Na revista de uma instituição, escrevi há pouco tempo que é vulgar em cursos de formação sobre liderança formular uma pergunta aos formandos: "Quem descobriu o caminho marítimo para a Índia?" A resposta virá de pronto, porventura acompanhada de ligeiros sorrisos: "Vasco da Gama!" "E quem foi o imediato?" Aí, ninguém sabe. "Pois é," conclui o formador, "o que interessa é o líder, os outros praticamente não contam."
A moda deste tipo de formação tem umas três décadas, no máximo, e é parte da influência que a mentalidade americana tem exercido sobre a europeia. Contudo, os que estão a secundar o líder contam, e muito. Embora uma liderança forte seja decisiva -- recordemos o sábio aforismo camoniano "Fraco rei faz fraca a forte gente" -- é um facto que, sem um conjunto coeso de pessoas de bom nível junto a si, o líder pouco pode fazer.
Vem isto a propósito da presente campanha eleitoral. Conquanto o que esteja em jogo seja a escolha de mais de duas centenas de deputados para a Assembleia da República e de um novo governo para o país, tudo se tem resumido fundamentalmente a uma disputa entre líderes. Lembra-nos as capas de revistas americanas, continuamente ilustradas com figuras como O Homem do Ano, A Personalidade da Década, O novo rosto da Palestina. Quando, como no último exemplo, esperamos ingenuamente uma reportagem sobre o rosto da nova Palestina, o que encontramos é um desenvolvido relato sobre a vida do novo líder.
Caminhar por esta via provoca o alheamento, pela sua falta de importância, da população na generalidade. Se apenas se fala dos chefes! O povo entende que conta apenas para legitimar, através do voto que deposita na urna, a colocação do líder no seu poleiro.
É uma sociedade inquinada a que assim procede. Mais do que nunca, estas eleições têm remetido para o quase total oblívio os deputados a eleger. Compreende-se porquê. Era a táctica que mais convinha a Sant'Anna Slotes e à sua mentalidade de jogador de casino. Tendo perdido em toda a linha na sua prática governamental, tendo sofrido a desonra de, como Primeiro-Ministro, ser "despedido" pelo Presidente da República, só lhe restava uma última aposta: o combate dos chefes. Como também é isso que agrada à comunicação social e à cultura populista, foi nisso que o país embarcou. Nos casinos, é frequente que o jogador que está a perder tente a sua última vez, apostando tudo. Para ele, perdido por cem, perdido por mil. Para os outros, que estavam de ganho, é que a aposta pode eventualmente representar um prejuízo. É uma táctica de jogador. Neste caso, porém, será de um jogador que o país precisa ou de um bom governante? E será ele sozinho o "salvador da pátria", ou toda a equipa que com ele é eleita?
À consideração do (e)leitor. E, como sempre, vote antes que esgote!
Sem comentários:
Enviar um comentário