6/29/2010

Dom João II não está só



Posso estar muito enganado nesta minha congeminação. E, admito, não seria naturalmente a primeira vez que isso sucederia. Contudo, se neste momento não estivesse convencido do que penso, não traria o assunto aqui para o blogue; com fotografias e tudo, para que outros se possam pronunciar também. A transparência é assim.

Quando a estação do metropolitano da Alameda foi construída, foram feitas escavações bastante profundas para permitir a coexistência de duas linhas a níveis diferentes: a Linha Vermelha, até à Expo98 (altura em que foi inaugurada) e a Linha Verde do Cais do Sodré ao Campo Grande, já existente. O planeamento foi impecável, a encomenda aos artistas para a decoração final também. Salvo erro, um ou dois meses antes da inauguração da Exposição Mundial de 1998 já estava tudo pronto. As estações da nova Linha Vermelha surgiram magníficas, com a colaboração de artistas portugueses e estrangeiros. Adorei a das Olaias, concebida pelo arquitecto Taveira na sua decoração, com um notável espaço muito amplo e muito colorido, colunas que sobressaíam pelas suas dimensões, e azulejos. A Estação da Bela Vista, com azulejos da autoria de Querubim Lapa, estava um espanto. Chelas e Olivais não destoavam, a estação de Cabo Ruivo talvez tivesse um pouco menos de cor, mas se isso sucedia era apenas porque se queria realçar sobretudo a Estação do Oriente.

Sendo o tema da EXPO98 Os Oceanos, não admirou que as composições retratassem temas ligados ao mar e às descobertas. Na então estação inicial da Linha Vermelha – a da Alameda - a decoração foi entregue a Costa Pinheiro, um notável artista português que tem passado muito da sua carreira artística no estrangeiro, nomeadamente na Alemanha. Como artista, Costa Pinheiro executou na sua carreira pessoal, para além de notabilíssimos retratos dos vários heterónimos de Fernando Pessoa, uma série que considero excepcional - Os Reis -, onde retrata figuras bem conhecidas da História de Portugal. Para a decoração desta estação, Costa Pinheiro deveria apresentar, conjuntamente com instrumentos de navegação usados nos séculos XV e XVI, retratos de figuras proeminentes da saga dos descobrimentos portugueses. Como seria de esperar, lá estão representados o Infante D. Henrique, Fernão de Magalhães, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e o monarca que concebeu muito do plano da expansão marítima: Dom João II.

Ora é a representação deste rei Dom João II que me surge algo estranha. Olhando para o retrato de Dom João II segundo Costa Pinheiro, não me custa entrever uma segunda personagem. E, embora para isso eu pudesse e devesse fazer uma pergunta directa de esclarecimento ao pintor de Os Reis, avanço com uma suposição que me parece ter fortes possibilidades de ser correcta: a figura de Dom João II, um grande rei, está apresentada juntamente com a de um outro personagem do mundo actual que, exactamente junto à Fonte Luminosa, na Alameda em que a estação se situa, foi o grande líder de uma manifestação decisiva em 1975 contra o partido comunista, o qual, após o 25 de Abril, tinha tomado as rédeas do poder e controlava a maioria dos meios de comunicação social. A minha "tese" é a de que o retrato de Dom João II não representa uma única homenagem ao rei, mas também ao rei da liberdade proclamada bem alto ali na Alameda - alguém que, tal como D. João II, tinha tomado uma acção crucial para dar rumo à nau que é Portugal (e o mar estava bastante encapelado). Esse nome, para os que já não se recordem do acontecimento, é o de Mário Soares. Olhando para o retrato no azulejo é notória a parecença de um dos lados da figura representada com o antigo Primeiro-Ministro e Presidente Mário Soares, com as suas características bochechas plenas de bonomia. Os olhos da figura, se se reparar bem, são representados por duas pombas, símbolos de paz e liberdade. Toda a figura é dupla nos cambiantes de cor, mais escura na parte do rei (barbado) já há muito falecido, e mais clara para a outra alegada personagem. Terei razão?

Na próxima vez que passarem na estação da Alameda, dêem uma mirada mais atenta às personagens que Costa Pinheiro pintou em 1997. Esta a que particularmente me refiro está situada junto às portas de controlo automático de bilhetes que dão para as escadas junto à sucursal do Banco Millennium, na Alameda Afonso Henriques. Acho que vale a pena dar uma saltada até lá.

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