E tudo isso fez desaparecer a avaliação comparativa a nível nacional. Como reagiram os professores? A esmagadora maioria não reagiu. As ordens vinham de cima. Manda quem pode. Afinal, o trabalho ficava facilitado para eles. Assim, acabavam por serem avaliados apenas os que estavam no 12º Ano. Porque, e esta parte é essencial na compreensão do fenómeno, ao não serem avaliados os seus alunos, os professores não recebiam igualmente qualquer avaliação. E a maior parte dos professores reagem como os juízes: gostam de avaliar, mas detestam ser avaliados. Ora, toda a gente sabe que, em ano de exame, tanto professores como alunos se aplicam mais. O rendimento sobe inegavelmente. Mas isso seria exigir produtividade, o que a ninguém verdadeiramente pareceu interessar. Os estafados argumentos dos exames que causam traumas aos alunos e são maus instrumentos de avaliação mais não constituem muitas vezes do que um escudo ardiloso para proteger os próprios docentes de uma avaliação e, cumulativamente, de mais trabalho.
Quando se chegava ao 12º Ano, notas baixas dos candidatos acabavam também por ser contornadas pelas escolas de ensino superior com total conivência do Ministério, que precisava de alimentar as numerosas instituições, privadas e públicas, que entretanto tinham proliferado como cogumelos. Bastava que duma média de duas disciplinas num dos conjuntos pedidos pela escola resultasse uma nota x, a que depois se juntava a média do secundário com coeficientes que, mais uma vez, beneficiavam a quantidade em detrimento da qualidade, para os alunos entrarem. Para outros candidatos em situação mais complexa, arranjaram-se em numerosas instituições, incluindo algumas estatais, percentis que garantiam que praticamente qualquer aluno entrava, se estivesse dentro do numerus clausus pré-estabelecido.
Entretanto, há meia-dúzia de anos apareceram provas multinacionais a baralharem o sistema que se praticava no país. O PISA (Programme for International Student Assessment) foi lançado pela OCDE a fim de medir a capacidade dos jovens de 15 anos para enfrentar os desafios da vida real. Aí, tanto a literacia matemática dos alunos portugueses como a sua capacidade para resolver problemas ficaram muito aquém do desejado. A careca do sistema ficou à mostra.
Por seu lado, interesses corporativos de engenheiros, juristas, economistas e outros ergueram-se ultimamente contra a enxurrada de novos concorrentes. Exigiram outra ordem. Maior rigor no ingresso no ensino superior.
Assim chegámos o ano passado a algo qualitativamente mais correcto no que respeita a esse ingresso. Mesmo assim, houve muitas instituições que deram a volta à questão de maneira menos ética, substituindo a Matemática, por exemplo, por provas de ingresso mais fáceis de maneira a garantirem a entrada de mais alunos. Suponho que se está presentemente a caminhar no sentido certo, mas falta ao Ministério ser honesto na totalidade. Seguir uma política de verdade e não de poluítica.
E os sindicatos? Esses, formados por professores e defendendo obviamente os interesses da classe, preocupam-se basicamente com os seus associados, muito mais do que com a denúncia de situações que teriam efeito de boomerang sobre eles próprios.
Esta é uma questão complexa mas que, a partir de agora, só pode melhorar. Infelizmente, o ingresso no mundo do ensino por parte do corpo docente não é ainda condicionado, tanto quanto sei, por provas que atestem a capacidade de um professor ou de uma professora para leccionar. Não me refiro, obviamente, a conhecimentos científicos, que esses constarão dos diplomas outorgados pelas várias instituições de ensino, mas sim a provas práticas e teóricas de admissão à docência. Se antigamente a docência era praticada por pessoas que a escolhiam como sua opção número um, há muito que a explosão do sistema educativo e o aumento de desempregados detentores de graus de ensino superior arrastaram para a docência pessoas que a escolheram muito mais como recurso do que como primeira vocação. Isso pode ter claros efeitos contraproducentes no rendimento final dos formandos. Desde os docentes do 1º ciclo - tão ou mais importantes nas suas funções como os do 1º Ano das instituições de ensino superior -, deverá haver um controle de qualidade de todos os agentes de ensino.
E deixemos de nos comparar com países estrangeiros mais evoluídos, copiando deles apenas aquilo que serve os nossos interesses. Um todo não pode ser mutilado, especialmente quando a base estrutural não é a mesma. À maneira árabe, os portugueses ligam mais às palavras do que aos actos, mais à forma do que ao conteúdo. Talvez seja por isso que a palavra inglesa accountability, que significa responsabilização e prestação de contas, é usada tão frequentemente entre aspas e na sua forma original.
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