7/02/2010

Divagações banais sobre aspectos da natureza humana

Todos nós já certamente reparámos que é em face dos outros que nos definimos. As comparações entre bom e mau, alto e baixo, gordo e magro, inteligente e estúpido, diligente ou calão, habilidoso ou desajeitado, leal ou desleal resultam da nossa observação dos outros. É uma observação muitas vezes apressada e que, tendencialmente, nos é favorável.
Em termos colectivos fazemos o mesmo. Embora "a nossa terra" não seja melhor apenas porque nascemos lá e, objectivamente, possa não ser a mais bonita nem a que apresenta as melhores qualidades, tendemos a defendê-la; além do mais, é politicamente correcto sentir-se orgulho na terra onde se nasceu. Idem relativamente ao país.
Tomemos o caso de Portugal, que fica situado numa ponta da Europa, com o Oceano Atlântico a servir-lhe de fronteira a ocidente e a sul. Contamos apenas com um vizinho territorial: a Espanha. Ora, na mesma base da nossa análise a nível individual, também aqui tendemos a definir-nos exaltando as nossas qualidades face aos espanhóis. Desde a nossa língua aos nossos costumes, constatamos as diferenças. E, mais uma vez, tendemos a ser algo parciais na nossa observação.
De facto, no que diz respeito a Espanha, começamos por não estudar convenientemente a questão. Quantos portugueses estudaram verdadeiramente a História de Espanha, os seus heróis, os costumes e as tradições do povo espanhol? Dado que estamos basicamente interessados em nós, tendemos a ignorá-los. Criamos mitos, que preferimos ao confronto com a realidade. Dos espanhóis dizemos (1) que eles não nos entendem quando falamos ("porque são estúpidos"), (2) que têm que mexer nas coisas com as mãos e os dedos para as apreciarem ("não toques em tudo o que vês, não sejas como os espanhóis!"), (3) que um exército espanhol inteiro fugiu em Aljubarrota diante de uma corajosa padeira armada apenas com a pá do seu forno, (4) que a Espanha é terra de onde não vem nem bom vento, nem bom casamento, e assim por diante. É desta forma que nos vamos definindo, sempre favoravelmente: somos valentes (face aos cobardes), inteligentes (relativamente aos estúpidos), etc.
Não somos diferentes dos outros. Na mesma ordem de ideias, também os ingleses protestantes dizem coisas semelhantes relativamente (1) aos irlandeses católicos, (2) aos holandeses que em tempos antigos foram os seus grandes rivais, e (3) aos espanhóis, católicos, que contra eles lançaram a chamada "Armada Invencível", que acabou rapidamente destroçada. Assim também os franceses ridicularizam os belgas e, sobre os alemães, contam anedotas que os ridicularizam; os austríacos fazem o mesmo perante os germanos, assim como os católicos do ocidente europeu perante os comunistas do leste da Europa. A definição faz-se por contraste, subjectivamente vistos por um lado e pelo outro.
Nota-se aliás em Portugal esse mesmo efeito contrastante: o Norte vê-se como trabalhador e recrimina o Sul por ser gastador; o Alentejo entrou há umas décadas na berlinda por ter sido um bastião comunista num país católico.
Dentro da mesma linha e regressando ao plano individual, encontramos a má-língua. Uma mesa de café à volta da qual uns tantos amigos se reúnem regularmente congrega na generalidade pessoas com características afins e que comungam de ideias não muito dessemelhantes. Uma vez criada a sua identificação, trocam anedotas, piadas e farpas de toda a ordem em que o alvo é o adversário mais declarado e eventualmente o mais perigoso. Com isso, os confrades da távola saem da sua reunião bem dispostos: os ataques verbais ao inimigo serviram para alimentar as esperanças de melhores dias e para exaltar o ego de cada um.
Como é exaltado o ego? Facilmente: quem critica imagina-se sempre superior ao criticado, mais inteligente e sábio do que ele. Na crítica existe geralmente este elemento importante que traz felicidade ao crítico – ele sabe apontar os erros, o criticado não-presente só sabe cometer erros. Embora o crítico possivelmente sofra ou tenha medo de vir a sofrer com os "erros" do criticado, esse sofrimento fica compensado pela crítica mais ou menos feroz que ele faz. E se for secundado por amigos, tanto melhor: fica com testemunhas da sua superioridade.
Quando existe um problema colectivo, na medida em que o grupo tem muitas caras, a solução mais frequentemente encontrada para a crítica é arranjar um bode expiatório. A Santa Wikipédia informa-nos que em tempos antigos o bode expiatório era um animal que era apartado do rebanho e deixado só na natureza selvagem como parte das cerimónias hebraicas do Yom Kippur, o Dia da Expiação. Este rito é descrito no Levítico, capítulo 16. Daqui se passou rapidamente para uma técnica comportamental: se alguém lançar anátemas demonizando um indivíduo (ou um grupo de indivíduos), acusando-o de ser responsável por um problema real ou forjado, a existência desse indivíduo pode evitar que se fale dos verdadeiros responsáveis e assim impedir que o problema seja aprofundado.
Vamos tomar dois casos concretos e muito semelhantes, ocorridos no presente Campeonato do Mundo de Futebol. Tanto a selecção de Portugal como a do Brasil foram eliminadas antes das meias-finais. Acha-se geralmente que seria difícil criticar as equipas no seu todo; e acha-se geralmente que seria injusto. Por outro lado, a dor pela eliminação é grande. Reconhecer o valor das equipas que eliminaram Portugal e o Brasil seria em princípio objectivamente correcto, mas essa é a justiça que não se pretende, porque se a nação estrangeira é superior, nós passamos automaticamente a inferiores. Ora, quem faz a crítica não pretende ir para esse lado, porque ele próprio, englobado na selecção perdedora, ficaria também perdedor. Então, para evitar essa inconveniente objectividade, ele procura um bode expiatório. As soluções são sempre várias, mas as mais comuns andam geralmente à volta das seguintes, que podem ser usadas cumulativamente: 1. O árbitro (que favoreceu claramente a equipa contrária). 2. O treinador (que "desde o princípio eu disse que não era homem para aquilo"). 3. O lateral esquerdo e o avançado-centro (que nunca deveriam sequer ter sido seleccionados, "temos muito melhores do que eles"). 4. O azar ("Se aquela primeira bola tivesse entrado, o jogo teria sido completamente diferente e teríamos com certeza ganho").
É assim a nossa natureza. Ficamos sempre com a nossa honra salva. Não fomos objectivos, mas também porque deveríamos ser? Se nós não somos objectos mas sim sujeitos, não será natural que sejamos subjectivos?

Nota: O texto está algo confuso, mas fiquei sem tempo para o melhorar. As minhas desculpas. Entretanto, até dia 11 estarei fora de jogo relativamente ao blogue. Espero que os restantes bloguistas do A-Z dêem o seu contributo, como noutras ocasiões tem sucedido.

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