12/17/2005

Mulher


Esta é uma foto tirada há algum tempo nas terras nortenhas do Soajo. Não custará a acreditar que fiquei algo estonteado ao ver esta aparentemente franzina mulher a carregar à cabeça um molho de fetos tão volumoso. Não consegui divisar-lhe o rosto para concluir se ia cansada ou a praguejar com a vida. A princípio, tudo o que enxerguei foi o que a objectiva captou: duas pernas magras a sustentarem um corpo que fazia mover ao longo da estrada aquele enorme feixe de fetos. Decidi segui-la. Ao fim de uns dois minutos chegou ao quintal da sua casa, onde alijou a carga. Com grande jovialidade, dispôs-se a falar comigo. Admitiu que não estava fatigada. Fazia aquilo duas ou três vezes no mês. "Mas mesmo assim era melhor não ter que carregar isto, bem entendido!" Falou-me com a resignação da mulher-mãe, que veste invariavelmente de preto, viu os seus dois filhos emigrarem para o Luxemburgo e agora tinha que tratar sozinha da sua vida. "Eles não querem que eu faça isto. Quando cá vêm no verão, não me deixam. Mas agora, até aquece!"
Impressionou-me. Pensei em dizer-lhe qualquer coisa, mas decidi quedar-me como ouvinte. Quem era eu, homem da cidade e apenas ocasional viajante por aquelas paragens, para eventualmente lhe transmitir palavras que, se causassem um sentimento de revolta, poderiam afinal envenenar quem fazia com prazer, por ser útil, tarefas a que há muito se habituara?
A publicação desta foto é uma pequena homenagem, a ela e a tantas outras mulheres que labutam sem cessar, desde o muito cedo da manhã, totalmente ignoradas da esmagadora maioria de nós.

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