5/23/2004

Falas de bichos

Os portugueses são muitas vezes apodados de melancólicos, tristes e sentimentais, e existirá porventura uma certa razão para este tipo de rotulagem. A roupa que o português médio usa não é também muito garrida, embora tenha havido nas últimas décadas uma considerável evolução neste domínio. Contudo, algo que os estrangeiros que nos visitam não podem negar é que um dos símbolos mais marcantes do país possui cores bem vivas: o galo de Barcelos. É só olhar e ver!
O que os visitantes não suspeitam é que o galo português canta de maneira bem diferente dos galos dos seus países. Ainda me terão de explicar bem um dia por que motivo o galarote lusitano se espevita todo com um cócórócócó, assim mesmo com os ós todos bem abertos, e o galo húngaro, por exemplo, se fecha num kukuriku. O galo francês fica a meio-termo: côcôricô. O inglês, como é hábito, diverge de todos e assalta-nos com um shakesperiano cock-a-doodle-do!
Como é evidente, os animais não fazem objectivamente sons diferentes num país ou noutro, mas o ouvido humano e a associação dos sons a palavras existentes na língua condicionam a forma como o bicho-homem reproduz o som emitido pelos outros bichinhos do universo.
O perú é outro dos casos. Um perú de boa cepa lusa cantará sempre da mesma forma: glu-glu! Do outro lado do Canal da Mancha os perús têm um som mais aberto: gobble-gobble. Já tentei a experiência com perús portugueses; cantei-lhes gobble-gobble e eles retorquiram-me imediatamente com o seu incontornável glu-glu. Donde se prova que mesmo neste reino há capacidade de entendimento entre as duas populações.
E os cães portugueses? À boa maneira do som nasalado dos sinos lusitanos com o seu tlin, tlão, os cães ladram ão-ão, mas só se forem grandes; béu-béu se forem pequenos. Não se espere imitação por parte dos congéneres britânicos -- imitação é apenas própria dos macacos. Assim, o cãozarrão inglês ou americano limitar-se-á a ladrar arf! arf!, sem qualquer conotação nasal, e o cãozito pequenote reduzir-se-á ao seu wau! wau!
Os exemplos não faltam: o carneirinho português entrega-se, deliciado, ao seu mé!... mé! ..., enquanto o britânico lança um angustiado bah! A vaca e o boi portugueses voltam à nasalação que já encontrámos atrás: mãããããã! O gato é que soa muito igual de ambos os lados do Canal: mewau (miau). Mesmo assim, entre nós reage ao chamamento de bch, bch, bch, que gatos britânicos habituados ao pussy pussy! no mínimo estranhariam.

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