11/15/2003

Lingua afunkalhada...

O desabafo do João Ratão provoca-me alguns comentários.
Lembro-me de Karl Kraus (o grande crítico da linguagem) dizer que se a língua está em ordem, o mundo está em ordem. A língua é um espelho, não apenas daquele que a usa (ou que julga que a usa: muitas vezes é ela que dele se serve) mas também do mundo e da visão que dele se tem. A minha preocupação nem são tanto os acórdãos do tribunal mas antes o lamaçal da língua que ouvimos e sobretudo lemos em algumas áreas da nossa sociedade. Ao ler algumas secções da nossa imprensa sinceramente que me sinto mal com uma língua que tem potencialidades para dizer realidades que podem não nascer dela mas que ela está com certeza em condições de assimilar à sua própria matéria, sem precisar de se vestir de remendos estranhos, de tapar buracos com pensos rápidos vindos de fora. Não, não sou um purista, mas sinto uma desfiguração da língua através da proliferação selvagem de empréstimos em bruto, tirados do inglês e lançados sem mais para o meio da frase portuguesa em áreas como a economia, a comunicação, a publicidade, a informática... Aquela língua com certeza que não pode ser a pátria de ninguém, seja em que sentido for (bem sei que a economia há já muito que é apátrida).
Imaginemos agora alguém à procura de emprego que procura salvação nos anúncios dos nossos jornais. Vê-se às aranhas para entender o que se pede. Na posição dosponível terá que "reportar" à direcção comercial europeia. A empresa é product-leader no mercado. O candidato terá que envolver-se constantemente em acções de merchandising ou conciliar a actividade de researcher com uma forte cooperação na área de new business / client service. O que vai ganhar não se chama vencimento, ordenado, jorna, salário ou comissão mas sim qualquer coisa que ele tem que descodificar primeiro para saber se vale a pena: package remuneratório. E depois de alguém lhe explicar como é que lhe vão empacotar o que ganha, tem de estudar bem a situação não vá o "plafonamento" dos seus impostos fazê-lo receber metade do que tinha calculado. Só depois pode decidir a qual lugar se candidata. E não lhe falta por onde escolher: desde key account a country manager, passando por researcher ou comptroller e até ao muito cobiçado lugar de spare parts manager. Se nada disto lhe agradar sempre pode tentar outros caminhos, por exemplo numa joint venture numa das muitas tranches do mercado com futuro para os jovens business men portugueses. De qualquer forma, parace que o marketing é sempre um must. Se o marketing business to business não der há sempre o marketing mix sem perder de vista o targeting e seguir religiosamente o princípio do customer care.
E a imaginação em português, a criatividade na própria língua? É coisa que alguns criadores, publicitários, por exemplo, de resto muito criativos, parecem não ter. Ou então é o cliente que lhe corta essas possibilidades. De qualquer forma, o que Karl Kraus dizia sobre a língua e o mundo parace até nem se aplicar aqui: a língua, a nossa, anda afunkalhada e o mundo, pelo menos o da alta finança, nunca esteve melhor.
Fico por aqui porque parece que o meu laptop vai crashar!!!!!

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