Em países democráticos, um político consegue geralmente ascender ao poder através de um convencimento da opinião pública de que as suas promessas são exequíveis no futuro, algo que é facilitado pela acumulação de erros graves de um seu antecessor. Prometer um futuro melhor é o que também as religiões fazem, incluindo naturalmente a cristã. O paraíso celestial aguarda os que sofrem na Terra; o pobre desta vida, se trabalhador e virtuoso, será o rico dos céus. No caso concreto das religiões, trata-se de uma questão de fé. Como realidade virtual que esta é, nunca se poderá provar se A ou B alcançaram o paraíso pós-terreno. Aliás, o mesmo acontece com os homens-bomba suicidas de outros credos. A crença num futuro bom e estável é fundamental para justificar o labor e o penar na vida.
Com um governo, porém, a questão não se põe em termos de realidade virtual, como sabemos. As pessoas querem acreditar num futuro melhor concreto e por isso lutarão se estiverem convencidas de que os seus sacrifícios resultarão num bem posterior. Baixas de ordenado e o corte de algumas regalias têm sido aceites em todo o mundo economicamente mais desenvolvido por trabalhadores que admitem esses sacrifícios em troca da garantia de manutenção dos seus postos de trabalho e, consequentemente, de estabilidade.
Em Portugal, com o arquétipo salazarista a servir de paradigma, a população apreciou o pulso forte - sinónimo de força estável - de Sócrates e a sua luta contra praticamente todos os sectores, a fim de pôr a casa em ordem o mais depressa possível. E era uma casa desgovernada em muitos aspectos, algo que aliás não se consegue corrigir da noite para o dia. Vieram ao de cima insuspeitados casos de privilégio. Tem sido elaborada nova legislação. Muitos dos efeitos práticos dessa legislação estão ainda por vir, pelo que 2007 irá doer muito mais do que 2006.
Contudo, e é aqui que reside o ponto mais vulnerável de Sócrates, conseguirá ele manter a convicção nos eleitores de que estamos a trabalhar para um futuro melhor ou, pelo contrário, tenderá a instalar-se gradualmente no país a sensação de dúvida quanto à razão do sacrifício e esforço? Se sim, isto pode ser fatal. Estar-se inseguro quanto à manutenção da denominada segurança social é um paradoxo não só de palavras. Estar-se inseguro perante o emprego é atroz. Verificar que a nossa dependência não diminui, antes pelo contrário se acentua. Ter a sensação de que a corrupção política e empresarial continua a grassar, talvez apenas com um desmando menos acentuado. Registar que estamos a ser ultrapassados em ranking de bem-estar por países que há anos estavam muito atrás de nós. Ver os encargos com a saúde tenderem a aumentar no futuro. Assistir a défices orçamentais que teimam em persistir e são inegavelmente superiores ao estabelecido pelo PEC europeu, a despeito da alienação constante de bens do Estado e das vultosas remessas de Bruxelas. Tudo isto conduz a uma pergunta.
A pergunta "Valerá a pena?" é a que não pode instalar-se na população portuguesa. Se sim, desmorona-se de vez o edifício da confiança. A nação não conseguirá distinguir o seu rosto no futuro. E sem essa crença de que estamos a trabalhar para um amanhã mais justo, estável e seguro, Sócrates ou qualquer outro governante terá tantos problemas que acabará por soçobrar. É por isso que este mundo de extraordinário desenvolvimento em vários países, incomparavelmente melhor que no passado, está difícil. Somos todos terrivelmente dependentes dos que são economicamente mais fortes. Podemos fazer o nosso melhor, mas um jogo de preços de energia no mercado internacional pode deitar tudo a perder, por exemplo.
Seja como for, se não corrigirmos as múltiplas situações de injustiça social, o que inclui um vigoroso combate à corrupção com medidas exemplares, tudo ficará pior. A alternativa continua a ser a imaginação criadora, o trabalho profícuo, uma educação de bom nível e, sem dúvida, a confiança no futuro.
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