7/23/2010

Qualidade e felicidade

Tal como decerto muitas outras pessoas, associo frequentemente qualidade a felicidade. Suponho que o faço devido a factores que me parecem comuns.
A qualidade não depende apenas de um produto ou de um serviço. Ela está muito dependente do juízo que o seu utilizador faz. Posso eu próprio considerar de qualidade um automóvel Volkswagen que comprei; porém, é inegável que para determinadas pessoas abastadas um Volkswagen não possui qualidade suficiente. Qualidade para elas será a de um Ferrari ou de um Rolls-Royce, com uma série de requisitos que o VW em questão não oferece. O limiar das expectativas e consequente satisfação das pessoas condiciona muito a sua noção de qualidade. A um limiar baixo corresponde, naturalmente, um produto ou um serviço de qualidade absoluta menos elevada. Assim é que para muitos indivíduos um hotel de duas estrelas, bem localizado, asseado, com quartos aprazíveis, um bom pequeno-almoço e preços razoáveis, preenche os requisitos de qualidade. Haverá outros indivíduos para quem mesmo um hotel de cinco estrelas poderá não possuir qualidade suficiente, por uma razão ou por outra.
Daqui se concluirá, de maneira sintética mas não muito distante da realidade, que a qualidade de um produto ou serviço está directamente relacionada com a expectativa da pessoa que o adquire ou utiliza.
Ora, suponho que com o conceito de felicidade se passa algo muito semelhante. (Gostaria de acentuar que considero a felicidade o objectivo mais importante da vida do homem, seja essa felicidade atingida em momentos mais ou menos fugidios, seja em períodos mais prolongados, daqueles que são imensamente gratificantes quando a memória no-los traz em retrospectiva.) Tal como a qualidade, a felicidade depende do indivíduo. Quem está invariavelmente insatisfeito não pode, em meu entender, ser uma pessoa feliz. Uma das razões é porque, muito possivelmente, conjuga a felicidade mais com o "ter" do que com o "ser". A insatisfação depende do limiar de expectativas. Concordo quando se diz que a verdadeira felicidade consiste em apreciar o que temos e não em sentirmo-nos mal por aquilo que não temos. Ou, se se pretender numa variante, a felicidade não depende daquilo que nos falta mas sim do bom uso que fazemos daquilo que possuímos.
Existe uma enorme tendência para medir a inteligência de uma pessoa pelo dinheiro que ela consegue fazer. Inteligente será quem consegue fazer muito dinheiro. A raiz do mal residirá no facto de se insistir demasiado que é no êxito da competição que está a principal fonte da felicidade. O êxito pode ser um dos vários elementos da felicidade, mas o seu preço será demasiado elevado se a ele se sacrificarem todos os outros elementos.
Uma vez, ao ler um jornal parei para ler melhor a frase de alguém que tinha escrito uma carta à redacção. Dizia basicamente isto: "Basta ser feliz. Não é necessário ser mais feliz do que os outros." Considero esta uma observação pertinente. Numa sociedade de keeping up with the Joneses, em que se pretende competir com todos para ser o melhor – receita tremendamente eficaz para o envenenamento da alma – é um erro pretender verificar se se é mais ou menos feliz do que os outros. É uma inadvertida (ou consciente?) auto-flagelação.
Fernando Pessoa perguntava "Porque é que, para ser feliz, é preciso não sabê-lo?". Acho que a resposta é sensivelmente coincidente com o facto de, quando fazemos um esforço para nos mantermos alerta a fim de detectarmos o exacto momento em que vamos cair no sono, não conseguirmos adormecer.
No seu Elogio da Loucura, Erasmo sugere que quanto maior for a sabedoria, menos feliz será a vida. Pessoalmente, atrevo-me a considerar que embora a felicidade possa eventualmente ser menos prolongada e mais intervalada para o sábio do que para o ignorante, quando ela surge é muito mais profunda, além de mais conscientemente percebida.

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