3/26/2004

Matriz de Acontecimentos (26 Março)


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3/24/2004

Sociedade em Rede

Em Espanha, os últimos dias da semana que incluíu o 11 de Março tiveram tudo para ficar memoráveis. Por más e por boas razões. Daquilo que se previa serem apenas mais umas eleições renhidas entre os dois maiores partidos políticos do país emergiu um drama tipicamente espanhol mas também dos tempos modernos, com sangue, lágrimas, raiva e desejo de justiça. As bombas assassinas que fizeram duzentos mortos e estropiaram mais de mil pessoas fizeram saltar para as ruas da capital milhão e meio de cidadãos, numa manifestação inédita pela sua dimensão. Foi uma extraordinária lição de solidariedade, de pesar pelas vítimas e de punho erguido para a luta. Quem participou na manifestação ou a acompanhou apenas através dos écrans não pode deixar de ter ficado impressionado ante aquela vontade enorme expressa pelo povo, com uma garra e uma sede de justiça e verdade difíceis de ultrapassar.
A cerca de 72 horas da realização das eleições, analistas políticos perguntavam-se a quem o ataque terrorista iria beneficiar. Todos concordavam que a afluência às urnas iria aumentar, mas para que lado penderia o acréscimo? Para o partido do governo, que gostaria de continuar os oito anos que já levava de governação, ou para o lado da oposição? O Primeiro Ministro tinha sido fortemente contestado durante o seu último mandato, principalmente por dois motivos: a decisão de alinhar com os Estados Unidos na guerra contra o Iraque e o fiasco na resolução do caso do petroleiro Prestige, ao largo da costa da Galiza. O alinhamento com os Estados Unidos provocara grandiosas manifestações nas maiores cidades espanholas.
A quem se deveria atribuir o atentado terrorista do dia 11? Aos membros da ETA, sugeriu o governo, embora possuísse pistas que indicavam na direcção de um eventual grupo islâmico em retaliação pelo seguidismo espanhol relativamente aos Estados Unidos. Em Espanha, os jornais, a televisão e a rádio – com uma única excepção -- indiciavam a ETA como a pista correcta. Terão sido feitos contactos governamentais para os serviços consulares no estrangeiro acentuando a mesma versão. Foram garantidamente contactados alguns directores de jornais pelo próprio Primeiro-Ministro asseverando que os separatistas bascos eram a pista certa.
Entretanto, serviços noticiosos de outros países, incluindo Portugal, não deixavam de mencionar a vertente islâmica como estando na origem dos ataques bombistas. Aos poucos – mas com impressionante cadência – instalou-se entre muitos espanhóis a hipótese de que o governo estaria a mentir a fim de não ser penalizado pela sua intervenção no Iraque. Mas como foi possível a muitos cidadãos espanhóis captarem uma verdade diferente da governamental?
A derrota do governo nas eleições representou sumariamente a existência de duas componentes: uma, a principal, o espírito democrático demonstrado pelo povo espanhol. A outra, apenas instrumental mas decisiva, foi a tecnologia dos nossos tempos. Graças a contactos estabelecidos entre cidadãos por meio de telemóveis, à tecnologia dos e-mails e da TV por cabo, aquilo que o governo pretendia desesperadamente ocultar até ao momento da deposição dos votos acabou por ser desmascarado.
Como disse o sociólogo catalão Manuel Castells na sua memorável conferência na Gulbenkian no passado mês de Fevereiro, os governos odeiam a Internet. E odeiam da mesma forma os SMS, os e-mails, os blogs e as emissões estrangeiras por cabo. A razão é simples: não conseguem controlá-los. E assim, apesar de, na altura em que na véspera das eleições se realizavam vibrantes manifestações de rua contra a mentira espalhada pelo governo, a TV espanhola ignorar o facto, havia outras cadeias televisivas e uma estação de rádio que registavam tudo. Mensagens de telemóvel terão chovido por toda a Espanha, assim como mensagens por correio electrónico. A disseminação da informação através de meios tecnológicos constituíu uma verdadeira arma democrática. Manuel Castells, que defende que a grande novidade dos nossos tempos consiste na existência de uma “sociedade em rede”, não esperaria a ocorrência de um testemunho assim tão evidente da sua tese, e logo no seu próprio país.
Umas eleições são como que um casamento do povo com os seus futuros governantes. E um casamento faz-se na base da confiança. Quem forma aliança com outrem que não lhe merece crédito e lhe mente descaradamente? Aquela parte do povo espanhol que logrou ser informada a tempo reagiu. De forma útil, os seus votos passaram para a oposição.
Todo este desenlace, com a modernidade que as tecnologias lhe emprestam, lembra um certeiro axioma dos “anarcas”: “O pior que se pode dizer de um chefe é a verdade!”

3/20/2004

Matriz de Acontecimentos (19 Março)


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3/12/2004

Matriz de Acontecimentos (12 de Março)


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3/07/2004

Fado

Ah, o velho que morre com a sabedoria toda
E o filho que dele herda
A ignorância inicial!

