que não é necessariamente um mundo mais rico, mas encerra certamente uma melhor distribuição da riqueza. Acredito mais no valor da liberdade do que da segurança, que tantas vezes é usada para cercear as liberdades. Aceito aquela máxima muito simples que nos diz que a direita sabe fazer dinheiro, mas não sabe distribuí-lo, enquanto a esquerda sabe distribuí-lo, mas não o sabe fazer. Considero-a, no entanto, uma asserção tipicamente de direita, na medida em que se refere exclusivamente a dinheiro, o que, sendo importante, é manifestamente insuficiente.
Tenho para mim que existem basicamente dois grandes pólos ideológicos, dos quais um é mais característico da esquerda, e o outro do pensamento mais conservador da direita. Em resumo possível, direi que: a direita pretende basicamente o crescimento da riqueza, enquanto a esquerda luta pela sua redistribuição. À liberdade empresarial da direita contrapõe-se um ideal de igualdade de oportunidades da esquerda. Ao conceito de segurança da direita o ideal da liberdade. À forma mais tradicional de família da direita responde a esquerda com novas formas de vida em conjunto. À exploração de matérias-primas que a direita defende nas suas políticas de curto prazo, replica a esquerda com a luta pela defesa e conservação do ambiente.
São opções claras, com pontos de vista nitidamente diferenciados, embora às vezes o contexto internacional obrigue a práticas quase semelhantes em determinados aspectos.
Relevantes são, ainda, as diferentes maneiras de encarar o Estado. Tanto a esquerda como a direita consideram-no essencial nas suas políticas. A um Estado mais redistribuidor e interventivo da esquerda, responde a direita com um Estado mais liberal, garante da ordem e da segurança, benévolo na fiscalidade
Neste pano de fundo, Cavaco Silva tem o apoio da direita. Todos os grandes grupos económicos estão com ele. Os restantes candidatos, que se degladiam uns aos outros, pugnam no campo da esquerda.
Até agora, Portugal tem tido presidentes bastante consensuais e que não originaram descontentamentos de vulto. A direita apoiou Mário Soares na sua reeleição, se bem me lembro. A única situação mais grave ultimamente foi o derrube do governo de Santana Lopes, algo que no entanto foi tão aprovado pela maioria da população que acabou por resultar na maioria absoluta conferida aos socialistas.
Agora, esboça-se uma radicalização maior. A ver vamos.

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