12/12/2005

Harold Pinter

Embora, por razões literárias e sentimentais, eu tenha apreciado mais a alocução proferida por Saramago aquando da cerimónia de entrega do Prémio Nobel de Literatura em 1998, não posso deixar de chamar a atenção aqui neste blog para o texto muito interessante, tanto do ponto de vista literário como político, que Harold Pinter enviou há dias para idêntica cerimónia em Estocolmo. Questionando-se sobre a natureza da verdade e a distinção entre o verdadeiro e o falso, Pinter descreve o processo criativo de algumas das suas peças de teatro e passa depois, como cidadão, a abordar a grande mentira: o posicionamento dos Estados Unidos nas últimas décadas. Considera a política dos Estados Unidos um perigoso mas inteligente bluff à escala global, que embora não seja tradicionalmente comparada às criminosas políticas soviéticas, essas sim, muito badaladas, não lhes fica atrás em real sofrimento para a humanidade. Cita um Pablo Neruda denunciante literário de bombardeamento de civis como Picasso fez pictoricamente com Guernica. Diz, quase no final: "Quando olhamos para um espelho, pensamos que a imagem que se nos depara é exacta. Contudo, se nos movermos um milímetro, a imagem muda. Estamos na realidade a olhar para uma série infinita de visões reflectidas. O escritor tem por vezes necessidade de quebrar o espelho - pois é do outro lado desse espelho que a verdade nos contempla."
Para quem estiver interessado, o http://www.swedishacademy.org contém a versão integral (nove páginas). No dia em que Bush fala da necessidade de prosseguir a implantação da democracia no Iraque, ao mesmo tempo que refere os 2040 americanos mortos no conflito e os 30000 civis iraquianos que já perderam a vida, este discurso é uma leitura muito a propósito.

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