4/26/2010

Três casos não-ficcionados

Para variar um pouco, pensei que talvez fosse relativamente interessante dar a conhecer três historietas reais, das muitas que cada um de nós tem da sua vida profissional. O cenário comum a todas elas é uma instituição de ensino.

A professora que acompanhava o grupo de alunos finalistas de um curso de turismo, todos eles entre os 21 e os 28 anos, era uma profissional competente, com larga experiência. O grupo fazia uma viagem de autocarro com a duração de 11 dias pelo Centro e Norte do país. O objectivo principal da viagem era dar a conhecer melhor Portugal, visitando monumentos, fazendo no autocarro e nas visitas prática de guia-intérprete ao mesmo tempo que faziam o reconhecimento de itinerários. Estabeleciam-se, ainda, contactos com autarquias e serviços oficiais de turismo.
Nas suas indicações à partida, a professora distribuiu algumas tarefas por vários alunos e, nas suas recomendações, salientou que o facto de aqueles jovens estarem vários dias fora de casa não deveria significar que iriam todas as noites a discotecas, com o correspondente regresso ao hotel a altas horas, passando depois as manhãs a dormir no assento do autocarro. Nos hotéis onde iam ficar, todo o barulho deveria ficaria cá fora, já que os restantes hóspedes tinham todo o direito de descansar. Acentuou que era a instituição onde os alunos estudavam que seria posta em causa na eventualidade de surgir algum comportamento menos correcto.
Se nos primeiros dias, nas Beiras, tudo correu bem, a certa altura os jovens alunos e alunas não quiseram deixar de dar à noite uma saltada a algumas discotecas mais conhecidas. Em Guimarães, no hotel em que estavam instalados, a professora notou que havia quem estivesse a exagerar. No dia de partida, ao fazer o check-out, recebeu das mãos do chefe da recepção uma carta, em envelope fechado, endereçada ao director do Instituto. Não teve qualquer dúvida: ainda no hotel reuniu o grupo e mostrou-lhes o envelope. Sem saber o que a carta dizia porque não lhe tinha sido endereçada a ela, considerou naturalmente o facto muito grave.
A partir daí, nas restantes três noites o comportamento do grupo foi bem diferente. Sentiram todos a responsabilidade de um puxão de orelhas.
O grupo regressou a Lisboa. No dia seguinte à chegada, a professora veio fazer-me um breve relatório da viagem. Eu era o coordenador do curso. Entregou-me em mão a tal carta do hotel. Fiz-lhe notar que o envelope estava endereçado ao director da instituição. Piscou-me o olho e insistiu para que eu o abrisse. Abri. Lá dentro estava uma folha A-4, dobrada da forma tradicional. Dizeres: zero. Absolutamente nada, uma folha em branco. A experiente professora tinha concebido todo o esquema. Depois, pedira na recepção para meterem a folha num envelope do hotel, endereçado ao director.
Conclusão: com um pouco de imaginação, é possível encontrar formas não-dispendiosas e eficientes de resolver problemas. Foi um típico caso de boa gestão e prevenção de conflitos.

A segunda historieta envolve também uma carta e passou-se com outra professora, que entrou um dia no gabinete onde eu trabalhava. Gostaria de fazer uma viagem de dois dias a Coimbra para refrescar os seus conhecimentos da cidade, com vista a melhorar as suas aulas. Como não possuía automóvel, iria em princípio de autocarro ou de comboio, mas preferiria certamente que a instituição cobrisse o custo da viagem e do hotel. Sem refeições. Ouvi. Disse-lhe que esse era um assunto que apenas a Administração poderia resolver. Concordou. E, como colega e amiga, pediu-me se eu não me importava de escrever uma carta ao administrador para ela depois assinar. Admitiu que não tinha muito jeito para escrever coisas dessas. Teclei rapidamente uma carta ao computador, que lhe mostrei. Concordou com tudo e, depois de feita a respectiva impressão, assinou e meteu a carta num envelope, que entregou na Secretaria.
Passados uns dias, o administrador veio ao meu gabinete falar de assuntos diversos, como era seu hábito, e pedir-me também uma opinião: deveria ou não custear aquela pretensão da professora? Pedi-lhe para dar uma vista de olhos à carta. Li-a com encenada pausa e, quando acabei, respondi afirmativamente. A professora em questão era uma pessoa muito briosa e merecia certamente aquilo que pedia. Achei que não constituía precedente para outros casos. Logo ali à minha frente o administrador assinou o respectivo deferimento. Tudo foi justo, não houve nada de errado, mas confesso que eu próprio não esperava ter de ir ver a minha própria carta uma segunda vez e opinar sobre o seu despacho.

Na mesma instituição, havia uma outra professora de um curso diferente. Por ela, apesar de algumas boas qualidades que também possuía, eu não poria muito as mãos no fogo. Era uma criativa. Forjava histórias com uma verosimilhança notável, que às vezes chegavam a causar embaraços. Dentro do seu currículo, contava-se um período de tempo em que fizera parte de um pool de secretárias de um determinado ministro. Havia já uns três ou quatro anos que não estava nesse ministério, mas essa tinha sido para ela a sua coroa de glória. Chegou a dar-me um cartão, já algo amarelado, com o seu nome e a posição que ocupara. Pelo menos com algumas das suas alunas, mantinha porém a versão de que continuava ligada ao ministério, o qual, por assim dizer, não a podia dispensar.
Um dia, foi ela própria que me contou que nas suas turmas costumava dar, por especial deferência, o seu número de telefone directo do ministério. Pedia-lhes para ligarem para lá sempre que tivessem algum problema sério que não conseguissem resolver. É evidente que, por ser para o ministério, não havia muitas alunas que lhe ligassem. Porém, salvo uma ou outra vez em que as alunas ouviam o telefone tocar e não obtinham qualquer resposta, o directo funcionava mesmo. Era a professora, ela mesma, que as atendia. Tinha-lhes dado o número de telefone da sua própria casa. Directíssimo.

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