4/27/2006

Il Gattopardo


Montesquieu, o autor de L'Esprit des Lois (1748), era um erudito que gostava de verificar in loco se a teoria era posta em prática. Interessado em estudar a aplicação do direito em diferentes países, não se limitou a ler os respectivos códigos. Viajou, tentando ver como as coisas se passavam na prática. E, como não será de estranhar, encontrou em certos países europeus não uma pequena brecha mas um extenso vale entre o que estava preceituado e o que era realmente aplicado.
Em Portugal anunciaram-se recentemente três novas medidas, aliás referidas neste blog. Uma tem a ver com o abaixamento da percentagem de alcoolémia no sangue de condutores para um máximo de 0,2 gramas por litro. Uma segunda refere-se à proibição de fumo em restaurantes e outros espaços fechados, além da interdição de venda de tabaco a menores de 18 anos. A terceira, já aprovada, especifica que existirá uma quota mínima de 33,3 por cento tanto para homens como para mulheres nas listas para as eleições legislativas, autárquicas e parlamento europeu. É possível que as duas primeiras medidas nem entrem em vigor, mas é um facto que se nota uma aparente tentativa de colocar o nosso país à la page no que respeita a preceitos deste tipo. Ficará apenas a faltar a questão do aborto, que será também de englobar nesta onda de modernização legislativa. Assim não se destoa do europeu. Agora, se se cumprem ou não as leis, algo que Montesquieu andou a verificar no seu tempo, será talvez outra coisa.
Para começar, é natural que os 0,2 g./l não sejam instituídos a não ser, eventualmente, para os condutores profissionais e para jovens. Quanto ao fumo em restaurantes, talvez, mas demorará algum tempo. Nos bares é que será decerto mais difícil. No que respeita ao fumar por parte de miúdos de 15 ou 16 anos, é natural que continue, embora seja de admitir que não sejam eles propriamente que vão comprar o tabaco para não terem eventuais aborrecimentos. No que toca às listas eleitorais, se não se indicar que as candidatas mulheres devem especificamente alcançar essa percentagem logo na primeira metade da lista, é muito possível que muitas acabem por ser relegadas para lugares não elegíveis. Ou seja: à boa maneira do Leopardo siciliano, muda-se alguma coisa para que tudo fique sensivelmente na mesma. Acaba por nos dar uma sensação terrível de déjà vu.

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