1/11/2004

PortugalSA (3)

Conta a lenda que em tempos muito antigos chegaram ao norte da Península Ibérica dois santos, ambos combatentes na luta contra a moirama. Um deles chamava-se Iago, o outro Pelaio. Com o correr dos anos, o nome do primeiro transformou-se em Santiago, hoje o santo mais popular de toda a Galiza. O “l” intervocálico do nome do segundo caíu, como é regra por estes lados nas palavras pronunciadas muitas vezes, o que fez mudar o nome para “Paio” e, com a santificação, São Paio. Este outro campeão da luta contra os mouros cujo nome muitos aglutinaram numa única palavra – Sampaio -- terá descido ao território português, onde prossegue hoje insistentemente a sua luta. Vive numa mansão cor-de-rosa em local designado pelo mesmo nome do lugar de nascimento de Jesus: Belém.

Ou pela calada ou em público com voz tonitroante, quer no país quer no estrangeiro, o São Paio adoptado português tem lutado bravamente, qual Vieira pregador, contra os permanentes desmandos que vê à sua volta. Um topa-tudo que não pode ser tapa-tudo. O que encontra ele e prontamente desmascara do alto da sua tribuna? O incumprimento da justiça, ele que antes de ser canonizado cursou leis; o sistema de compadrio e favorecimento dos ricos em detrimento das massas de pobres que se vão avolumando. Clama por um verdadeiro Estado de direito, por efectiva igualdade de oportunidades espelhada em factos e não estagnada em palavras, protesta denodadamente contra as informalidades a que deseufemisticamente chama “cunhas”. Pede solidariedade durante todo o ano e não apenas pelo Natal, berra contra gastos desnecessários enquanto a justiça fiscal continua emperrada. É uma voz ética que se levanta em face de um conjunto governativo que actua como mero ariete de interesses económicos dos suspeitos do costume. Protótipo de santo, comove-se sentidamente com a sorte adversa de muitos. Tal como o “martelo dos hereges” que outro canonizado de Lisboa de nome António foi, ergue a sua voz exigindo transparência e constante espírito de cruzada contra os não-cumpridores das regras. Paladino do consenso, não se calou perante as vozes de guerra que ouviu à sua volta e esforçou-se, embora em vão, por levá-las ao correcto caminho da paz.

Voz que se ergue quase num deserto de orelhas moucas, São Paio é bem o testemunho do país que poderíamos ser mas que enquanto deixarmos todos os rios continuarem a correr apenas para o mar infelizmente não seremos. Talvez seja por isso que existem governantes – e os lobbies que lhes estão por detrás – que querem ver o santo pelas costas. Pretendem substitui-lo por um homem mais da sua confiança, para que Portugal tenha cada vez menos vozes discordantes e maior identidade de opiniões habilmente forjadas pela concentração dos media nas mãos dos mesmos. É um conceito de “democracia” de que os portugueses dos tempos da União Nacional ainda bem se recordam.

Valha-nos São Paio!

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