5/24/2004

Azul e rosa

A maior parte das pessoas continuam a admitir que a sociedade em que vivemos é tipicamente machista. Sê-lo-á ainda, porventura, mas é um facto que muito da hegemonia masculina já se perdeu. Antigamente era muito mais declarada.
Esta história remonta ao tempo das cruzadas, há cerca de 900 anos. Nessa altura, os cruzados europeus pretendiam retirar das mãos dos infiéis o Santo Sepulcro de Jesus Cristo, na Terra Santa. Para o efeito, organizaram várias expedições em nome da cruz onde Cristo dera a sua vida para salvar o mundo. Essas expedições, em que tomaram parte alguns monarcas como o famoso inglês Ricardo, Coração de Leão, foram denominadas ?cruzadas? e tiveram um forte impacto pelo contacto efectuado entre a Europa e o Médio Oriente.
Na Europa, se a figura de Cristo era importante nesse tempo, a de sua mãe ganhou uma notoriedade excepcional -- certamente não tanto como mulher mas sim como geradora e mãe de Jesus. O número de catedrais construídas em nome de Nossa Senhora, também chamada de Santa Maria, foi enorme por toda a Europa. A maior parte delas existem ainda hoje. Chamamos-lhe com alguma propriedade "os arranha-céus do passado", com as suas torres altíssimas, num estilo que depois foi apelidado de gótico. Notre-Dame de Paris e Santa Maria de Lisboa (a Sé) são apenas duas dessas catedrais. A nova arquitectura só foi possível graças aos conhecimentos de matemática e geometria que os europeus adquiriram das civilizações muçulmanas do Médio Oriente.
Nesses majestosos edifícios, que permitiam paredes mais finas do que as românicas e consentiam a abertura de largas janelas, inviáveis na técnica anterior, sobressaíam os vitrais, em que naturalmente a figura de Nossa Senhora era frequentemente representada. A cor que lhe atribuiam era invariavelmente a do céu: o azul. O famoso "azul de Chartres" é inultrapassável.
Foi então que ocorreu aos mentores das cruzadas honrar com a cor de Nossa Senhora os rapazes que nasciam: eles seriam os futuros braços que iriam defender para todo o sempre o Santo Sepulcro. Daí nasce a tradição de vestir os rapazes de azul, que se mantém até aos dias de hoje.
Perguntar-se-á: e qual foi a cor que deram às raparigas? Numa sociedade predominantemente masculina, não houve então qualquer preocupação em conferir uma cor específica às raparigas. Só muito mais tarde, no século XIX, na implementação dos três princípios básicos da Revolução Francesa -- Liberdade, Igualdade e Fraternidade -- é que a igualdade entre os dois sexos foi pela primeira vez alvo de manifestações públicas. E se os rapazes tinham a cor azul quando nasciam, que cor se deveria dar às raparigas? Escolheu-se uma cor nobre, a dos palácios reais e da nobreza da altura: o rosa. E assim ficou até hoje. Cor-de-rosa para as raparigas, azulinho para os rapazes.

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