2/15/2005

CULTURAS

Enrique Rojas é um psiquiatra espanhol que tem o bom hábito de escrever. Diz-nos ele que a cultura, como estética da inteligência, representa a nossa curiosidade de irmos crescendo por dentro, alargando os horizontes da nossa paisagem interior. Isto significa que cada um deve tentar nutrir-se de arte, literatura, pintura, poesia, fotografia, ciência, etc. Esse "alimento" muda o ser humano e, nesse sentido, cultura é libertação. Tanto a liberdade como a cultura são chaves essenciais para a felicidade do homem. No mundo actual existe relativamente pouca cultura, porque o homem precisa de tempo (e dinheiro) para se cultivar.
A um outro tipo de cultura chama Rojas "cultura da mediocridade". Considera-a muito associada à linguagem da televisão. O grande desejo de conhecer a vida das celebridades, especialmente quando essa vida lhes corre menos bem, é um sintoma claro de cultura da mediocridade. Espreitar pelo buraco da fechadura a vida dos ricos ou dos famosos para perceber que eles também choram e também sofrem é não só negativo como medíocre. E é medíocre porque essas celebridades são frequentemente pessoas sem ideias e sem obra. A sua fama deriva de aparecerem na TV. Pelo contrário, uma pessoa de prestígio é alguém que leva uma vida harmoniosa, que se torna atractiva porque revela coerência, porque ensinou alguma coisa aos outros ou deu um exemplo notável. Esta é uma diferença essencial. (Adaptado da revista Xis de 12/02)
Concordemos com Rojas e dividamos, neste sentido, a cultura em tipo A e tipo B. Um pouco como o colesterol numa visão ultra-simplificada -- com o seu HDL, necessário e bom, e o seu LDL, igualmente necessário mas mau se excessivo -- assim também os dois tipos de cultura coexistem. E podem coexistir, embora em doses muito diferentes, em qualquer pessoa. Ambos são necessários e servem para alimentar o homem. Relativamente à cultura do tipo A, a que faz espraiar o nosso eu por aventuras actuais ou de outros tempos nos vários domínios acima explicitados, quanto mais ampliamos esses domínios, tanto mais vastos se tornam os nossos horizontes; mais interiorizada fica a nossa noção de efemeridade; mais concretamente se forma em nós a ideia de que o belo é a reunião de um largo conjunto de factores harmoniosamente combinados. Este aspecto cultural, que é estético mesmo no domínio da ciência, contribui decisivamente para a nossa formação e ajuda-nos a ponderar mais correctamente aquilo que é importante, separando-o do que é meramente acessório. É uma cultura que produz prazer, e felicidade de grau elevado, por momentânea que ela possa ser. É quando se diz, com Fernando Pessoa, que o binómio de Newton pode ser tão belo como a Vénus de Milo.
Em contrapartida, a cultura do tipo B compraz-se mais em saber o imediato, em conhecer as notícias que foram transmitidas na televisão ou publicadas na imprensa, estas últimas preferencialmente ilustradas e a cores. É uma cultura mediática que se alimenta de imediatismos. Voyeurista. O escândalo da princesa que foi vista na companhia de alguém pouco conveniente, o ministro que tem um filho de outra mulher que não a sua, o autarca que meteu imenso dinheiro ao bolso no desempenho do seu cargo, a apresentadora da estação de televisão X que está grávida de um apresentador do canal Y -- esses sim, são os grandes temas.
Em período eleitoral, os políticos têm plena consciência de um facto: tanto valem os votos dos indivíduos de cultura-predominantemente-A como os de cultura-tipicamente-B. Só que o número destes últimos é flagrantemente superior! Daqui resulta um populismo consciente dos candidatos políticos, numa tentativa de desequilibrar os indecisos para o seu lado. Por motivos tão simples como estes, não se deverá esperar que numa campanha eleitoral no nosso país exista um debate sério sobre temas característicos da cultura A, como o papel do Estado na sociedade, as vantagens e desvantagens do neo-liberalismo, ou a procura de um justo equilíbrio entre justiça fiscal e desenvolvimento económico. São necessariamente as promessas superficiais típicas da cultura B que são as privilegiadas.

De qualquer maneira, caro leitor, VOTE ANTES QUE ESGOTE!

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