5/19/2004

Duas religiões, duas culturas

Um dos meus grandes choques culturais deu-se em Rabat. De visita a Marrocos com a família, depararam-se-me as espectaculares ruínas da mesquita que foi outrora a maior do mundo islâmico, com as suas 365 colunas e o seu imponente minarete. A mesquita fora construída à beira do Atlântico, onde a terra acaba e o mar começa, lá no Algarve=Ocidente marroquino. Ela marcava a última fronteira a oeste de uma religião que se tinha expandido extraordinariamente desde a sua génese no Médio Oriente no século VII da era cristã.
O choque cultural que recebi deu-se ao ser informado que aquela fabulosa mesquita, decerto grande orgulho de todo o Islão, tinha sido destruída pelo tremor de terra de 1 de Novembro de 1755. Na minha educação, falaram-me repetidamente desse terramoto e referiram-me com ênfase a enorme destruição que ele causou na capital do país, Lisboa.
Múltiplas histórias circunstanciadas que vêm registadas em livros descrevem a terrível catástrofe que desabou sobre a cidade de Lisboa, o tsunami que a acompanhou e o desfile de caos e de miséria que ambos deixaram no seu rasto. Lamenta-se os mosteiros, os conventos, as igrejas e os palácios destruídos. Fala-se de vales abertos na cidade, estima-se o número dos mortos e dos feridos. Especula-se sobre as razões que terão levado a mão de Deus a abater-se sobre uma cidade aparentemente tão pia.
E, no meio de tudo, nem uma palavra sobre a Grande Mesquita de Rabat. Era o mouro. Para os cristãos, os outros não contam, ou contam muito pouco. Em Lisboa, nem uma mesquita moura sobreviveu até aos dias de hoje. E várias havia, naturalmente. A Sé da cidade, por exemplo, foi construída no local da Grande Mesquita. O Colégio dos Jesuítas no local de uma outra mesquita.
Esta posição dos cristãos, contrária à sua doutrina escrita, contrasta com muito da prática islâmica. Não posso deixar de pensar numa das maravilhas do mundo que é a Hagia Sofia, em Istambul. Construída pelos cristãos do Império Romano do Oriente no século VI, essa grande beleza arquitectónica conseguiu resistir até hoje, apesar de ter sido englobada no mundo islâmico com a queda de Constantinopla. Que lição! Que enorme diferença entre esse comportamento e o dos cristãos! Neste últimos, que esmagador abismo entre as palavras e os actos!

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