7/13/2010

A saga da economia e da finança continua



Depois de ter passado os olhos por dois artigos sobre o euro em revistas americanas, de ter lido um pequeno artigo da BBC News sobre o défice da balança comercial dos Estados Unidos e ainda uma notícia sobre o sistema bancário europeu no Público de hoje, decidi dar um salto até ao Parque das Nações, que fica a dez minutos de Metro da minha casa. Necessitava de desanuviar, aclarar ideias e, ao mesmo tempo, gozar de um fim-de-tarde ameno e sempre bonito à beira-rio. Olhando para aquele conjunto imponente de edifícios, alguns de muito boa arquitectura, tive que me indagar: será que todo este núcleo foi construído à custa de crédito bancário? E, se sim, será que os bancos portugueses tiveram que contrair empréstimos no estrangeiro para obter o capital de que necessitaram?
A pergunta é apenas simbólica. Nem o Parque das Nações representa o país, nem são aqueles hotéis e empresas que estão em questão. Mas a razão da pergunta sim.
Está presentemente em curso uma análise detalhada de bancos representativos de toda a zona euro. A análise (stress tests), igual para unidades bancárias da Alemanha, Espanha, Bélgica, Portugal e os restantes países da moeda única, pretende verificar qual é a real situação da banca europeia. Processo semelhante foi conduzido nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha já em 2008, i.e. há dois anos. Daí resultou um saneamento importante. Por que motivo se atrasou tanto a Europa nesta análise de conjunto? Basicamente, ao que suponho, porque a União Europeia não é um país, mas sim um grupo de países. Que muitas vezes se degladiam. Na falta de instituições políticas que sejam suficientemente fortes para impor uma medida deste estilo, só o agravamento da situação económica europeia nalgumas nações levou o BCE a decidir-se de uma vez por todas. Outras medidas se seguirão, possivelmente.
Segundo os americanos, que naturalmente nunca viram o aparecimento do euro-concorrente-do-dólar com bons olhos, o segredo que a Europa tem mantido guardado é que o seu sector bancário está mais doente do que a própria Wall Street. Os bancos da Europa terão sido tão agressivos quanto os americanos no jogo com "produtos tóxicos". No seu conjunto, os bancos europeus canalizaram 2,5 triliões (!) de dólares para as cinco economias mais periclitantes da EU: a Grécia, a Irlanda, a Bélgica, Portugal e a Espanha. Mesmo depois do desencadear da crise, em 2008, os bancos franceses aumentaram os seus empréstimos à Grécia em 23 por cento, 11 por cento à Espanha e 26 por cento a Portugal!
Os Estados Unidos estão preocupados com o desenvolvimento da economia europeia por uma razão básica: a estratégia de recuperação elaborada por Obama baseia-se na duplicação do volume de exportações americanas até 2015. Ora, se não houver uma Europa fortemente compradora – como está a acontecer actualmente – os EUA não conseguirão de forma nenhuma atingir esse objectivo. Lembremo-nos que o Plano Marshall do pós-2ª Guerra Mundial teve como objectivo principal a recuperação económica da Europa após o conflito... para que a América pudesse escoar os seus produtos.
Por outro lado, a crise europeia tem feito baixar a cotação do euro relativamente ao dólar, o que não só torna os produtos europeus mais competitivos, como ainda sobe o preço das exportações americanas, o que naturalmente dificulta as suas vendas.
O desemprego que assola alguns países europeus, nomeadamente a taxa de 20 por cento da Espanha e de 11 por cento de Portugal, é um problema gravíssimo. A aposta na construção imobiliária destes dois países e de outros, como a Irlanda, revelou-se imprudente. Graças a um juro baixíssimo, idêntico ao da Alemanha na medida em que estavam todas as nações na zona euro, os vultosos empréstimos contraídos por vários países sucederam-se. O resultado foi um aumento pouco cauteloso da dívida. Enquanto a Alemanha dispõe hoje de um saldo positivo gigante na sua conta corrente exportação-importação, países como a Espanha afundaram-se. Presentemente existem 800 mil casas em Espanha que não se venderam, o que deixou empresas e bancos a debater-se com enormes prejuízos. Entretanto, a falta de coesão da União é visível no facto de a Alemanha manter uma política económica de crescimento através das exportações e não através do desenvolvimento da economia interna. Deste modo, a Alemanha acaba por não ser o motor de que a União Europeia necessitava. Olha por si, e basicamente por si. Parcialmente tem razão: se a população fez sacrifícios e poupou, não estão agora dispostos a dar o produto dessa política a nações que foram mais cigarras do que formigas. Por outro lado, estão a actuar unilateralmente: por exemplo, ao contribuírem com empréstimos para a Grécia, acabam por ganhar dinheiro devido à sua taxa de risco ser menor. Igualmente com a venda de submarinos à Grécia e a Portugal, cuidaram mais das suas exportações do que da situação financeira dos países compradores, que são seus parceiros na União.
Em matéria de dívidas, é um facto que praticamente todos os países possuem dívidas consideráveis. Comparando com o seu Produto Interno Bruto (PIB), a percentagem da dívida grega é de 139 por cento! A da Itália vem logo a seguir (135 por cento)! São números incríveis, que mostram um enorme descalabro. Portugal está noutro escalão mais abaixo, mas também muito elevado: 99%, tal como a França. A Irlanda chegou aos 93% e a Grã-Bretanha aos 91 por cento. A Espanha está, neste aspecto, bastante melhor, "apenas" com 78 por cento. Quanto aos Estados Unidos, possuem também uma dívida muito alta: 95 por cento!
Conseguirão os países europeus e a América recuperar deste notório desequilíbrio? Essa é a grande questão. Será preciso fazer da União Europeia um bloco mais federado e menos nacional? Como resolver a questão do desemprego? Como impedir lutas sociais entre os privilegiados mais velhos e os trabalhadores precários mais jovens e menos protegidos? É importante que estejamos atentos às notícias.
A propósito, uma notícia de hoje diz-nos que o saldo negativo da balança comercial americana atingiu o valor mais elevado do último ano e meio. E o deficit nas trocas comerciais com a China chegou aos 22 biliões de dólares! Um dos grandes culpados da situação, segundo os americanos, é a subvalorização da moeda chinesa. No fundo, o grande problema para a América é que já não é ela que dita todas as leis, como antigamente. A estratégia de fixação de preços à escala mundial de commodities como o café, o cacau, o petróleo, o zinco, o cobre, etc., que os Estados Unidos usaram durante muitas décadas e que frequentemente estrangulava as finanças dos países produtores já fortemente endividados perante os EUA, acaba por ter efeitos semelhantes ao que a China faz agora com a não-valorização do seu yuan. A vida é assim: quem pode dita leis; quem não pode, amocha.

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