Em manchete a vermelho, o jornal Público de hoje chama a Angola "terra sem direitos humanos". Este tema é desenvolvido nas páginas interiores e recebe um editorial do director do jornal, José Manuel Fernandes (JMF). Tudo isto vem, naturalmente, a propósito da visita de vários empresários portugueses a Angola, politicamente acompanhados pelo primeiro-ministro Sócrates.
Diz JMF no seu editorial que não se compreende que Sócrates não tenha nada a dizer face às realidades dramáticas do país. Afirma que custa a entender que se possa defender que empresas portuguesas devam entrar em Angola apostando em parcerias "com as empresas locais, quando se sabe que estas só medram num clima de corrupção generalizado e que as de maior sucesso são as que têm maiores ligações à família do próprio Presidente José Eduardo dos Santos."
É extremamente curioso que JMF, um dos grandes defensores da invasão e ocupação do Iraque pelos americanos, invasão que naturalmente significa um ataque à soberania de um país estrangeiro e implica numerosos negócios de vulto para empresas americanas, os quais ele não condena, venha agora falar de cátedra contra os dirigentes de uma antiga colónia portuguesa. Os "negócios" no Iraque custaram já mais de 30 mil mortos civis. Nada disso conta, aparentemente. Em jeito paternalístico, como se Portugal ainda continuasse a ter algum chapéu protector sobre Angola, JMF verbera a quebra dos direitos humanos.
Muito da falta de democracia que de facto se regista em Angola deve-se a vários factores, de que me permito destacar dois: por um lado a enorme dependência do país dos seus recursos naturais, que são controlados pelo Estado; por outro, a falta de preparação democrática do povo angolano, algo que os portugueses, colonizadores durante séculos, não souberam dar porque também não a tinham em casa.
Angola enfileira no grupo de nações como a Arábia Saudita, a Nigéria e outros países muito dependentes de recursos naturais controlados pelo Estado. Nesses países, a entourage dos governantes é rica, o restante da sociedade pobre. O Estado não tem de taxar o seu povo para alcançar riqueza, nem o seu povo seria suficientemente rico para pagar impostos elevados. É assim em múltiplos países. Se a sociedade civil não tem poder reivindicativo, o Estado dá-lhe muito pouco. É por este motivo que o PIB por habitante de um país, conjugado com o índice de Gini, tem uma relação directa com a instituição da democracia.
Empresários sabem de negócios e é de negócios que estão a tratar. Neste sentido, a economia é amoral. Por que motivo nunca se insurgiu JMF contra os americanos que representam 65 por cento das exportações de Angola? E, por outro lado, quer-se fazer crer que neste país impoluto que é o nosso todos os negócios são limpos e claros?
Há alturas em que seria melhor que JMF não ligasse o seu laptop para escrever editoriais deste jaez.
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