Muitas das coisas que admiramos são -- ou pelo menos assim o pressinto -- por compensação. Um não-aventureiro gostará de ler sobre aventuras. Um temeroso gostará de ler, ver filmes, ou ouvir histórias, sobre algo movimentado e excitante.
Os portugueses de hoje, parados, quase estáticos, gostam de relembrar os seus antepassados que mais se movimentaram. Também quem é velho gosta de lembrar a mocidade.
Isto é mesmo verdade? Neste domínio é mais difícil provar a hipótese do que num laboratório químico, por exemplo. Seja como for, aqui deixo algumas "compensações", alguns exemplos do re-equilíbrio das coisas e das pessoas:
. Quando transpiramos muito, por perdermos água e aumentarmos a nossa percentagem de sal, bebemos água para compensar. Voltamos ao equilíbrio.
. Quando fumamos muito e o sangue das veias tende a engrossar, sentimos necessidade de beber café para o tornar mais fluido.
. Quando o vento sopra, é porque há uma zona onde o ar está mais quente e outra onde está mais frio. O ar corre portanto de um lado para o outro, para voltar ao equilíbrio.
. Ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão. Já serve para equilibrar as coisas, pois não há praticamente ninguém que viva cem anos.
. Um velho que anda com uma rapariga nova compensa a sua falta de juventude com a que lhe pede emprestada a ela.
. Idem uma velhota com um rapaz novo. É o elixir da eterna juventude.
. Velhos que falam do passado compensam a energia que já não possuem. Vivem uma realidade virtual. Com isso reequilibram-se.
. Velhos que mostram fotografias da sua mocidade conseguem igualmente um efeito compensatório.
. Velhos e velhas gostam de se vestir de forma gaiata para assim contrabalançarem a sua idade.
. Países que comemoram frequentemente o seu passado, como é o caso de Portugal, procuram nessas comemorações uma compensação para o presente de que não se orgulham.
. Padres que proíbem os jovens de, afinal, se comportarem como jovens, dando largas à sua química de juventude, arranjam aí uma forma compensatória para a sua impossibilidade ética de fazer determinadas coisas em razão do seu sacerdócio.
. Uma rapariga menos bonita mas que estuda muito procura compensar através da parte intelectual algo que lhe é desfavorável fisicamente.
. Uma rapariga pouco atraente que lê muitos romances de amor produz em si própria um efeito compensatório que a faz sonhar e sentir-se feliz.
. Um homossexual em potência que fala alto contra os homossexuais em geral está a procurar obter uma defesa para si próprio através dessa atitude. Uma pessoa normal reagirá sem grande calor ao assunto.
. No geral, mulheres que não casaram adoram anedotas picantes como forma compensatória. Idem os homens.
. Sade escreveu na prisão sobre aquilo que não podia fazer. Foi uma forma esplêndida de se evadir da prisão.
. Algo de semelhante se passa com aqueles que não têm razão e, para compensar, falam alto, numa certa tentativa de amedrontar quem ousa pô-los em cheque.
. Ainda dentro da mesma linha, quem tem menos cultura tende a ser mais racista. É uma maneira de disfarçar a sua não-evidente superioridade sobre alguém de outra cor, superioridade que ele acha deveria possuir.
. O intelectual compensa o seu desgaste cerebral jogando ténis no fim-de-semana ou praticando outra actividade que o faça transpirar.
. Quem é tímido, usa frequentemente óculos escuros para compensar, disfarçando, a sua timidez.
. Quem é baixo e tem complexos com isso, usa frequentemente saltos altos para compensar a sua falta de altura.
. Um homem com pouco cabelo deixa por vezes o pouco que tem comprido atrás, como compensação. Barba ou bigode servem também de compensação por atrairem o olhar dos outros, desviando assim a atenção do ponto fraco.
. Quem não se sente seguro de si tende mais a ser religioso do que aquele que é verdadeiramente confiante. A religião funciona, no conhecido dizer de Marx, como ópio.
Os exemplos não faltam. Será que a compensação é mesmo uma regra que se pode estabelecer?
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