Devo dizer que a forma como reagi ao que acabava de ouvir foi de estupefacção: como era possível que uma central sindical como a UGT desse a sua concordância a uma concertação social que ia tão violentamente contra os trabalhadores? Como é que toda uma eventualmente necessária redução de preços do produto final recai na totalidade sobre os custos do trabalho e não, também, sobre as margens de lucro dos proprietários?
A questão anteriormente levantada pelo Governo relativa a uma meia-hora suplementar dada por cada trabalhador à empresa – sem qualquer remuneração acrescida – acabou, ao ser declarada como sem efeito pelo Governo, por constituir a chave para a aceitação de todo o resto de um pacote de medidas excepcionalmente duro. Estamos de certeza em presença da meia-hora mais cara que alguma vez os trabalhadores portugueses pagaram nas últimas décadas.
Todo o esquema foi montado de forma maquiavelicamente inteligente. Quem leia o preâmbulo da proposta de concertação social pode, se for ingénuo, acreditar naquelas excelsas medidas. Só que, depois, o articulado desmente cabalmente a encenação idilicamente exposta.
Os trabalhadores saem prejudicados na precariedade, que é em muito aumentada por várias alíneas, sendo que a da maior facilidade dos despedimentos não constitui o item menos relevante. Devido a falta de adaptabilidade a uma máquina tecnologicamente mais avançada o trabalhador pode ser despedido. Idem, devido ao não cumprimento dos objectivos previamente definidos pela firma.
Os trabalhadores saem prejudicados no corte de feriados e, pasme-se, as "pontes" eventualmente decretadas pelos proprietários são contabilizadas para efeitos de dias de férias dos trabalhadores, que ficarão por conseguinte reduzidas. A juntar aos dias feriados que vão ser em menor número.
A flexibilização do trabalho envolve a flexibilização do trabalhador, que se sujeitará a trabalhar em alturas em que poderia – e deveria - estar a descansar. É que o trabalho quando em excesso fatiga. Sobre a motivação / desmotivação para o trabalho não ouvi nada de concreto. É que o trabalhador é cada vez mais visto como uma máquina, um recurso tangível com a característica de ser "humano", razão por que de há muito as Direcções de Pessoal foram substituídas por Direcções de Recursos Humanos.
O pagamento das horas extraordinárias é, de uma maneira geral, reduzido para metade. O trabalhador que ganhava 100 por cento mais nas horas extra que fazia passa a ter um acréscimo de apenas 50 por cento. Se tinha direito a 50 por cento, passa a auferir 25 por cento mais. Trata-se de um pequeno corte, como é fácil de constatar…
As indemnizações eventualmente a pagar aos empregados pelo patrão sofrem cortes gritantes. A antiguidade deixa de contar como até agora.
Tudo isto para, como o canto embalador da sereia declara no preâmbulo, fomentar o emprego e dar aos jovens mais oportunidades de trabalho. Sacrifica-se o emprego do bode para dar trabalho precário ao cordeiro. A mão-de-obra torna-se com certeza mais móvel, mesmo volátil. Depois, graças a umas piedosas manipulações nas estatísticas, a taxa de desemprego baixa como efeito milagroso destas medidas. Sinal de que se está no caminho certo.
Henry Ford, numa das suas frases mais citadas, dizia que queria pagar bem aos seus trabalhadores porque, afinal, eram muitos deles que compravam os seus automóveis. Aqui, pelo contrário, é o poder de compra dos trabalhadores que é drasticamente diminuído. Preserva-se a formação de riqueza para os mais ricos, que, em vez de a distribuírem, a acumulam depois como almofada de segurança para dias eventualmente mais difíceis. Os offshores aguardam notícias. Quanto aos outros, que se governem!
Os culpados destas medidas, que são "obrigatoriamente tomadas porque não existe outra alternativa", não são os membros do actual governo nem os patrões ou os grandes accionistas. São os suspeitos do costume. O grande culpado já se sabe que é o Sócrates. E será por muito tempo. Mas junta-se-lhe toda a conjuntura internacional. E os famosos "mercados", que só aparentemente não têm rosto.
O exemplo do trabalho na China, barato devido a um excesso de mão-de-obra e a condições que a nós, ocidentais, parecem pouco humanas, terá dado o mote. Gradualmente, à medida que os trabalhadores chineses forem subindo, os nossos irão descendo. Até que se encontrem. É a pequinização do trabalho e dos trabalhadores. Em homenagem a Pequim.
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