6/11/2010

Sobre a sustentabilidade do "insustentável"

No seu discurso do 10 de Junho, o Presidente da República portuguesa afirmou que a situação do país é insustentável. Foi a adjectivação mais dura que já lhe ouvi. Da sinceridade da sua afirmação não duvido e até da justeza da palavra. Ouso perguntar, entretanto, se o deveria ter feito. Ontem mesmo coloquei neste mesmo local um texto sobre palavras igualmente sinceras, e possivelmente correctas, ditas recentemente pelo Presidente da República da Alemanha. No caso alemão, as palavras do Presidente acabaram por provocar uma polémica que lhe desagradou e o levou a apresentar a sua demissão. Não é nada disto que está em questão em Portugal, mas sim a correcta aplicabilidade da adjectivação para incentivar o povo português e fomentar em todos o espírito de união e de consciência da necessidade de sacrifícios de que Cavaco Silva igualmente falou.
Não é impossível que eu tenha já alguma vez mencionado aqui uma história que se passou há bastantes anos com o meu filho na Escola Alemã, que ele então frequentava. Devido a classificações fracas a duas disciplinas, a escola não lhe deu as notas habituais nalguns testes de outras disciplinas. Era a política da escola para que o aluno arrebitasse, soube eu directamente do director, com quem me avistei. Tivemos uma conversa muito interessante e franca, na presença do director de ciclo, que se mostrou igualmente interessado no assunto. Concretamente, eu tinha visto um ponto de Inglês do meu filho classificado salvo erro com uma nota correspondente a 11. O teste merecia francamente mais, mas esta tinha sido a nota. O miúdo sentiu-se injustiçado e algo perdido. Ora, era isso exactamente o que a escola não pretendia; pelo contrário a escola queria que ele reagisse com redobrado ânimo para recuperar da situação menos habitual nele. Concluímos que estávamos em presença de duas culturas: a alemã e a portuguesa. Os portugueses são, no geral, menos rijos e disciplinados do que os alemães. Como a escola tinha turmas para portugueses e outras para alemães, foi mudada ligeiramente a política: manteve-se a rigidez nas notas, mas foi decidido não fazer passar a outras, como por osmose, o fraquejamento numa ou em duas disciplinas. Achei extraordinária de fair-play a reacção da direcção na altura (soube por uma professora da escola que tinha havido uma reunião dos professores sobre o assunto). O caso não tinha que ver só com o meu filho, naturalmente, mas já agora informo que quando as outras notas dele voltaram ao normal ele recuperou o ânimo e acabou por passar em todas as disciplinas, como aliás sempre tinha sucedido.
A pergunta agora é: o emprego do adjectivo "insustentável" vai levar o povo a reagir, a trabalhar mais e a exigir menos, a ser mais colaborante e a compreender que, mesmo que seja no futuro, não podem existir benefícios sem sacrifícios? Ou, pelo contrário, vai levar o povo a baixar os braços porque se a situação é insustentável não vale a pena lutar, e a tomar uma posição individualista, contra os políticos, já que afinal estes não souberam gerir os milhares de milhões de que a Europa mais rica colocou à sua disposição?
Pelo seu lado, o Governo tem dado demasiados sinais contraditórios. Tão depressa diz que a situação é difícil como embandeira em arco por ter havido um ligeiro saldo económico positivo durante um trimestre. Faz coisas incríveis como esta de deixar de fora os cortes salariais aos assessores e directores-gerais, como se estes não fossem cargos com uma fortíssima conotação política.
Pede-se coesão, e o que ressalta são opiniões contrárias. Relativamente ao turismo, o Presidente teve toda a razão. Aconselhar os portugueses a comprarem tanto quanto possível "produtos" nacionais não vai levar a nenhuma retaliação contra Portugal, até porque o país não está contra nenhum outro em particular mas sim, e apenas, a defender-se perante a situação. Tal como sucede com os gregos. Estas não são atitudes susceptíveis de criar nenhuma animosidade da parte de todo o estrangeiro. Toda a gente as entende. E, diga-se o que se disser, quem é rico continuará a ir gozar as suas férias no estrangeiro. Já agora, importante é que os membros do governo passem as suas férias em Portugal. Tal como sucede com as crianças que prestam mais atenção aos actos dos seus pais do que aos seus conselhos, a população de um país revê-se nos actos dos que a governam mais do que nas suas palavras. "Bem prega Frei Tomás" é coisa que todos nós estamos fartos de conhecer.
Num blogue de natural partilha, volto a colocar a questão: será "insustentável" um adjectivo demasiado forte ou aquele que mais se ajusta à realidade e à necessidade de uma valente chicotada psicológica?

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