BOLINANDO...

Esgotar-se-á a identidade em circunstâncias como sexo, idade, família, estado de saúde, profissão? Ou será algo apenas vestido (afagado ou ciliciado) por elas, sobrevivendo-lhes, perdurando APESAR delas, embora sempre e fatalmente ATRAVÉS delas? Se for este o caso, então talvez a estratégia mais propícia à livre expressão do eu profundo consista em navegar nas circunstâncias à bolina, não tanto em contrariá-las frontalmente...
Se eu tivesse, por exemplo, nascido homem, tal ocorrência definiria um campo magnético seguramente diverso daquele em que cresci, atraindo à existência «limalhas» adormecidas pela minha condição feminina, repelindo para o limbo dos possíveis alguns companheiros de viagem, talvez até os meus demónios actuais... Se eu fosse hoje trinta anos mais nova, esse cenário não optimizaria por força o meu potencial. Esculpi-lo-ia, isso sim, com outros materiais, seleccionando os convenientes recursos alternativos e desse modo abrindo portas hoje fechadas, mas fechando também implacavelmente outras cujas fechaduras só agora se encontram ao alcance da minha determinação.
A energia disponível será assim provavelmente constante, não aumentando nem diminuindo ao sabor das circunstâncias, não decrescendo designadamente com a idade apesar das evidências em contrário. Mais: o nosso potencial será o mesmo com um minuto de vida ou às portas da morte numa provecta idade. Isto presumindo que nada do que somos se cria ou perde, tudo se formando e deformando em função do maior ou menor grau de consciência com que fiamos, desfiamos, rasgamos e cerzimos a trama dos nossos desafios.

3/04/2004

Matriz de Acontecimentos (04 de Março)


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3/02/2004

Factos em cadeia

Só quem anda verdadeiramente distraído não encontra em jornais como o PÚBLICO linhas que se encadeiam como peças de um puzzle. Para me referir apenas aos números de 27 e 28 de Fevereiro (sexta e sábado), saliento um artigo de Miguel Sousa Tavares (MST) e duas notícias, a que se somam um carta ao Director e um Editorial. MST considera de mau agoiro um “plano de protecção para a ria de Alvor” recentemente assinado pelos presidentes de duas câmaras algarvias (Lagos e Portimão). Receia que se trate de preparativos para um assalto à ria de Alvor através de interesses imobiliários. Cita uma frase reveladora do autarca de Portimão: “Não podemos ser fundamentalistas (em matéria ambiental), pois pagamos por isso nas eleições”. Conclui MST que agentes imobiliários e construtores financiam as campanhas dos partidos cujos autarcas se mostrem sensíveis aos seus “direitos atendíveis e adquiridos”. O triunfo eleitoral vai a par com os atentados urbanísticos aprovados.
O cidadão médio como eu questiona-se de onde vem o muito dinheiro necessário para os grandes projectos imobiliários. A resposta remete-nos a muitos de nós, leigos mas interessados no assunto, para a suspeita do uso demasiado frequente de dinheiro legal conjuntamente com lavagem de capitais obtidos ilicitamente e subtraídos portanto aos impostos devidos ao Estado. A conclusão é lógica para quem vê tanta construção por todo o lado, muitas vezes não habitada, e a associa a facturas falsas, contrabando, offshores, droga, etc..
Numa das notícias de sábado, inspectores da PJ queixam-se da ministra Cardona, afirmando que têm sofrido uma crescente perda de poderes relacionados com a investigação criminal, particularmente a nível financeiro.
Noutra das notícias lê-se que num estudo encomendado pelo governo a um arquitecto crítico das reservas ecológicas nacionais (REN) se sugere que a aprovação das áreas a serem ou não incluídas nas REN passem para as competências municipais.
Por seu lado, a carta de um leitor insurge-se contra um verdadeiro laxismo que grassa no ensino secundário e, por arrastamento, noutros sectores do país, do qual resulta um abaixamento grave e generalizado da qualidade.
Por último, o editorial de Amílcar Correia compõe o ramalhete. Considerando que o cruzamento de dados do fisco e da Segurança Social pode ser o princípio de uma política séria de combate à fraude, não deixa de mencionar a opinião de Bagão Félix sobre a possibilidade de o uso sistemático desse cruzamento poder violar a Constituição (como se a fuga aos impostos não fosse ela própria punível, constitucionalmente, pela Justiça). Amílcar Correia conta-nos ainda como é que o único país que nos é vizinho tem actuado neste domínio. A propósito do relatório McKinsey, que comparativamente elogia a Espanha, afirma que a razão que subjaz à diminuição da fraude fiscal do outro lado da nossa fronteira é, basicamente, o medo de uma inspecção.
Pois é. A grande diferença é que em Espanha se mata o touro. Em Portugal ... encana-se a perna à rã.